Cabral já é réu por 611 atos de lavagem de dinheiro

Juliana Castro e Marco Grillo

22/02/2017

 

 

Justiça aceitou nova denúncia contra ex-governador; esquema ocultou imóveis e carros de luxo

Com a nova denúncia aceita ontem pela Justiça Federal do Rio, o ex-governador Sérgio Cabral já se tornou réu por 611 supostos atos de lavagem de dinheiro. As acusações mais recentes do Ministério Público Federal (MPF) decorrem da Operação Mascate, deflagrada em janeiro. O MPF, agora, imputa a Cabral 147 ações que tiveram o objetivo de esconder a origem dos recursos supostamente ilícitos — o ex-governador já era réu em quatro ações em função de outros 464 atos de lavagem identificados.

De acordo com a acusação recebida ontem pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, o grupo comandado por Cabral ocultou R$ 10,1 milhões em transações que envolveram a compra de carros de luxo, imóveis e transferências bancárias a uma empresa de fachada, fundada por Carlos Miranda, apontado como operador financeiro do ex-governador.

CONCESSIONÁRIAS ENVOLVIDAS

O MPF sustenta que a propina arrecadada por Miranda, com os executivos da Andrade Gutierrez, era entregue, em espécie, para Ary da Costa Filho, também integrante do esquema. Aryzinho, como é conhecido, repassava os valores para as concessionárias de carros Américas Barra e Eurobarra. As empresas, então, transferiam o montante para a Gralc, que depois virou LRG Agropecuária, companhia criada por Miranda. Os pagamentos eram justificados com serviços fictícios de consultoria. Desta forma, o dinheiro voltava “lavado” ao grupo.

O mecanismo foi revelado ao MPF por Adriano José Reis Martins, sócio, ao lado do pai, das concessionárias. Ele firmou acordo de delação premiada e, em depoimento, revelou que foi procurado por Aryzinho em 2006. O operador, nas palavras de Martins, disse que Cabral tinha pedido que as concessionárias fizessem pagamentos para a empresa de Miranda.

Os valores eram entregues a Martins em mochilas, e os pagamentos aconteceram entre 2007, quando Cabral assumiu o governo, e 2014, quando renunciou para que o então vice, Luiz Fernando Pezão, assumisse. O delator apresentou planilhas revelando que, entre 2010 e 2014, recebeu R$ 8,8 milhões de Aryzinho. Os valores foram depositados, sempre em espécie, em cinco contas bancárias. A Eurobarra e a Américas Barra, por sua vez, repassaram à empresa de Miranda R$ 3,4 milhões entre 2007 e 2014. O resto do saldo foi convertido em dois carros de luxo (um Camaro avaliado em R$ 222 mil e um jipe Grand Cherokee de R$ 212 mil) e sete imóveis (um em Búzios, na Região dos Lagos, três na orla da Barra da Tijuca, dois em Jacarepaguá e um prédio em São João de Meriti, na Baixada Fluminense).

AUDIÊNCIAS MARCADAS

Na primeira denúncia da Operação Eficiência, o MPF apontou dois atos de lavagem de dinheiro contra Cabral, mas eram relativos à ocultação de dinheiro da propina paga pelo empresário Eike Batista. Na denúncia do último dia 14, os procuradores se concentraram nos atos de lavagem de dinheiro da organização no Brasil. Ainda não foi alvo de denúncia a ocultação de US$ 100 milhões da organização no exterior, além de diamantes e ouro.

De acordo com o procurador Rodrigo Timóteo, novas denúncias podem ser feitas decorrentes das análises de dados. Cada ato de lavagem de dinheiro imputado a Cabral retrata cada vez que, segundo o MPF, o ex-governador tentou afastar a propina de sua origem ilícita, como quando efetua compra de joias, ou tenta dar aparência de legalidade ao dinheiro por meio de contratos fictícios.

As primeiras audiências da Operação Calicute foram marcadas para 15 e 17 de março. Entre os que serão ouvidos, estão exexecutivos da Andrade Gutierrez que afirmaram que Cabral cobrava 5% de propina nas obras.

Os advogados de Miranda, Cabral e Aryzinho não foram encontrados para comentar.

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Três helicópteros em nome da ‘segurança pessoal’

 

FROTA À DISPOSIÇÃO - Ex-governador prestou depoimento em ação pública que apura uso irregular das aeronaves

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) admitiu ontem, em depoimento feito por videoconferência, que fez uso particular dos helicópteros do governo do estado para suas idas a Mangaratiba, no Sul Fluminense, onde tem uma casa. Ele alegou, no entanto, que a utilização era feita por medidas de segurança. Cabral é réu numa ação popular que apura se houve excessos na utilização das aeronaves durante seus mandatos no Palácio Guanabara.

— Durante o fim de semana, pode ser que sim (tenha usado o helicóptero para fins particulares), alguma situação em que me desloquei... — afirmou o exgovernador, sendo indagado novamente pela juíza Luciana Losada Albuquerque Lopes, da 8º Vara de Fazenda Pública, se eram deslocamentos particulares:

—É — confirmou o ex-governador, ouvido de Bangu 8, onde está preso desde novembro do ano passado, quando foi deflagrada a Calicute.

O ex-governador do Rio alegou que havia uma recomendação da Subsecretaria do Gabinete Militar, por conta de segurança, para os deslocamentos serem feitos de helicóptero: — Toda hora havia denúncias de ameaças a mim e à minha família.

O peemedebista foi questionado se convidados da família viajaram nas aeronaves para Mangaratiba.

— Pode ter havido de modo excepcional — disse, afirmando que essa não era a rotina.

Em seu depoimento, o peemedebista alegou que outros ex-governadores também usavam aeronaves públicas para irem a suas casas de veraneio. Citou especificamente Leonel Brizola e Marcelo Alencar, que tinham casa em Petrópolis, na Região Serrana. Cabral disse ainda que, após a divulgação de reportagens sobre seus voos, resolveu regulamentar o uso das aeronaves por meio de decreto.

O ex-governador do Rio, visivelmente mais magro do que quando foi preso, usava uma camisa branca. A ex-primeira-dama Adriana Ancelmo seria ouvida, mas defesa e acusação abriram mão do depoimento, e ela foi liberada. Adriana está na ala feminina de Bangu 8 desde dezembro do ano passado.

Além de Cabral, foram ouvidas outras quatro testemunhas. Uma delas, o subsecretário adjunto de Operações Aéreas, coronel Marcos César Oliveira, disse que outros ex-governadores faziam uso semelhante das aeronaves. Outro piloto, André de Moura Alcântara, afirmou que levava os filhos, a ex-primeira-dama e funcionários do ex-governador, como a babá dos filhos, para Mangaratiba.

O autor da ação civil pública é o procurador aposentado Cosmo Ferreira. O autor pede o ressarcimento ao erário dos recursos gastos por Cabral com voos irregulares.(Juliana Castro)

 

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O globo, n. 30515, 22/02/2017. País, p. 8