Título: Não sinto culpa, diz presidente
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/12/2011, Mundo, p. A26

Na primeira entrevista a uma rede de tevê americana desde o início do levante, em março, o ditador Bashar Al-Assad garantiu: "Nenhum governo mata seu povo, ao menos que seja liderado por um louco". Diante da jornalista Barbara Walters, âncora da emissora ABC, ele alternou uma postura desafiadora com demonstrações de ironia. Al-Assad negou ter ordenado a repressão aos opositores e a morte de mais de 4 mil pessoas. "As forças sírias não são minhas. São forças militares que pertencem ao governo. Sou o presidente, não o dono do país", disse, entre risos.

O mandatário assegurou que fez "o melhor" para proteger o povo sírio. "Você não sente culpa se não matou", comentou.

E desqualificou as denúncias de tortura divulgadas pelo relatório da Comissão Internacional Independente de Investigação — entidade criada pelas Nações Unidas e liderada pelo diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro.

"Quem disse que as Nações Unidas são uma instituição crível?", questionou Al-Assad, após alegar que não teve acesso ao documento. O ditador enfatizou que "não há nenhum comando para matar ou para ser brutal" na Síria. Em um dos momentos mais tensos da entrevista, ele chegou a citar o nome da jornalista, ao responder sobre supostas prisões de crianças. "Para ser franco com você, Barbara, eu não acredito em você", rebateu. Consultado pelo Correio, Pinheiro esclareceu que sua comissão submeteu o relatório ao governo sírio, por meio da missão permanente no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 28 de novembro. "A comissão lamenta profundamente que, apesar de muitos pedidos, o governo não conseguiu dialogar e conceder acesso da comissão ao país", explicou. Segundo ele, a comissão está "permanentemente aberta ao diálogo e pronta para viajar à Síria", assim que receber o convite. Os Estados Unidos declararam ontem que está Al-Assad "louco" ou "desconectado da realidade". "Ou é uma desconexão ou, como ele disse, loucura. Eu não sei", criticou Mark Toner, porta-voz do Departamento de Estado americano.

Por e-mail, Ausama Monajed, integrante do Conselho Nacional Sírio, também classificou Al-Assad de "louco" e disse que o ditador tem "delírios de grandeza". "Ele mentiu e sabe que a única coisa que pode fazer é negar as acusações", afirmou. O opositor rejeita a alegação de que Al-Assad não ordenou a repressão. "Pela lei, o presidente é o líder supremo do Exército sírio. Ele será processado e julgado por cada vida humana perdida na Síria. Esteja certo disso."

Moradora de Homs — a cidade que se tornou centro do levante —, Baraa Agha, 21 anos, foi sucinta ao comentar a entrevista. "Ele é estúpido, um criminoso, um assassino", desabafou.