'Sistema prisional no Brasil está entre os piores'

Cristian Klein

13/01/2017

 

 

O sistema prisional no Brasil está entre os piores da América Latina, de acordo com Daniel Wilkinson, diretor adjunto da divisão das Américas da Human Rights Watch, organização internacional de direitos humanos, que divulgou ontem, no Rio, seu relatório mundial sobre a área em mais de 90 países. Superlotação, facções e massacres em presídios - como os ocorridos em Manaus e Boa Vista - existem em outras nações do continente, disse Wilkinson, mas a diferença no Brasil é a quantidade de episódios de violência: "Em outros países não é tão frequente como aqui".

Outra peculiaridade do Brasil, ressaltou, é o desrespeito ao direito do réu de ser levado à presença de um juiz num prazo relativamente curto. "Isso só não acontece no Brasil e em Cuba", disse. Em muitos casos, presos ficam meses à espera até serem levados a um juiz. Para combater o problema, a Human Rights Watch defende a expansão do programa de audiências de custódia, já presente nas capitais e encabeçado pelo Conselho Nacional de Justiça, mas que requer interiorização e permanência, o que pode ser garantido por projeto de lei em tramitação no Congresso.

Pesquisador para o Brasil da Human Rights Watch, César Muñoz conta que no Maranhão, antes do programa, 90% dos presos em flagrante iam para a cadeia. Hoje, são 50%. "Isso com o julgamento feito pelos mesmos juízes", destaca.

A presença do réu perante o juiz, ressalta o pesquisador, é um fator que ajuda o magistrado a entender melhor o caso, se é de baixa periculosidade ou se houve tortura da polícia. "Muitas vezes, o juiz decide de seu gabinete, a partir apenas das informações da polícia. Já vi presos que durante dois anos sequer haviam sido levados a um juiz", disse.

A diretora para o Brasil da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu, classificou de "absoluto desastre" a situação carcerária no Brasil. E numa referência indireta ao presidente Michel Temer, que qualificou o massacre de 60 presos em Manaus de "acidente pavoroso", criticou a omissão do Estado. "Não é acidente. É absoluto descontrole do sistema prisional", disse. Em sua opinião, para se combater a superlotação, é preciso rever a "política retrógrada de drogas", numa referência à lei de 2006 que não estabelece critérios sobre a quantidade de droga que diferencia o usuário do traficante, que passou a ter punição mais pesada, de três para cinco anos de prisão. Com a avaliação subjetiva, a proporção de presos acusados por tráfico subiu de 9% para 28% entre 2005 e 2014. Outro problema é a alta taxa de presos provisórios: 40% ainda esperam julgamento. Para César Muñoz não se resolve superlotação construindo mais presídios: "A solução está no sistema judicial".

O pesquisador da ONG defendeu a criação de espaços neutros nas penitenciárias, como forma de evitar o recrutamento por organizações criminosas. A efetiva separação de presos por facções tem sido apontada por especialistas como medida para evitar novos massacres, mas é alvo de controvérsia. Autoridades como o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, são críticas da separação. "Visitamos o presídio de Pedrinhas, no Maranhão, onde houve mais de 90 mortos entre 2013 e 2014. As autoridades perguntam abertamente aos presos qual é a facção deles. O grande problema é o preso que não é de facção. O Estado precisa de um lugar neutro", propôs.

Muñoz lembra que 35 jovens estavam em Pedrinhas depois de participarem de uma festa, onde foram encontradas na casa drogas e duas armas que não eram deles. O pesquisador conta que muitos eram casados, tinham trabalho e não pertenciam a facção. Mas tiveram que optar em ficar na ala de uma das facções que dominavam o bairro onde moravam, pois do contrário poderiam ser violentados pela facção rival.

O relatório da ONG denuncia ainda o aumento da violência policial no Rio e mostra preocupação com a ameaça que o futuro presidente americano Donald Trump e o governo da Venezuela representam para os direitos humanos.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4173, 13/01/2017. Política, p. A7.