Míriam Leitão: ‘A crise já estava contratada’

Glauce Cavalcanti

10/02//2017

 

 

Em novo livro, colunista mostra que a recessão poderia ter sido evitada

“Será longo o inverno. Nós o atravessaremos com nossa alma tropical duvidando do sol. Mas ele voltará. Durante a travessia, vamos conviver com inflação alta, notícia de desemprego, recessão e todos os efeitos em cadeia da maior operação de combate à corrupção já vista no Brasil”. A sentença para os dois anos seguintes — que marcariam aquela que se tornou a pior crise econômica no país em cem anos — foi publicada pela colunista do GLOBO Míriam Leitão no fim de março de 2015. Esta e outras 117 colunas que datam de 2010 a 2016 estão reunidas em “A verdade é teimosa: diários da crise que adiou o futuro”, nono livro da jornalista.

— Falei do inverno no momento em que percebi o quanto o problema era profundo. A crise já estava contratada. Muita gente, economistas, jornalistas, alertou o governo porque ele vinha cometendo velhos erros. Mas ninguém foi ouvido. O descontrole dos gastos públicos, a leniência com a inflação, fazer um “tarifaço” logo após as eleições são erros que foram cometidos no passado. Minha esperança é que, ao ver no que erramos, possamos aprender com isso, pela terceira vez, e seguir adiante — comenta Míriam.

O livro foi costurado em torno de uma premissa: a crise poderia ter sido evitada. Assim, lista cada passo que, na visão da colunista, levou o Brasil à recessão, à desordem fiscal e à inflação. Para organizar o livro, Míriam contou com a ajuda do jornalista Alvaro Gribel. Ele colaborou com a maioria das colunas pinçadas dentre 1.800. Em outras, houve colaboração de Valéria Maniero e Marcelo Loureiro.

O diário começa em 2010, quando parecia ainda precipitado falar em crise, mas os primeiros sinais de que a economia saía dos trilhos já apareciam. O atropelado licenciamento ambiental da usina de Belo Monte inaugura a sequência de imbróglios apresentados.

— Quem trabalha com economia sabe que certas decisões contratam uma coisa ou outra para o futuro: afluência ou crise. Os erros cometidos pelo governo contrataram a crise atual — destaca Míriam, que abre o livro citando Zózimo Barroso do Amaral, colunista com quem trabalhou mais de 30 anos atrás: “Não será surpresa para esta coluna”.

“Aprendi que não há governo que pare em pé quando o governante provoca uma grave crise econômica”, escreve ela no capítulo de abertura de “A verdade é teimosa”. O título vem de uma coluna do fim de 2014, após à reeleição da presidente Dilma, quando o governo anunciou o até então negado rombo nas contas públicas.

A crise, enfatiza Míriam, encolheu o PIB brasileiro e abateu a confiança das pessoas no futuro, travando a economia. Fez o país mergulhar em dois anos de recessão severa, criou rombo inédito nas contas públicas e níveis nunca vistos de desemprego. São pontos relatados no livro em acontecimentos que mostram a “contabilidade criativa”, com a manipulação de números e estatísticas; o uso dos bancos públicos, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal; a crise da Petrobras; e a corrupção endêmica.

— As crises são terríveis, mas têm um fim. E temos capacidade de superação. Hoje, me aflige pensar no jovem, no desalento que ele experimenta. Alguém que entrou na faculdade no momento de euforia, de ascensão social, e saiu com as portas fechadas para ele. Ele precisa saber que vai doer, vai demorar, mas haverá uma retomada — diz ela.

O globo, n. 30503, 10/02/2017. Economia, p. 23