Moraes diz que atuará em casos de clientes de sua mulher

Eduardo Bresciani, Maria Lima e Tiago Dantas 

22/02/2017

 

 

‘Obviamente, me darei por impedido’, diz candidato ao Supremo, que se esquivou de outras polêmicas

-BRASÍLIA E SÃO PAULO - Na sabatina ontem no Senado, Alexandre de Moraes afirmou que vai se declarar impedido de julgar no Supremo Tribunal Federal (STF) processos nos quais sua mulher, Viviane Barci de Moraes, ou o escritório dela atuem. Ele destacou que o novo Código de Processo Civil já impede esse tipo de atuação.

— Em todos os casos em que o escritório eventualmente atue, já existentes ou a existir, em todos eles, obviamente, eu me darei por impedido. Eu o faria mesmo que não houvesse a previsão legal — disse Moraes.

O indicado à vaga no STF negou que tenha omitido do Senado o fato de a mulher atuar como advogada. O tema foi levantado por senadores da oposição. Moraes sustentou que só era obrigado a relatar atividades que tivessem relação com sua atuação no Ministério da Justiça. Ironizou as perguntas, questionando se deveria ter informado que dois de seus três filhos são estudantes de Direito.

— Eu tenho três filhos, dois fazem Direito. Um faz na São Francisco, na Universidade de São Paulo, e uma faz na Faculdade Presbiteriana Mackenzie. Então também têm vinculação comigo porque fazem Direito? Ora! — exclamou.

O indicado pelo presidente Michel temer ao Supremo também rebateu, repetidas vezes, a acusação de que teria praticado plágio em uma de suas obras acadêmicas. Ressaltou que o livro espanhol citado como origem da suposta cópia é uma compilação de decisões da Justiça daquele país e que nunca lhe foi feita qualquer acusação formal nesse sentido.

Alexandre de Moraes minimizou ainda o fato de que, em sua tese de doutorado defendida no ano 2000, defendeu que não fosse nomeado para o Supremo quem ocupasse cargo de confiança no governo. Afirmou se tratar de uma discussão acadêmica com vários outros aspectos, entre eles a defesa de mandato fixo para os ministros. Ressaltou que, nem por isso, iria recusar a vitaliciedade do cargo.

Alexandre de Moraes chegou de mãos dadas com Viviane, que o acompanhou toda a sabatina na CCJ. Além dela, o indicado foi acompanhado por dois assessores e 15 convidados. Diferentemente das manifestações contrárias nas redes sociais e de parlamentares da oposição na Câmara, o Senado não teve que montar esquema especial de segurança. Mas, no início da sabatina, pela manhã, deputados do PSOL, liderados por Ivan Valente (SP), enfrentaram os seguranças da Casa e entraram no plenário com cartazes contendo perguntas duras a Moraes. Entre elas , “defender Cunha qualifica?”; “Investigado ou réu pode escolher seu juiz?”, e “Excelência acadêmica combina com plágio?”.

A sabatina, que avançou pela noite, foi interrompida duas vezes, para um rápido almoço, e depois, no fim da tarde, para um café.

‘JAMAIS FUI ADVOGADO DO PCC’

Alexandre de Moraes foi questionado também sobre outro ponto polêmico: a suposta ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa com origem em São Paulo. Ele respondeu aos senadores que nunca trabalhou para o grupo criminoso nem para nenhum dos integrantes da quadrilha.

O boato de que o ministro licenciado da Justiça teria advogado para o PCC se espalhou há alguns anos, após a divulgação de notícias de que o escritório montado por Moraes em 2010 atuou em causas de uma empresa de ônibus acusada de ter sido utilizada pelo crime organizado para lavar dinheiro do tráfico de drogas.

— Jamais fui advogado do PCC e de ninguém ligado ao PCC — afirmou o ministro licenciado da Justiça durante a sabatina.

Durante a sabatina, Moraes confirmou que seu escritório defendeu a cooperativa de transporte investigada pela polícia, mas apenas em questões como indenização de trânsito. Ele também disse que entrou na Justiça pedindo reparação por danos morais e materiais contra sites que divulgaram notícias sobre os supostos trabalhos dele para o PCC:

— É algo calunioso, difamante — reclamou Moraes.

Entre 2010 e 2014, durante um intervalo em que não ocupava nenhum cargo público, Moraes atuou no mercado como advogado. A partir de janeiro de 2011, o escritório dele passou a defender, nas áreas cível e administrativa, a cooperativa de perueiros Transcooper, que presta serviço de transporte público para a prefeitura de São Paulo.

Em 2014, a Polícia Civil começou a investigar a Transcooper sob a suspeita de que estaria em nome de laranjas e seria usada para lavar dinheiro da venda de drogas do PCC. A ligação entre o crime e a Transcooper já havia aparecido em investigações sobre ataques a ônibus. O escritório de Moraes nunca atuou em causas criminais. Até hoje, nenhum dirigente da Transcooper foi condenado por ligação com tráfico.

Quando assumiu a Secretaria estadual de Segurança Pública de São Paulo, em 2015, Moraes afirmou ter saído do escritório de advocacia.

Na sabatina, Alexandre de Moraes deu uma versão diferente para a investigação. Ele disse que a Transcooper teve seu nome vinculado ao do PCC apenas porque emprestou a garagem para um evento realizado por um deputado. Duas pessoas investigadas por elo com a facção teriam participado desse evento. Moraes ressaltou que não há nada contra o deputado que organizou o evento, contra a cooperativa ou contra a atuação de seu escritório.

O globo, n. 30515, 22/02/2017. País, p. 6