Lula vê 'dedo estrangeiro' na Lava-Jato

Fernando Taquari, Cristiane Agostine e Ricardo Mendonça

25/01/2017

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem ter convicção de que "tem dedo estrangeiro" na Lava-Jato. Alvo da força-tarefa, o petista afirmou que as investigações têm prejudicado a economia brasileira e associou a operação ao aumento do desemprego no país.

As declarações de Lula foram dadas em palestra a sindicalistas reunidos em evento da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, e ocorreram horas antes de o ex-presidente tomar conhecimento do acidente vascular cerebral (AVC) de sua mulher e ex-primeira-dama, Marisa Letícia.

Segundo o petista, os desdobramentos da Lava-Jato tiveram impacto na economia equivalente a cerca de 2,5% do PIB brasileiro. "Cada vez mais tenho convicção de que tem dedo estrangeiro nesse negócio da Lava-Jato. Têm interesses, sobretudo no pré-sal, de que esse país não seja protagonista", afirmou Lula.

À plateia de sindicalistas, o ex-presidente lembrou do escândalo do mensalão, disse que a condenação do ex-ministro José Dirceu era uma "questão de sobrevivência" no julgamento das denúncias durante seu mandato na Presidência e questionou o que poderá acontecer com ele, um dos alvos da Lava-Jato. "No meu caso eu fico me perguntado: depois de tantas mentiras contadas, como é que vão sair dessa?"

Lula dedicou boa parte de seu discurso à discussão econômica. Com ênfase, defendeu a intensificação de uma política de incentivo ao consumo e acenou de forma positiva à possibilidade de aumento da dívida pública ou uso de reservas do país para investimentos em infraestrutura.

"De vez em quando eu vejo no jornal uma discussão um pouco invertida, que diz o seguinte: 'o governo do Lula cometeu equívoco porque optou por uma economia baseada no consumo, e a economia boa é aquela baseada no desenvolvimento industrial'. Maravilha. Eu acho fantástico. Até concordo. Mas eu quero que alguém me diga: qual é o empresário que vai fazer investimento se não tiver consumo?", indagou.

Em outro trecho, afirmou que nenhuma política de proteção aos trabalhadores irá agradar o mercado. "A não ser que você continue dizendo que vai acabar com a Previdência, que vai fazer a reforma trabalhista, que a gente vai voltar ao tempo da escravidão. Aí o mercado aceita".

Em busca de um discurso para nortear sua pré-candidatura à Presidência, Lula reconheceu que está à procura de uma "proposta alternativa" de política econômica "que possa voltar a despertar sonhos e esperanças na sociedade brasileira". As ideias, afirmou o petista, não devem seguir uma lógica de normalidade, como apontam os manuais de economistas.

"Vivemos um período de anormalidade. Por isso precisamos agir também com certa anormalidade. Não precisamos fazer as coisas que estão escritas no receituário. É preciso gastar a massa encefálica com alguma coisa nova que ainda não sei o que é", declarou.

Para justificar a necessidade de inovar, o ex-presidente disse que sua administração quebrou diversos "tabus". Como exemplo, citou a crença no passado, sobretudo no período do chamado "milagre econômico, na década de 1970, de que era impossível aumentar as exportações e impulsionar o mercado interno ao mesmo tempo.

"Provamos ainda que era possível ter aumento do salário mínimo sem aumentar a inflação. Fizemos isso durante 12 anos. A classe trabalhadora teve aumento real de salário sem aumento da inflação. Nos meus oito anos [de governo] a inflação ficou dentro da meta estabelecida", acrescentou.

Ao criticar os manuais de economia, Lula lembrou que o país cresceu em média 7% entre 1950 e 1980 e que neste período não foi feita uma distribuição de renda. "O Brasil cresceu e o povo ficou mais pobre, porque a riqueza se concentrou".

O petista também fez críticas indiretas à sucessora, Dilma Rousseff, pelo descontrole nas desonerações e pelo ideia de apresentar um orçamento negativo em 2015. No caso das desonerações, afirmou que elas passaram de R$ 47 bilhões em seu período para R$ 458 bilhões no governo Dilma.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4181, 25/01/2017. Política, p. A6.