Crise impulsiona lobby na advocacia

Maíra Magro, Beatriz Olivon e Carolina Oms

10/01/2017

 

 

O cenário político conturbado de 2016 e a ilegalidade no relacionamento entre empresários e o poder público, reveladas por operações como a Lava-Jato e a Zelotes, jogaram luz sobre as relações governamentais, uma área até então tratada com timidez pelos escritórios de advocacia. O setor foi estimulado recentemente pela necessidade de sistematizar uma forma segura, legal e eficiente de as empresas lidarem com os detentores do poder.

Em dezembro, foi criado em Brasília o primeiro escritório do país especializado na área: o MJ Alves & Burle Advogados e Consultores. Liderada pelo advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves, a banca atua na defesa de interesses nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo a resolução de litígios em tribunais superiores.

Durante os 20 anos em que atuou no escritório Mattos Filho em direito corporativo, especialmente tributário, Alves colecionou uma rede de relações com altas autoridades e empresários. Ao mesmo tempo, apaixonou-se pela área de relações governamentais, que em sua visão envolve o desenvolvimento de estudos e argumentos não só jurídicos, mas também econômicos e sociais, para pressionar por mudanças por meio dos Três Poderes.

O escritório tem um código de conduta pelo qual os advogados poderão rescindir o contrato se os clientes se comportarem de forma inadequada, como procurando diretamente um agente público para pedir favorecimento. No trabalho de pressão por mudanças legislativas, as propostas têm que ser apresentadas obrigatoriamente de forma oficial a um parlamentar, em nome da entidade que a patrocina. O objetivo é evitar situações de conflito de interesses, como projetos de lei assinados por parlamentares, mas escritos por advogados que defendem empresas afetadas. "Se tenho transparência, tenho segurança. Quanto mais luz em cima do assunto, melhor", defende Alves.

Ele prefere usar o termo "advocacy" ao referir-se à nova atividade, que, de acordo com ele, envolve conhecer bem o setor, definir os agentes estratégicos envolvidos, ou, no jargão em inglês, os "stakeholders" e apresentar uma proposta a um parlamentar que possa se interessar por ela, por exemplo. Em sua visão, somente essa última etapa poderia ser classificada como o lobby propriamente dito. Já no caso do Judiciário, o trabalho envolve defesas que levem em conta aspectos sociais e econômicos e estratégias que considerem o perfil de cada ministro.

O escritório também tem como sócios a advogada Fernanda Burle, que atuou em Washington como diretora de políticas do Brazil-U.S. Business Council, que representa empresas americanas com negócios no Brasil, além do advogado e cientista político Leandro Modesto.

Também em Brasília, bancas tradicionais como a Mattos Engelberg Advogados registraram um aumento de 60% na procura por serviços nessa área no ano passado. As mudanças geradas pela instabilidade política e a alternância de governo foram outros fatores que contribuíram para isso. "O alto nível de insegurança jurídica e institucional, além da intensa agenda de reformas do governo Temer, impulsionaram essa procura", diz o advogado Caio Leonardo Rodrigues, sócio do Mattos Engelberg e um dos advogados pioneiros na área de relações governamentais.

De acordo com ele, até a década de 1990, a cultura dos escritórios de advocacia era esperar a sanção de um projeto de lei para ir ao Judiciário. Hoje, sabe-se que é menos custoso participar do processo de decisão e tentar melhorar o que está sendo discutido.

Rodrigues descobriu a possibilidade de atuação em relações governamentais ainda nos anos 2000, em um cenário de privatizações e criação de agências reguladoras. "Me dei conta de que isso ia exigir um novo tipo de advogado, que soubesse falar a língua do setor privado e também do setor público", diz.

Segundo ele, a demanda pelo serviço teve uma primeira grande expansão em 2008, em meio à necessidade de o Estado brasileiro intervir na economia para reduzir os impactos da crise mundial de então. Mas a oferta de serviços na área ainda não estava amadurecida. "A procura bateu à porta dos escritórios sem que eles estivessem preparados para isso", afirma Rodrigues, que nota uma maior profissionalização do setor nos últimos quatro anos.

No Mattos Engelberg são oferecidos três serviços principais: o acompanhamento do ambiente regulatório; a criação de regras internas nas empresas para interação com autoridades e o fortalecimento da presença institucional e da capacidade de resposta a riscos políticos, regulatórios ou institucionais.

No Tozzini Freire Advogados, a área foi institucionalizada no ano passado, atendendo a uma demanda mais antiga percebida em diferentes áreas do escritório, segundo Luiz Fernando Visconti, sócio responsável pela área de mineração e corresponsável pela área de relações governamentais. Os profissionais acompanham projetos, levam pontos relevantes para autoridades e participam de audiências públicas. Em 2016, Visconti destaca o interesse de clientes de mineração pelas discussões sobre alterações no Código e royalties de mineração. "É importante desmistificar a atividade", afirma Visconti.

A edição da Lei Anticorrupção, em 2013, é outro fator que incentivou a demanda pela área de relações governamentais. No escritório Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), a entrada em vigor dessa lei resultou em uma primeira ampliação do setor, que passou a atuar junto com as áreas de ética corporativa e compliance. "Antes da lei os clientes já se preocupavam sobre a maneira correta de se relacionar com o governo. Com a lei e as penalidades mais rigorosas, a importância da área cresceu", afirma Eduardo Carvalhaes, sócio da área de Infraestrutura, Regulação e Assuntos Governamentais do BMA. Desde 2013, o crescimento da área foi de 30%, segundo o advogado.

Um caso típico para as áreas de relações governamentais, segundo Carvalhaes, é de estrangeiros que vêm ao Brasil e querem participar de licitações, entender o que podem ou não fazer. Para isso, as consultorias têm atuação mais limitada, segundo o advogado, já que não podem defender os clientes em eventuais processos administrativos ou judiciais. Mas não é incomum em investigações internas ou na criação de programas de compliance a atuação conjunta de escritórios e consultorias.

"Não fazemos lobby, mas damos conselho para os clientes sobre como se relacionar com o governo. Se aproximar do governo a gente não faz, já que hoje isso não tem regulamentação", afirma Carvalhaes. O limite é o acompanhamento de trâmites de projetos de lei no Congresso.

A demanda sobre relações governamentais sempre existiu para a sede do escritório Souza Cescon em Brasília, mas aumentou nos últimos dois ou três anos, segundo o advogado Luciano Inácio de Souza. A partir do segundo semestre de 2015, a área foi estruturada internamente.

Segundo Souza, o empresariado tem percebido que é importante saber o que acontece no Congresso, como as proposições caminham, acompanhar CPIs e audiências públicas e fazer a análise de risco do impacto das propostas junto ao setor que o cliente está inserido.

Apesar da demanda crescente por um canal regulamentado de relacionamento entre empresas e governo, essa articulação ainda não é bem vista pela sociedade, de acordo com a diretora do Instituto de Relações Governamentais (Irelgov) Larissa Wachholz. Ela considera, porém, que a reputação do profissional está mudando para melhor, especialmente dentro do mundo corporativo. Há dois anos, não havia sequer um curso de relações governamentais no Brasil, segundo a diretora. A oferta vem aumentando desde que o primeiro foi criado no fim de 2013.

"Hoje acreditamos que a área é vista como uma nova profissão", afirma a coordenadora do MBA de relações governamentais da FGV Management, Andréa Gozetto. No MBA, os profissionais costumam ser, originalmente, das áreas de Direito, Comunicação ou Relações Internacionais. A afinidade dos advogados é natural, segundo Andréa, já que a defesa de interesses é a base da atuação da profissão, mas a abordagem das relações governamentais é muito diferente do contencioso. "O advogado é treinado na faculdade para brigar e relações governamentais é tudo, menos isso", afirma.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4170, 10/01/2017. Política, p. A7.