Valor econômico, v. 17, n. 4187, 02/02/2017. Empresas, p. B6

Senado suspende envio de projeto à sanção

Suposto erro técnico levou mesa diretora a pedir à Casa Civil a devolução do PLC 79

Por: Por Ivone Santana

 

Bem que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) tentou ser discreto ao enviar à sanção presidencial, na terça-feira à noite, o projeto de lei 79/2016 que permite alterar a Lei Geral de Telecomunicações (LGT). A iniciativa, no fim de seu mandato, surpreendeu um grupo de senadores de oposição, que ao longo do dia de ontem preparava uma ação para tentar levar o projeto de volta ao Senado. Mas isso não foi necessário. No fim do dia, a própria Mesa do Senado surpreendeu novamente ao pedir à Casa Civil a devolução do projeto.

O motivo alegado por técnicos do Senado à Casa Civil foi erro técnico, ou "inexatidão material". A justificativa vaga foi interpretada por assessores do Senado como "decisão política". A Casa Civil foi informada que o projeto será reapresentado, porém não foi estabelecido prazo.

Com a votação ontem para o novo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), os técnicos da casa ficaram envolvidos no acompanhamento do processo e não sabiam com precisão qual o trâmite que o projeto seguiria a partir de agora.

No ofício enviado a Eliseu Padilha, assinado por Renan Calheiros, o senador informava que estava submetendo o projeto à sanção, "para permitir a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização". As concessionárias são a Vivo, Oi, Embratel, Algar e Sercomtel.

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) disse ao Valor que se surpreendeu ontem com a informação de pedido de sanção. A Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) do Senado aprovou o projeto em dezembro, seguindo decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados CCJ).

A matéria não foi votada em plenário por nenhuma das casas, o que levou Vanessa, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e um grupo de senadores a entrarem com recurso. Por não obterem êxito, entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo uma liminar para que seus recursos fossem considerados. A presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, após ouvir as partes, não aceitou o pedido de urgência e devolveu o projeto ao Senado, ficando apenas pendente o julgamento do mérito.

Como Renan Calheiros enviou o projeto para sanção antes de terminar o recesso, a senadora Vanessa entendeu que houve descumprimento da orientação do STF porque não poderia haver qualquer ação durante o recesso, e "fraude de jurisdição, passível de responsabilização".

"Custei a acreditar [no envio do projeto para sanção]. Ainda existem recursos pendentes de análise que não poderiam ser analisados no recesso", disse a senadora. Vanessa afirma que procurou Renan Calheiros ontem logo cedo e apontou o trecho do documento de Carmen Lúcia, sobre "a ausência de risco" de qualquer decisão durante o recesso. "Ele [Renan] me disse que não tinha conhecimento disso", afirmou a senadora.

Ontem à noite, Lindberg, Vanessa e mais nove senadores protocolaram junto ao STF um mandado de segurança, com pedido de liminar para sustar os efeitos da remessa do projeto à sanção presidencial.

A mudança de regime dos contratos de concessão de telefonia fixa para autorização é polêmica, acendeu protestos de entidades representantes de consumidores e tem levado representantes das empresas a um persistente trabalho de convencimento de políticos.

Esse trabalho de bastidores acabou surtindo um efeito negativo para as empresas, disse um executivo de uma concessionária. Houve silêncio do setor durante os períodos de tramitação e votações na Câmara e no Senado, o que contribuiu para um clima velado em torno do assunto. E isso, o executivo reconheceu como um erro.

Fonte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) diz que o melhor mesmo seria a devolução do projeto ao Senado, para que seguisse o curso normal de votação no plenário. De qualquer modo, o governo tem a maioria e poderia aprovar sem problemas. Para a Anatel, a situação ficou ainda mais complicada com a morte do ministro do STF, Teori Zavascki, que era relator do processo.

De qualquer modo, um pouco mais de tempo para aprovação no plenário não atrapalharia os planos das teles. A própria Anatel prevê que a conversão dos contratos para autorização não deve sair antes do fim do ano. (Colaborou Rafael Bitencourt, de Brasília)