Em relatório, PF acusa Lula e Dilma de tentarem obstruir a Lava-Jato
Jailton de Carvalho
21/02/2017
 
 
Documento, encaminhado ao ministro Fachin, ainda cita Mercadante

-BRASÍLIA- Relatório da Polícia Federal enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) acusa os ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff de obstrução de Justiça. Para o delegado Marlon Oliveira Cajado, Lula e Dilma tentaram retardar investigações da Lava-Jato quando a ex-presidente tentou, ano passado, nomear o ex-presidente para a Casa Civil. O cargo daria a Lula foro privilegiado e forçaria a transferência das investigações contra da 13ª Vara Federal de Curitiba para o STF, em Brasília.

O relatório foi encaminhado ao ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF. No documento, Cajado recomenda o envio dos autos para a Justiça Federal. Lula e Dilma não têm mais direito a foro especial. No mesmo relatório, o delegado acusa o ex-ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante de obstrução de Justiça e tráfico de influência. O ex-ministro teria tentado demover o ex-senador Delcídio Amaral de um acordo de delação que negociou com a Procuradoria-Geral da República.

As conclusões da polícia sobre os dois casos foram enviadas a Fachin na semana passada. Antes de qualquer decisão sobre o assunto, o ministro deverá pedir manifestação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Caberá ao procurador decidir se endossa ou não as sugestões da polícia. Janot pode concordar com a remessa dos autos à Justiça Federal, pedir a prorrogação ou até mesmo o arquivamento das investigações.

A tentativa de Dilma de transformar Lula em ministro da Casa Civil, quando crescia o movimento pelo impeachment no Congresso Nacional, não deu resultado. Numa liminar, o ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou a suspensão da nomeação. Mendes entendeu o cargo de ministro daria a Lula proteção contra as investigações da Lava-Jato. A ex-presidente foi afastada do cargo antes do julgamento do mérito da questão, que ainda permanece em aberto.

Na semana passada, o ministro Celso de Mello derrubou liminar que impedia a posse do ministro Moreira Franco na Secretaria-Geral da Presidência. Para Mello, o cargo de ministro não daria a Moreira qualquer vantagem nas investigações da Lava-Jato. No caso de Moreira, ele não é denunciado na operação Lava-Jato, embora seja citado em delação de um ex-executivo da Odebrecht.

Por meio de nota, o advogado de Pierpaolo Bottini informou que Mercadante recebeu com “surpresa” a conclusão do relatório da PF. Segundo a defesa, “os diálogos não retratam qualquer tentativa de obstrução da Justiça, mas um gesto de apoio pessoal”.

“Mercadante reafirma que jamais intercedeu junto a qualquer autoridade para tratar deste tema. Reitera que confia plenamente na Justiça e no Ministério Público Federal, colocando-se, como sempre, à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos necessários”, diz a nota.

A defesa de Lula afirmou, em nota, que o relatório é desprovido de qualquer fundamento jurídico. “Agora um agente policial pretende transformar em crime um ato de nomeação que cabia privativamente à então Presidente da República Dilma Rousseff. Para chegar a tal conclusão, o agente público recorreu à ‘mídia especializada em política’, mas deixou de apresentar qualquer fundamento jurídico para sua manifestação. O ato do delegado Marlon Cajado se soma a diversas outras iniciativas de agentes públicos que perseguem Lula”.

Já a defesa de Dilma informou que “o relatório apresentado é uma peça administrativa burocrática que representa apenas a opinião do delegado sobre os episódios investigados. A ex-presidente Dilma Rousseff insiste não ter praticado nenhum dos crimes sugeridos pelo documento”.

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Empresário ligado a Bumlai acerta delação

Gustavo Schmitt e Cleide Carvalho 

21/02/2017

 

 

Milton Schahin pode esclarecer se houve empréstimo de R$ 60 milhões ao PT

Delator já foi condenado a 9 anos e 10 meses de prisão por causa de financiamento de dívida do partido

-SÃO PAULO- Milton Schahin, um dos sócios do grupo Schahin, fechou acordo delação premiada com a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba. O empresário se comprometeu a pagar uma multa de R$ 7 milhões — com carência de seis meses para início de desembolso. O valor deverá ser pago em 24 parcelas, corrigidas monetariamente.

Pelo acordo, Milton Schahin ficará em prisão domiciliar por três meses, com tornozeleira eletrônica. Após esse prazo, cumprirá por nove meses o regime domiciliar semiaberto, ainda com tornozeleira, podendo deixar a residência entre às 7h e 21h de segunda a sexta-feira e permanecer recolhido em fins de semana e feriados.

O acordo, ao qual O GLOBO teve acesso, prevê que o empresário deve falar sobre os esquemas de corrupção investigados na Lava-Jato, a participação de políticos e a estrutura de organizações criminosas que tenha ou venha a ter conhecimento, identificando empresas e pessoas utilizadas na prática dos ilícitos.

Milton Schahin já foi condenado a 9 anos e 10 meses de prisão na Lava-Jato, por ter participado de um empréstimo de R$ 12 milhões feito em nome do pecuarista José Carlos Bumlai, mas que teria como destino o pagamento de dívidas de campanha do PT.

Segundo depoimentos de delatores, a dívida do PT era muito maior, de R$ 60 milhões.

Até agora, a força-tarefa da Lava-Jato havia identificado apenas uma parcela deste valor, a repassada por meio de Bumlai.

O pecuarista não pagou o empréstimo ao banco. Sua dívida foi quitada quando a Petrobras fechou um contrato de US$ 1,6 bilhão com o Grupo Schahin para operação da sonda Vitória 10.000.

Milton Schahin pode, em tese, revelar outros repasses feitos pelo ao PT, ligados a contratos com a estatal.

O Grupo Schahin abriu pelo menos 15 offshores para atuar na operação de sondas de exploração de petróleo para a Petrobras.

Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, em março do ano passado, o auditor da Receita Federal Cesar Nakano, que analisou os negócios da Schahin entre 2009 e 2013, afirmou que as offshores eram apenas “formais” e totalmente inoperantes. Segundo o auditor, elas só existiam para abrir contas no exterior e tomar financiamentos. O empréstimo a Bumlai envolveu o Banco Schahin, mas o grupo tinha como foco os negócios da Schahin Engenharia e da Schahin Oléo e Gás com o governo.

No caso do empréstimo a Bumlai, o pagamento da dívida foi fraudulento, com a simulação de dação em pagamento de sêmen de boi, o que não ocorreu.

Mesmo depois da condenação de Bumlai e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, a força-tarefa da Lava-Jato manteve as investigações para descobrir o paradeiro dos R$ 48 milhões restantes, já que o empréstimo de Bumlai era parte de um valor bem mais alto.

IRMÃO JÁ FECHOU ACORDO

O primeiro a fechar acordo de delação premiada com a Lava-Jato foi Salim Schahin, irmão de Milton. O acordo foi firmado em novembro passado. Salim é pai de Carlos Eduardo Schahin, que presidiu o banco da família e foi condenado em 2014 por manter recursos não declarados em uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. A instituição acabou sendo vendida ao BMG em 2011.

A gestão do banco criou atritos entre os irmãos Salim e Milton. Fernando Schahin, filho de Milton, foi apontado como o responsável pelo contato com a Petrobras.

O delator Fernando Soares, o Fernando Baiano, disse em depoimento de delação que acertou com Bumlai o pagamento de US$ 5 milhões ao ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró para garantir que o contrato do navio-sonda Vitória 10.000 ficasse com o grupo Schahin.

O globo, n. 30514, 21/02/2017. País, p. 4