Valor econômico, v. 17, n. 4187, 02/02/2017. Brasil, p. A10

A atual reforma da previdência é a única e melhor solução?

Há o risco de trocar a concessão de aposentadoria por aumento na concessão de auxílios

Por: Alisson Peixoto

 

Não resta dúvida sobre a necessidade de reformar a previdência social no Brasil. A redução na quantidade de jovens suportando o pagamento de aposentados, a elevada relação do tempo de benefício comparado ao tempo de contribuição, a alta taxa de reposição salarial, são fatores que tornam insuportável o atual modelo de previdência. E se não for aprovada a reforma, ainda colocará em risco o teto nos gastos públicos, recentemente aprovado. Tudo já bastante debatido e de certa forma, pacificado.

Para convencer a sociedade, o governo tenta demonstrar que não se trata de uma política de governo, mas de uma necessidade para que o sistema continue funcionando. Do contrário, o cidadão corre o risco de não conseguir se aposentar. Ou seja, é o argumento do "melhor pouco de algo do que nada".

Mas esse argumento dual, do tudo ou nada, somente ocorre quando consideramos o modelo via repartição. Todos os debates tiveram esse modelo por base, virou regra. O correto seria questionarmos se esse é realmente o melhor modelo previdenciário existente para o Brasil.

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O sistema por repartição foi a melhor alternativa (ou a mais fácil) quando a população brasileira era jovem. Mesmo sabendo que isso mudaria. Pois sempre ficará refém das variações na pirâmide etária. Influenciada por melhoras na longevidade da população, taxa de natalidade, entre outros fatores que podem mudar bastante no longo prazo. Até mesmo por situações extremas, como guerras ou epidemias, por exemplo.

Com o rigor da reforma proposta, é preciso considerar a quantidade de pessoas que conseguirão cumprir os requisitos mínimos. Ainda mais em um país com baixa dinâmica e pouco protagonismo do setor privado. As empresas não estão preparadas para ter funcionários com elevada idade. Alguns tipos de trabalhos são até mesmo impeditivos. Corre-se o risco de trocarmos a concessão de aposentadoria por um aumento na concessão de auxílios. Será formada uma massa de idosos necessitados financeiramente, que também terão de usar outros serviços públicos com qualidade duvidosa, como o sistema público de saúde, transporte público gratuito, por exemplo.

O equilíbrio esperado poderá ocorrer tão somente na conta previdenciária, deixando ainda mais "deficitária" a conta social (auxílios) do INSS (e o sistema de saúde), exigindo mais transferências da União. Um trabalhador que contribuir por 15 anos, por exemplo e ficar desempregado, trabalhando na informalidade, não irá obter aposentadoria. Restando-lhe conseguir obter algum tipo de benefício social, não permitido outro tipo de renda. Isso é justiça social?

O método da repartição é defendido pelo governo justamente por enfatizar que o INSS é composto da previdência e da seguridade, que serve para esses casos. Por outro lado, suponhamos que o trabalhador (do sexo masculino) contribua por 15 anos com somente R$ 140 mensais, iniciando aos 25 anos de idade. Depois fica desempregado e não mais contribui, mas seu dinheiro fica aplicado (taxa de 7% ao ano) até os seus 65 anos de idade. Ele terá direito a uma renda vitalícia de R$ 941,86. Ou seja, terá uma renda mínima garantida com sua própria contribuição. Será que esse modelo não é mais justo (ou mesmo humilhante)? Tanto para o trabalhador, quanto para a sociedade?

Com a mesma premissa (iniciando aos 25 anos, aposentando aos 65 anos e 7% de rentabilidade ao ano), mantendo uma contribuição constante, tem-se que a relação de 2% de contribuição do salário corresponderá a 13% de reposição salarial na aposentadoria (3% corresponderá a 17%, 4% corresponderá a 23%, 10% a 57% e assim por diante). Ou seja, se um trabalhador que ganha R$ 1.000 poupar R$ 20 por mês, conseguirá um ganho mensal vitalício (reposição) de R$ 130,00 quando for se aposentar. Se 10% (R$ 100), a reposição será de 57% (R$ 570) e assim por diante. Isso se deve ao fato do sistema via capitalização manter o dinheiro aplicado rendendo a juro composto e posteriormente incidir a tábua atuarial.

Se implementado um modelo misto, o governo não vai arrecadar um percentual hoje que será menor do que ele deixará de pagar no futuro, conforme relação entre contribuição e taxa de reposição demonstrada acima. Dos 31% repassados pelo trabalhador e pela empresa (considerando o teto), uma parte iria para o sistema via capitalização para sustentar a previdência e a outra parte continuaria a ir para a assistência social. Seria dado mais protagonismo ao cidadão. Além de não punir o trabalhador que não consegue contribuir pelo tempo mínimo exigido e não dependente de mudanças na pirâmide etária e dirimindo o risco de explosão na concessão de auxílios.

Outra vantagem é que ao estar automaticamente inserido no sistema via capitalização, o trabalhador pode optar em aumentar sua contribuição além do mínimo legal, sendo repassado pela própria empresa. Para isso, lhe seria fornecido um material explicativo. Ou seja, seria uma forma de educar a população sobre a cultura de poupar e planejar (com ajuda das empresas). Isso é fundamental para o Brasil, cuja população poupa pouco e é fundamental para os investimentos do país. Isso já é feito em países referência com relação ao sistema de previdência, como é o caso da Suécia e Holanda.

A população percebe cada vez mais que o Estado não necessariamente está associado com a preocupação social. Algumas soluções de mercado fornecem melhores resultados sociais. Um dos principais motivos de o governo não propor uma solução diferente da atual é justamente a necessidade de manter arrecadação para seus excessivos gastos. Nesse sentido, pode-se sim, dizer que a reforma atual da previdência é uma política de governo, indo além da necessidade de uma preocupação com o futuro da população. Ficando a única certeza de a população ter que arcar com os futuros custos que resultarão desse tipo de decisão.

 

Alisson Peixoto é economista, professor de macroeconomia, economia internacional e finanças públicas na UDF.