Com apoio da base, Moraes passa por sabatina 

Cristiane Jungblut 

21/02/2017

 

 

Presidente da CCJ e investigado na Lava-Jato, Lobão diz que não há constrangimento em comandar sessão

-BRASÍLIA- O ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, será submetido hoje à sabatina no Senado com a base do governo prometendo apoio para sua aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e também no plenário. Moraes foi indicado pelo presidente Michel Temer para ocupar a vaga no Supremo Tribunal Federal que era do ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo, em janeiro.

O presidente da CCJ, Edison Lobão (MA), prevê que a sabatina será longa. Investigado na Lava-Jato, Lobão repetiu que foi eleito presidente da CCJ e que não há constrangimento em participar da inquirição de Moraes. A oposição, segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), quer que Lobão se considere impedido de comandar a sessão. Lobão e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), apostam que a sabatina, embora demorada, não repetirá o que ocorreu na indicação do ministro Luiz Edson Fachin, que durou 12 horas.

Lobão lembrou que, contabilizando que cada senador terá direito a falar dez minutos, com resposta do sabatinado, tréplica e réplica, serão 30 minutos para cada arguição. O senador prevê cerca de sete horas. A ideia é que, no final da tarde, a CCJ tenha acabado e que o nome de Moraes seja levado diretamente ao plenário do Senado.

— Não acredito que seja uma sabatina tão longa como as últimas, mas nem tão rápida assim. Se a sessão se prolongar, está dentro do regimento. Vou presidir a sessão. Não tenho nenhum nenhum impedimento para presidir. Fui eleito presidente da CCJ. Não há nenhum membro que tenha sido condenado — disse Lobão, lembrando que já foi inocentado em dois inquéritos, sendo alvo de mais dois na Lava-Jato.

Lobão disse que encaminhou ao senador Eduardo Braga (PMDB-AM) — relator do caso Moraes na CCJ — o abaixo-assinado protocolado por estudantes contra a sua ida para o Supremo. Braga poderá questionar o indicado sobre a postura dos estudantes, se quiser.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), também previu uma sessão demorada, alegando que todos os senadores — aliados do governo ou oposição — irão querer falar. E Jucá reagiu à postura de Randolfe de não querer que Lobão presida a sessão.

— Se for assim (Lobão não poder presidir), então antes o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) não podia se manifestar ou votar porque era investigado e agora pode porque foi inocentado? E a senadora Gleisi, que é investigada, vai fazer pergunta? A previsão é que haja uma sabatina longa. Alguns setores tentarão politizar o debate, mas quem é indicado para ser ministro do STF debe estar preparado para isso — disse Jucá, outro investigado na Operação Lava-Jato.

O Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (USP), protocolou um abaixo-assinado com 270 mil assinaturas virtuais contra a indicação de Alexandre de Moraes para vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. A presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, Paula Masulk, disse que Moraes não tem condições de assumir a vaga como ministro devido à sua atuação na secretaria de Segurança de São Paulo e até no Ministério da Justiça. Alexandre de Moraes não quis comentar.

O PASSO A PASSO

1 EXPOSIÇÃO INICIAL

Se quiser, Alexandre de Moraes pode fazer uma exposição inicial na sabatina destacando pontos do currículo ou até se antecipando a temas polêmicos.

2 PERGUNTAS DOS SENADORES

O ministro é sabatinado primeiro pelo relator Eduardo Braga e, na sequência pelos demais integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

3 DURAÇÃO

A sabatina não tem hora para acabar, mas senadores acreditam que pode durar sete horas.

4 VOTAÇÃO

Após a sabatina, a CCJ vota a indicação do ministro. Aprovado, o nome já pode ser submetido à votação também no plenário do Senado.

____________________________________________________________________________________________

O veterinário disse não

Mara Bergamaschi

21/02/2017

 

 

Citado em delação como único a recusar esquema investigado na Lava-Jato, Flávio Turquino teve passagem tumultuada pelo Ministério da Agricultura e hoje é executivo em empresa de carnes congeladas

Fiscais sanitários federais protestaram contra a nomeação de Turquino distribuindo frangos na porta do Ministério da Agricultura

Com carreira relâmpago de apenas um mês no serviço público federal, o único homem que teria resistido à corrupção em dois anos de delações ouvidas pelos investigadores da Lava-Jato viajou ontem cedo para o Chile, onde deve permanecer no mínimo por uma semana. Hoje diretor da Campo Verde Trading BV, uma joint venture de brasileiros fundada em 2013 com sede em Amsterdam, Flávio Braile Turquino trabalha hoje, segundo a empresa, na filial de Rolândia, região metropolitana de Londrina (PR), onde sua família, de imigrantes italianos, criou raízes.

Segundo o escritório da empresa em Rolândia, Turquino ausentou-se do país a negócios, para visitar vendedores internacionais da Campo Verde, desta vez no Chile — algo que faria com regularidade. Além da filial no Paraná e da sede na Holanda, a empresa onde Turquino é executivo tem também uma representação em São Paulo no elegante bairro Vila Nova Conceição. Segundo seu site, apresentado em inglês, a Campo Verde pertence a “duas famílias brasileiras com mais de 80 anos de experiência em produção e distribuição agrícola”, especializada em carnes congeladas de alta qualidade (frango, porco e boi), produtos agrícolas e metais — não ferrosos, distribuídos em todo o mundo.

Na faixa dos 40 anos, com formação em Veterinária pela Universidade do Paraná, Turquino está no comando da Campo Verde desde setembro de 2013. Antes, teve a passagem meteórica pelo Ministério da Agricultura, como Diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Foi nomeado em 22 de agosto de 2013, e exonerado, a pedido, em 24 de setembro do mesmo ano. Os dois atos foram assinados pela então ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, senadora pelo PT, coincidentemente também do Paraná.

A ida de Turquino para o serviço público, que lhe confere agora a fama de honesto, não consta, entretanto, em seu currículo. São detalhadas suas várias experiências na iniciativa privada: Big Frango, onde ficou de 2008 a 2013, Biorigin e Cargill. Seu último cargo antes de chegar à Esplanada dos Ministérios foi de gerente internacional da Big Frango, frigorífico também localizado em Rolândia, que foi comprado, em 2014, pelo grupo JBS-Friboi. Na época do negócio, Turquino já estava fora da empresa —e a JBS, que obteve a provação do Cade à compra, em janeiro de 2015, nega que ele tenha participado da negociação da empresa, direta ou indiretamente.

A JBS também nega que tenha indicado cargos no Ministério da Agricultura ou feito qualquer pedido a Flávio Braile Turquino como diretor de Inspeção de Produtos Animais. Ele foi apontado pelo delator Alexandre Margotto como o único que não teria aceitado imposições do esquema de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro — os quais supostamente, ainda segundo o delator, receberiam influência de Joesley Batista, um dos donos da JBS-Friboi. Margotto afirmou que Turquino teria preferido pedir demissão a sujar o nome de sua família.

“É mentirosa a alegação de que foram pedidos cargos no Ministério da Agricultura (Mapa) ou em qualquer outro órgão público. Essa acusação nos deixa indignados. O nosso relacionamento com o Mapa sempre obedeceu a legislação, pautou-se pela impessoalidade e pelo aprimoramento das práticas sanitárias no país”, informou ao GLOBO a assessoria de imprensa do grupo JBS-Friboi. Procurado durante todo o dia de ontem por telefone e e-mail, Flávio Turquino não respondeu à reportagem.

Quando nomeado, Turquino foi alvo de protestos de fiscais sanitários, inconformados com o fato de ele vir da iniciativa privada — alvo da fiscalização. A categoria chegou a fazer greve e a distribuir frangos, em 30 de agosto de 2013, na porta do Ministério da Agricultura. O único ato de Turquino divulgado pelo governo durante seu mês como diretor da Agricultura foi uma regulamentação sobre a quantidade de umidade e de proteína dos frangos resfriados. Os sindicalistas também denunciaram que a família do novo diretor havia sido alvo de uma operação da Polícia Federal, em 2007. Sua saída prematura foi, na época, alvo de comemoração.

____________________________________________________________________________________________________________

 

Delator chamava Cunha de 'vesgo' e Funaro, de 'maluco' 

André de Souza

21/02/2017

 

 

-BRASÍLIA- Não era apenas a empreiteira Odebrecht — cujos executivos tiveram acordo de delação premiada homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — que costumava identificar políticos por apelidos. O gosto e a criatividade também eram compartilhados pelo empresário Alexandre Margotto, que firmou um acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF). O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, era o “vesgo”. Seu ex-sócio, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, era o “maluco”. E Fábio Cleto, ex-vicepresidente da Caixa, era frequentemente chamado de “Rapaizim”. Além disso, tanto Margotto como Cleto costumavam reclamar que Funaro não era bom pagador, atrasando os repasses prometidos.

O acordo de delação premiada de Margotto — em que ele expõe irregularidades no Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS), administrado pela Caixa — foi homologado na semana passada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília. Segundo os termos do acordo, ele se comprometeu a falar de irregularidades envolvendo Cunha, preso atualmente em Curitiba; o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima; o ex-ministro do Turismo Henrique Alves; e os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS e do frigorífico Friboi.

Funaro, que era o operador de Cunha e está preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, também é exposto na delação de Margotto. Os dois eram sócios e, pelas mensagens entregues por Margotto ao MPF, alternavam momentos de amor e ódio. Ora trocavam palavras amistosas, ora se xingavam, principalmente quando Margotto reclamava que estava sem dinheiro.

 

O globo, n. 30514, 21/02/2017. País, p. 6