Valor econômico, v. 17, n. 4186, 01/02/2017. Política, p. A5

Planalto não espera mudanças na Lava-Jato

Expectativa limita-se a apostar em diferenciação no julgamento de políticos entre caixa dois e propina

Por: Raymundo Costa

 

A escolha do novo relator da Lava-Jato é acompanhada no Palácio do Planalto e no Congresso com a expectativa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa vir a separar, nos julgamentos dos processos dos políticos, o que foi doação regular de campanha, caixa dois e propina. A ideia da anistia não foi abandonada, mas atualmente sofre oposição mesmo de dirigentes partidários.

No Congresso a aposta é que o novo relator sairá da 2ª Turma do STF, como Teori Zavascki, morto em acidente aéreo. Até o início da noite de ontem, quatro ministros integravam a Turma - Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Se se confirmar a troca da 1ª pela 2ª Turma, o ministro Edson Fachin participará do sorteio para a escolha do relator.

Mais que pânico ou apreensão, como tem sido divulgado, os dirigentes partidários analisam os possíveis desdobramentos da delação da Odebrecht e da escolha do novo relator. Quando à primeira, não há ilusões: qualquer um está sujeito a aparecer nas delações, pois todos em algum momento bateram às portas das empreiteiras atrás de recursos. Caberá ao STF distinguir cada caso.

Tem sido lembrado o exemplo do ex-presidente Fernando Collor de Melo, que sofreu o impeachment mas foi absolvido da acusação de corrupção no Supremo: foi provado que o atual senador por Alagoas recebeu um carro, mas o Ministério Público não conseguiu vincular o presidente a alguma contrapartida oferecida em troca pelo presidente.

Na avaliação de pelo menos um presidente de partido - que diz nunca ter feito nada errado mas não ficará surpreendido se aparecer na lista da Odebrecht -, a escolha de um novo relator nada ou quase nada vai mudar na condução da Lava-Jato no Supremo. Seja ele Celso de Mello, Gilmar, Lewandowski, Toffoli ou Fachin. O processo ganhou pernas próprias. O que pode haver é um controle mais rigoroso sobre eventuais excessos cometidos na primeira instância.

No Palácio do Planalto e no Congresso foi considerada hábil a condução que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, deu à crise desencadeada pela morte do relator da Lava-Jato, Teori Zavascki. Num momento delicado, soube lidar com as pressões, homologou as delações dos executivos da Odebrecht e repartiu com os outros nove ministros do Supremo a discussão sobre a escolha do substituto, o que pode ocorrer ainda hoje com volta do STF do recesso.

O presidente Michel Temer, por seu turno, continua firme no propósito de só indicar o nome do novo ministro ao Senado depois que o Supremo escolher o nome do relator da Lava-Jato. Citado em delações, Temer não quer ser acusado de interferir no processo, o que poderia causar mais desgaste a um governo com baixo índices de aprovação.

Temer tende a escolher um ministro de um tribunal superior, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas ainda não bateu o martelo em torno de um nome. Assessorias contratadas pelos nomes mais cotados já começaram a atuar nos bastidores - o Senado vai sabatinar e votar o nome indicado por Temer - em favor da candidatura de seus clientes. Esse tipo de lobby não é novidade, mas se tornou mais visível recentemente.

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STF deve definir hoje por sorteio escolha de relator

Por: Maíra Magro, Fabio Murakawa e André Guilherme Vieira

 

O novo relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser escolhido hoje por sorteio entre os integrantes da 2ª Turma, composta por cinco ministros e responsável por julgar os processos relacionados ao caso. O mais provável é que o sorteio ocorra antes da sessão, a primeira do ano após o recesso.

Ontem à noite, o tribunal articulava a ida do ministro Edson Fachin da 1ª para a 2ª Turma, ocupando o lugar deixado no colegiado pelo ministro Teori Zavascki, morto em desastre aéreo no litoral fluminense, em 19 de janeiro.

Após conversar com a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, Fachin se colocou em nota "ao dispor do Tribunal para possível transferência à Segunda Turma". O gesto de Fachin de emitir uma nota pública sobre o tema sinaliza que há consenso para tal.

Se a mudança se concretizar, o sorteio será feito entre cinco ministros. Atualmente, a 2ª Turma do STF é composta pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

Escolhido o novo relator da Lava-Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, só deve pedir o fim do sigilo das 77 delações da Odebrecht após requisitar novas investigações envolvendo dezenas de políticos citados nos depoimentos.

Por ora, procuradores estão analisando as delações para pedir a abertura de novos inquéritos e medidas como busca e apreensão. Só a partir daí é que Janot deve pedir a quebra do sigilo. O método deve ser o mesmo usado nas delações do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que geraram a famosa "lista do Janot", com a abertura de inquéritos envolvendo quase 50 políticos. O procurador-geral só veio a solicitar o fim do sigilo após pedir a abertura de inquéritos como resultado das delações - como então relator, Teori concordou e tornou públicos os depoimentos.

Caberá ao novo relator da Lava-Jato analisar o pedido do procurador-geral e decidir pela quebra ou manutenção do segredo. Os ministros tendem a concordar com esse tipo de requerimento do chefe do Ministério Público, que pode avaliar melhor a conveniência ou não do sigilo para as apurações.

Para investigadores, a retirada do segredo de Justiça agora prejudicaria os rumos da Lava-Jato. O entendimento é que a publicidade serviria apenas aos apontados como supostos envolvidos em irregularidades. As pessoas citadas nas delações seriam alertadas de que estão sendo acusadas de algo, o que poderia gerar até o risco de destruição de provas.

Politicamente, a divulgação também poderia influenciar as eleições para a presidência da Câmara e do Senado, o que não seria bem visto. Os favoritos para ocupar os dois postos, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE), respectivamente, foram citados nas delações.

Os delatores da Odebrecht apontaram supostos atos de corrupção envolvendo autoridades federais, estaduais e municipais, além de empresas que contratam com o poder público. As delações devem gerar desdobramentos de investigações para vários Estados pelo Ministério Público Federal e os MPs estaduais.

Na sessão de hoje, será feita uma homenagem a Teori, com a presença de seus familiares. Antes disso, os ministro realizam uma reunião informal. Em deferência a Teori, não haverá neste ano uma solenidade para a abertura do ano do Judiciário.

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PF investiga empresa que comprou avião usado por Eduardo Campos

Por: Marina Falcão e André Guilherme Vieira

 

A Polícia Federal suspeita que a empreiteira pernambucana Lidermac seja peça-chave de um esquema de lavagem de dinheiro e corrupção que envolveu a compra do jato usado pelo ex-governador Eduardo Campos durante campanha presidencial em 2014. A empresa, especializada em construção e equipamentos, é de propriedade do empresário Rodrigo Leicht Carneiro Leão, genro de José Múcio, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

Leicht e mais três sócios, todos da mesma família, prestaram esclarecimentos na sede da superintendência da Polícia Federal no Recife, como parte da operação Vórtex na manhã de ontem.

Segundo a PF, a Lidermac repassou R$ 159 mil à Câmara e Vasconcelos, empresa de fachada responsável pela compra do avião. A Câmara e Vasconcelos, que teria funcionado apenas como conta de passagem, foi alvo da Operação Turbulência, que investiga um esquema de mais R$ 600 milhões em desvios de recursos para campanhas do PSB. Campos morreu em agosto de 2014, com a queda da aeronave adquirida sob suspeita.

De acordo com o superintendente da PF em Pernambuco, Marcelo Diniz Cordeiros, a Lidermac tem contratos da ordem de R$ 87 milhões com o governo de Pernambuco, dos quais R$ 75 milhões teriam sido executados entre 2010 e 2014, período em que o governador era Eduardo Campos.

Em 2013, a Lidermac, juntamente com a Odebrecht Ambiental, ganhou a licitação para uma obra bilionária de saneamento da estatal Compesa. Com contrato de R$ 16 bilhões a ser executado em 35 anos, a obra é a maior parceria público-privada de saneamento da história. A Lidermac tinha 20% do consórcio e a Odebrecht Ambiental o restante. No ano passado, a Odebrecht Ambiental vender 70% do seu capital para a Brooksfield por um valor que pode chegar a US$ 878 milhões.

Chamou atenção da PF que, nos últimos anos, as contribuições da Lidermac para campanhas do PSB cresceram exponencialmente. Em 2006, a empresa doou R$ 30 mil. Em 2014, R$ 3,8 milhões. Em nota, o PSB de Pernambuco que os números divulgados pela PF "são estranhos". Segundo o partido, entre 2006 a 2014 a Lidermac fez apenas uma doação à campanha majoritária do PSB (em 2014) no valor de R$ 500 mil, "legalmente recebida e declarada à Justiça Eleitoral, que aprovou a prestação de contas". Ninguém atendeu no telefone registrado em nome da Lidermac. José Múcio afirmou que Leicht é "bom marido e pai", mas que não tem relações profissionais com o genro, cuja empresa é antiga e já passou por gerações. Nesta fase da investigação, 30 policiais federais cumpriram seis mandados de busca e apreensão e quatro de condução coercitiva. Estão sendo investigados crimes de corrupção, fraude à licitação e lavagem de dinheiro.

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Eike depõe e contrata advogado especialista em delação premiada

Por: André Guilherme Vieira e Juliana Schincariol

 

O empresário Eike Batista, preso anteontem, contratou o advogado Antonio Figueiredo Basto, de Curitiba, para representá-lo em sua negociação de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro. A contratação foi fechada há cerca de duas semanas, conforme apurou o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, com fontes a par das investigações da Operação Eficiência, que obteve a prisão preventiva do empresário sob suspeita de pagamento de propinas a um esquema de corrupção que seria chefiado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), que também está preso.

Eike já buscava um escritório especializado em delação premiada desde que procurou a força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, em maio do no ano passado, quando prestou depoimento espontâneo. Na ocasião ele apresentou documentos que, segundo a versão dele, comprovam encontro com Guido Mantega, em 2012, em que o então ministro teria pedido a ele US$ 2,35 milhões, em nome do PT, que seriam destinados ao pagamento de dívidas de campanha de Dilma Rousseff.

Os valores teriam sido pagos ao casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que atuaram em campanhas eleitorais do PT à Presidência e que respondem a processo por corrupção e lavagem de dinheiro.

Com o avanço das investigações, Eike foi alertado por seus advogados de que sua situação poderia se complicar. Foi então que decidiu pela contratação do escritório do Paraná, especializado em delações premiadas.

Figueiredo Basto já atuou em quase 20 delações premiadas na Lava-Jato, entre as quais a do doleiro Alberto Youssef, do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, do ex-funcionário da estatal, Eduardo Musa, do lobista Júlio Camargo e do senador cassado Delcídio do Amaral.

Ontem, Eike depôs por três horas e meia na sede da Polícia Federal do Rio, onde chegou sem algemas, de calça jeans, camiseta branca e sandálias de dedo, escoltado por quatro agentes e recepcionado por vaias do público e gritos de "ladrão".

O advogado Fernando Martins, que acompanhou o depoimento, foi evasivo ao comentar a possibilidade de delação premiada. " A princípio, não há possibilidade de delação", afirmou.

Após o depoimento, Eike retornou ao presídio Bandeira Stampa, mais conhecido como Bangu 9, no complexo penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio. O depoimento de Eike foi tomado por dois delegados federais e por dois procuradores da República, Eduardo El Hage e Leonardo Freitas.