Valor econômico, v. 17, n. 4187, 02/02/2017. Brasil, p. A8

Eleito, Eunício defende aprovação de reformas

Edison Lobão, citado na Lava-Jato, é cotado para presidir CCJ

Por: Vandson Lima e Andrea Jubé

 

Eleito por ampla maioria em uma disputa de resultado previsível, o novo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE)defendeu a aprovação urgente da reforma da Previdência Social e mudanças nas regras de repartição dos tributos entre a União, Estados e municípios.

Na votação, secreta, Eunício obteve 61 votos contra 10 votos de seu oponente, José Medeiros (PSD-MT). Outros 10 senadores votaram em branco. O quórum estava completo, com todos os parlamentares da Casa presentes.

"A Previdência está quebrada. Em breve esta Casa estará diante da tarefa irrecorrível de reformar o sistema previdenciário para salvá-lo", disse Eunício. "Não é uma imposição do governo, é uma urgência que o processo histórico impõe". Mostrando sintonia com as prioridades do governo de Michel Temer, Eunício afirmou que o Senado não fugirá à responsabilidade de "encontrar a ponte para a reforma que vai dar futuro à Previdência".

Em outra frente, contudo, Eunício abordou uma questão que não interessa ao Planalto neste momento: a reorganização da repartição de tributos entre União, Estados e municípios. É um pleito antigo apresentado pelos parlamentares e a fala foi uma sinalização aos congressistas. "É papel do Senado, como Casa da federação, colaborar com as soluções duradouras para isso", ressaltou.

Eunício também apontou que o "Senado pode fazer muito contra o chamado custo Brasil. Revogar regras que não servem mais. Melhorar o ambiente de negócios", exemplificou.

Citado em delação do ex-diretor da Odebrecht Claudio Melo Filho, Eunício comprometeu-se com o combate diário à corrupção. O executivo disse aos procuradores do Ministério Público que Eunício teria recebido R$ 2,1 milhões para aprovar uma medida provisória. O senador rechaça com veemência a acusação.

"É necessário fazer com que o Senado não perca a corrente contemporânea da luta contra a corrupção", disse.

Três vezes deputado federal, ministro das Comunicações, senador por seis anos e líder do PMDB nas duas Casas, Eunício defendeu que "é hora de unir, resgatar a confiança no parlamento, de reaproximar o governo e o Congresso da sociedade", apontou. "Não há no Brasil poder mais transparente que o Congresso e o Senado", garantiu.

Depois de uma série de idas e vindas, o PT acabou por ceder ao pragmatismo para garantir postos na burocracia da Casa e contribuiu para a vitória de Eunício. A bancada de 10 senadores foi liberada a votar como bem entendesse. Apenas três petistas disseram que não votariam no peemedebista. "É realmente lamentável. Um equívoco político que cobrará seu preço. Mesmo em um momento de ruptura democrática, a maioria da bancada do PT no Senado optou por se render à institucionalidade, fechando os ouvidos para a opinião de sua militância", criticaram Lindbergh Farias (RJ), Gleisi Hoffmann (PR) e Fátima Bezerra (RN). Com o recuo petista, Roberto Requião (PMDB-PR), que pretendia lançar uma candidatura alternativa, decidiu não concorrer.

Outros postos na mesa-diretora do Senado foram distribuídos. O PMDB resolveu indicar João Alberto Sousa (PMDB-MA) para a segunda vice-presidência do Senado. A decisão contempla um fiel aliado de Renan Calheiros (PMDB-AL), que está deixando a presidência da Casa.

Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) será o primeiro vice-presidente. José Pimentel (PT-CE), o primeiro-secretário.

Uma das decisões mais complicadas, e ainda sem solução, é sobre o pemedebista que presidirá a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que este ano fará as sabatinas dos indicados a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), no lugar de Teori Zavascki, e procurador-geral da República, em substituição a Rodrigo Janot. Raimundo Lira (PB), Marta Suplicy (SP) e Edison Lobão (MA) são os concorrentes.

Ao Valor PRO, Lobão disse não ver problemas em ocupar o posto. Ele responde a inquérito por possível participação em ilícitos apurados pela Operação Lava-Jato. A bancada do PMDB deve se reunir novamente hoje.

Outros três senadores do PMDB disputam a presidência da Comissão de Infraestrutura: Eduardo Braga (AM), José Maranhão (PB) e Kátia Abreu (TO).

Também investigado pela Lava-Jato, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) vai apresentar um projeto que acaba com o sigilo em relação ao conteúdo de delações. Líder do governo no Congresso Nacional, Jucá disse que é a favor da operação e elogiou a decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, de homologar as delações dos 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht.

Mas ponderou que o sigilo estimula vazamentos seletivos. "Vou apresentar um projeto que acaba com a tramitação secreta, porque isso facilita o vazamento irresponsável. Sou um defensor da Lava-Jato", garantiu. "Quero que aja com rapidez, para tirar da classe política essa sombra. Mas não dá pra ficar a conta-gotas vazando informações e criando um clima de instabilidade que tem reflexo grave na economia", apontou.

Em seu discurso de despedida da presidência, Renan Calheiros (PMDB-AL) reforçou o coro em favor da quebra do sigilo das delações. "É preciso que se abra, quebre, derrube o sigilo para que a população não seja manipulada", defendeu. Ele também responde a inquéritos no STF no âmbito da Lava-Jato. "Ninguém busca a imunidade, mas as apurações precisam se fazer dentro da lei. Não se combate eventuais crimes cometendo outros crimes", disse Renan, em alusão ao abuso de autoridade, cuja mudança para tornar mais dura a lei ele também defende.

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Controle da Casa continua com o PMDB da Lava-Jato

Por: Raymundo Costa

 

A imagem é batida mas verdadeira: o Senado mudou para que tudo permaneça como está. Eunício Oliveira (CE), o presidente que entra, e Renan Calheiros (AL), o presidente que sai, integram o mesmo grupo que dá as cartas na Casa há mais de dez anos, do qual também fazem parte os senadores Romero Jucá (RR) e Edison Lobão (MA), ilustres personagens da Lava-Jato, e o ex-presidente José Sarney (AP), que deu início em 2003 à linhagem. É o núcleo do famoso "grupo do PMDB do Senado", que mais problemas do que conforto tem causado ao presidente Michel Temer, o chefe da tropa do "PMDB da Câmara". Nada indica que o biênio de Eunício Oliveira venha a ser muito diferente.

Renan é o que de mais próximo restou de Sarney, talvez o mais poderoso presidente do Senado desde a redemocratização - Antonio Carlos Magalhães era forte, mas sofria muito mais oposição que o hábil ex-presidente da República. Ainda hoje Sarney dá palpites na condução dos negócios do Senado, como revelam as gravações de áudio que o ex-senador Sérgio Machado fez implicando os antigos amigos numa tramoia para "estancar a sangria da Lava-Jato". Prova da força de Renan é que não há um pedido de cassação de seu mandato no conselho de ética, apesar de o senador alagoano responder a 11 processos no Supremo, oito deles relacionados à Lava-Jato.

O agora ex-presidente do Senado não poderia reivindicar uma nova reeleição, mas manobrou com habilidade para retornar à liderança da bancada do PMDB, a maior da Casa. Nessa condição será o interlocutor privilegiado do Senado com o presidente Michel Temer, ao lado de Eunício Oliveira. Desta vez sentiu o calor de nomes emergentes na bancada, como os senadores Eduardo Braga (AM) e Simone Tebet (MS). Ameaçou então disputar a presidência da poderosa Comissão de Constituição e Justiça, num momento em que se encontra desavindo do Judiciário e do Ministério Público Federal, especialmente. O novo líder do PMDB transita por todas as legendas, inclusive da oposição. O cacife de Renan parece inesgotável, e ele certamente tentará vender caro o apoio ao presidente.

A relação de Temer e Renan é de desconfiança recíproca. A agenda dos dois também não é a mesma. Renan pretende manter a tensão com o Judiciário e o Ministério Público, o que é um problema para o presidente da República, que já tem dificuldades demais na relação com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, relação da qual cuida pessoalmente, e com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nome que na ótica palaciana tem pretensões políticas e já está em plena campanha para ser reconduzido ao cargo. Pior ainda, Renan tem pela frente uma difícil reeleição para o Senado, o que deve inibir seu apoio a medidas impopulares como as reformas trabalhista e previdenciária.

O presidente que entra, Eunício Oliveira, é oriundo do "grupo do PMDB da Câmara" e costuma jactar-ser de independência. Nos últimos dias, criou área de atrito no Palácio do Planalto. Mas precisava de Renan como cabo eleitoral para ganhar a presidência. Já sentado na cadeira, pode ser um ponto de equilíbrio nessa relação. Até porque Renan terá de gastar muita energia com as investigações da Operação Lava-Jato, que bate a sua porta. Uma dezena de inquéritos é muito mesmo para um fenômeno de sobrevivência como Renan Calheiros.

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Celso de Mello libera reeleição de Maia

Por: Fabio Murakawa e Raphael Di Cunto

 

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu ontem o pedido de liminar feito por deputados para barrar a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à reeleição para a presidência da Câmara. Com isso, Maia se consolida como o favorito na votação marcada para hoje, às 9h.

O ministro é relator de quatro mandados de segurança que contestam a candidatura de Maia. Deputados alegam que a Constituição e o regimento da Casa vedam a recondução do presidente ao cargo em uma mesma legislatura. Maia sustenta que pode concorrer porque a vedação vale apenas para quem foi eleito para o mandato de dois anos, sem abranger os substitutos. Ele foi eleito em julho para ocupar o posto de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que renunciou.

Na decisão, Celso de Mello determinou que Maia se defenda em cinco dias a respeito do mérito dos mandados de segurança, que ainda serão julgados. Mas sinalizou claramente apoiar a tese do presidente da Câmara, de que, como há lacuna na legislação, cabe à Casa decidir.

"Todos esses fundamentos parecem confluir no sentido de que, em situações como a ora em exame, os temas debatidos devem constituir matéria suscetível de apreciação e resolução pelas próprias Casas que integram o Congresso Nacional, pois conflitos interpretativos dessa natureza - cuja definição deve esgotar-se na esfera doméstica do próprio Poder Legislativo - apresentam-s [...] imunes ao controle jurisdicional", decidiu Mello.

Apoiado pelo governo e com o cargo na mão, Maia conta com o maior bloco partidário, composto por 13 legendas e 360 deputados. Esses partidos comandarão a Mesa Diretora da Câmara - a oposição ao governo terá apenas duas suplências, cargos de menor relevância. A primeira-secretaria ficará com o PR e a primeira-vice-presidência, com o PMDB.

Os principais adversários na disputa pela presidência são Jovair Arantes (GO), líder do PTB e que tem com capilaridade no baixo-clero, mas que parte de uma base bem menor - o bloco formado por PTB, SD, Pros, PSL e PRP conta com apenas 39 parlamentares-; e André Figueiredo (PDT-CE), apoiado pelos oposicionistas PT, PDT e Rede (82 deputados).

Jovair ainda esperava aliança formal com o PSC, do líder do governo, André Moura (SE), um de seus principais parceiros no grupo que ficou conhecido como Centrão, mas o partido decidiu de manhã liberar a bancada, numa tentativa de manter Moura na articulação do Executivo na Câmara. No partido, a expectativa é de que o petebista terá 130 votos, insuficientes para levar a disputa ao segundo turno.

O próprio Moura, segundo correligionários, teria passado a trabalhar ontem pela candidatura de Maia. Ele nega e disse que, como líder do governo, preferiu não se envolver na disputa.

Aliados de Jovair e Figueiredo apostavam no segundo turno, com promessa de apoio mútuo, mas deputados que contabilizam os votos avaliavam ontem que as demais candidaturas estão desidratadas. Correm por fora Júlio Delgado (PSB-MG), que recebeu mais de 100 votos ao concorrer em 2013 e 2015, mas entrou tardiamente na disputa e não tem apoio do próprio partido, a deputada Luiza Erundina (SP), lançada pelos seis deputados do Psol, e Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Rogério Rosso (PSD-DF), sem apoio de sua legenda, oficializou a desistência ontem.

Para vencer no primeiro turno, expectativa de Maia, é preciso o apoio de metade dos presentes. Se todos os 513 deputados aparecerem, são 257 votos. O voto é secreto.

Além de controlar a agenda de votações, decidindo quando a reforma da Previdência será votada, por exemplo, e do poder de abrir processo de impeachment do presidente da República, o presidente da Câmara terá papel ainda mais importante dessa vez porque o eleito será o segundo na linha sucessória e assumirá por 90 dias em caso de cassação, renúncia ou morte do presidente Michel Temer.

Nessas situações, e quando o presidente da Câmara estiver substituindo Temer, o primeiro-vice-presidente da Casa comandará os trabalhos. Após empate numa eleição interna, com 28 votos para cada candidato, o PMDB lançará Lúcio Vieira Lima (BA), irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, para a vaga.

Mas três pemedebistas concorrerão como candidatos avulsos e caberá ao plenário decidir: José Priante (PA), que disputou com Lúcio, Fábio Ramalho (MG) e Osmar Serraglio (PR) - que conta com aval da bancada ruralista. Silvio Costa (PTdoB-PE) concorre pela oposição, aproveitando que seu partido integrou o bloco do DEM.

Um dos apoios mais cobiçados na eleição de hoje era, justamente, do primeiro-vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA). Para evitar a acusação de que comandará a eleição em que é candidato, Maia não presidirá a sessão. Aliados dele tentaram convencer Maranhão a deixar o primeiro-secretário, Beto Mansur (PRB-SP), dirigir o plenário, mas ele recusou.

No cargo, Maranhão, que ganhou notoriedade ao anular o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, poderia indeferir a candidatura em resposta a questões de ordem dos adversários. Jovair Arantes procurou o pepista em busca de apoio, mas, com a decisão do STF autorizando a candidatura, esse poder desapareceu e o vice-presidente votará em Maia.

O PCdoB foi importante nessa negociação. Maranhão deseja concorrer ao Senado em seu Estado e para atingir esse objetivo depende do apoio do governador Flávio Dino (PCdoB). Apesar de oposição ao governo, a sigla votará majoritariamente em Maia em busca de mais espaço na Câmara, como relatoria de projetos importantes, e de travar a CPI que pretendia investigar a União Nacional dos Estudantes (UNE). Maranhão deverá ficar também com o cargo de ouvidor da Câmara.