Valor econômico, v. 17, n. 4190, 07/02/2017. Política, p. A8

Donos da OAS tentam fechar delação para viabilizar leniência

Por: André Guilherme Vieira e Victória Mantoan

 

Para conquistar a tão necessária leniência, a família Mata Pires, sócia majoritária da OAS, concordou em iniciar negociações buscando firmar delação premiada com a força-tarefa da Operação Lava-Jato. Antes restritas ao ex-presidente da empresa José Adelmário Pinheiro Filho - conhecido como Léo Pinheiro -, as tratativas para o acordo agora envolvem também Cesar Mata Pires, que detém 80% do capital social do grupo, e os outros dois filhos, ex-executivos, com 10%. Léo Pinheiro tem o restante da participação acionária e está preso preventivamente, já condenado em segunda instância a 26 anos de prisão. Os advogados de defesa dos empresários não quiseram comentar o assunto.

Ficou claro, após o precedente estabelecido pelos acordos fechados com a Odebrecht, que a empresa não conseguirá assinar sua leniência sem que os outros sócios se disponham a reconhecer a prática de crimes. Apesar de, formalmente, serem procedimentos distintos, que acontecem independentemente nas áreas criminal e cível, tornou-se comum na Operação Lava-Jato que delações premiadas precedam os acordos de leniência - que são uma espécie de confissão de atos ilícitos praticados pela pessoa jurídica.

O acordo da empresa tem de ser celebrado com o Ministério Público Federal (MPF) na esfera cível, para posterior homologação do juiz federal Sergio Moro, titular do caso na primeira instância da Justiça Federal do Paraná.

O processo de negociação da leniência, conduzido pela área jurídica da empresa, busca entendimento também com o Conselho de Administração e Defesa Econômica (Cade), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. O objetivo é evitar uma futura responsabilização por formação de cartel em contratos com a Petrobras. Parte da tese acusatória do MPF em Curitiba sustenta que as empreiteiras contratadas pela estatal combinaram preços de forma a fraudar licitações e maximizar seus ganhos.

Além da Lava-Jato, a OAS ainda é investigada na Operação Greenfield, que apura supostos desvios de recursos nos fundos de pensão públicos. O fato de o grupo estar na mira de outra investigação foi fator preponderante para que os acionistas decidissem pelo início de conversas com investigadores, buscando acordos que preservem as empresas e amenizem eventuais condenações às pessoas físicas.

A leniência é peça-chave para a empreiteira retomar sua atuação no mercado. A capacidade de recuperar a carteira de obras é especialmente importante para a OAS, que está em recuperação judicial desde 2015 e precisa cumprir o plano aprovado pelos credores no fim daquele ano. O grupo conseguiu reduzir praticamente pela metade uma dívida de R$ 10 bilhões, a ser paga em até 25 anos.

Quando recorreu à proteção da Justiça para reestruturar seus compromissos, a OAS optou por reduzir seu tamanho e protagonizar uma "volta às origens", com foco em construção pesada. No início de 2015, a empresa contava com uma carteira que somava pouco mais de R$ 20 bilhões e que duraria cerca de três anos, sendo que, já no ano passado, ela precisaria de novas obras para compor a receita projetada no seu plano de negócios.

Do ponto de vista estritamente financeiro, a avaliação é de que o novo perfil de endividamento acertado com os credores dá fôlego para a OAS se recuperar do baque da crise econômica brasileira e do envolvimento nas investigações. Mas isso em um cenário com leniência. O que a companhia não pode é bancar o risco de ser considerada inidônea e proibida de contratar com o poder público.

Enquanto o mercado brasileiro não dá sinais de recuperação, a estratégia tem sido focar em obras no mercado externo, principalmente África e América Latina. Mas países como o Peru já deram sinais de que as portas não ficarão abertas para companhias envolvidas em escândalos de corrupção.

Depois de sofrer vários revezes, e de ser praticamente descartada pela Lava-Jato, a delação premiada de Léo Pinheiro é considerada "muito provável" de ser firmada com o MPF, disseram ao Valor pessoas próximas ao caso.

Em anexos de informações, documentos produzidos pela defesa do candidato a delator, Léo Pinheiro narrou detalhes de conversas que afirmou ter mantido com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a reforma de um tríplex no Guarujá (SP), que seria destinado ao petista.

Lula, o empreiteiro e outras seis pessoas respondem à ação penal por corrupção e lavagem de dinheiro na 13ª Vara Federal Criminal em Curitiba. Ainda em fase de interrogatórios de testemunhas de defesa, o processo criminal poderá contar com as informações de Léo Pinheiro, na hipótese de ele fechar acordo de delação com o MPF.

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Para Moro, Lava-Jato mostra que Petrobras foi vítima

Por: Juliano Basile

 

A única perspectiva para observar o que aconteceu com a Petrobras a partir das descobertas na Operação Lava-Jato é que a estatal foi vítima de esquemas de corrupção, afirmou o juiz Sergio Moro.

"A Petrobras está ingressando nos processos e eu tenho reconhecido o papel dela como vítima", disse o juiz, após debate na Universidade de Columbia, em Nova York. "É necessário lembrar que a Petrobras pertence ao povo brasileiro. O principal acionista é a União. Se ela tiver que pagar indenização, quem será afetado será o orçamento público do Brasil e, em via indireta, a população brasileira. Então, na perspectiva brasileira, não existe outra forma de ver essa questão", completou o juiz em resposta a pergunta do Valor.

As declarações de Moro foram feitas em Nova York, onde acionistas da Petrobras entraram com ação de indenização por perdas com investimentos na estatal. O principal ponto de defesa da companhia é o de que ela foi vítima de corrupção. Neste ponto, Moro concordou com a alegação da estatal.

O juiz ressaltou, porém, que diversas decisões sobre a realização de investimentos que foram tomadas pela Petrobras, no passado, podem ter sido consequência de práticas de corrupção, e não de diretrizes estratégicas sobre projetos lucrativos no mercado. "Talvez, maus investimentos feitos pela Petrobras no período podem ter sido resultado não de más percepções", disse ele, referindo-se a decisões tomadas pela estatal na década passada. "Podem ter sido decisões deliberadas", completou o juiz.

Moro avaliou ainda que, num ambiente de corrupção, os investidores perdem a confiança e as instituições públicas também são diretamente afetadas. "A Lava-Jato não é um caso isolado. Começou com investigações na Petrobras. Mas, hoje, há investigações em andamento na minha corte e em outras cortes", afirmou. O juiz acrescentou que as propinas foram pagas pelos contratos firmados com companhias e com o governo e, portanto, afetaram as contas públicas. "Todos esses fatos perturbadores nos levam a concluir que um ambiente de corrupção foi escondido das investigações."

O juiz ressaltou ainda que as evidências descobertas pela Lava-Jato não devem ser escondidas do público. Por outro lado, ele não quis comentar o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) não ter aberto o sigilo das delações da Odebrecht por entender que não seria apropriado comentar sobre um assunto que está em outra instância.

"Eu decidi que não vamos esconder nenhuma evidência do público", declarou ele, ao ser questionado sobre o vazamento de um áudio entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, em março de 2016. "Aquilo não foi um vazamento. Foi minha decisão de tornar isso público", respondeu. Em seguida, o juiz lembrou que o Supremo entendeu que haveria a autoridade para levantar o sigilo, mas que isso não deveria ter sido feito e reviu a sua decisão. "Mas eu segui as regras que disse antes de que não vamos esconder nenhuma evidência do público nesses casos."

Moro elogiou o novo relator da Lava-jato, ministro Edson Fachin, que ficou no lugar de Teori Zavascki, morto em janeiro. "Fachin é um bom jurista", ressaltou. O juiz acrescentou que a atuação de Teori garantiu independência nos autos da operação.

O debate em Columbia começou sob intensos protestos de manifestantes que entraram no salão da biblioteca da universidade e começaram a gritar contra Moro assim que ele começou a falar. Antes do evento, a universidade recebeu uma carta de professores e um manifesto de um grupo formado majoritariamente por brasileiros nos Estados Unidos e se autoproclama "Em Defesa da Democracia no Brasil". Eles acusaram Moro de ser tendencioso, de ter atuado para favorecer o impeachment e de entregar as riquezas do pré-sal para companhias estrangeiras.

O juiz esperou que os manifestantes se acalmassem para começar a falar e negou que tenha sido responsável pelo impeachment. "As consequências políticas acontecem fora do processo. Eu não tive nenhuma responsabilidade pelo impeachment da presidente Dilma. Eu estava apenas fazendo o meu trabalho", resumiu.

Após o debate com Moro, Lisa Schineller, responsável pela avaliação da economia brasileira na agência Standard & Poors, disse que a Lava-Jato representa um aperfeiçoamento das instituições no Brasil, mas o país vai precisar de tempo para recuperar o grau de investimento perdido em setembro de 2015. "Vai demorar vários anos e o país terá múltiplas tarefas."

Segundo ela, a dinâmica da economia levou o "rating" do Brasil para baixo. Houve uma recessão longa e o processo de impeachment, exemplificou. Agora, segundo ela, é preciso avançar na agenda de reformas. "Politicamente, precisamos que o governo leve a agenda de reformas para o Congresso", disse. Schineller advertiu ainda que a mudança de expectativas dos investidores com o país se dará com o decorrer do tempo.

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Janot pede inquérito contra Sarney, Jucá e Renan

Por: Luísa Martins

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito contra o ex-presidente José Sarney, o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado e os senadores pemedebistas Renan Calheiros e Romero Jucá. Eles são suspeitos de atrapalhar as investigações da Operação Lava-Jato, conforme detalhou Machado em seu acordo de delação premiada.

Para Janot, existem "elementos concretos de atuação concertada entre parlamentares, com uso institucional desviado, em descompasso com o interesse público e social, nitidamente para favorecimento dos mais diversos integrantes da organização criminosa".

Na delação, Machado explicou o conteúdo das gravações de conversas que teve com Sarney, Jucá e Renan - cerca de seis horas de duração, no total. Os diálogos demonstravam que eles buscavam impedir que a Lava-Jato avançasse sobre políticos, especialmente do PMDB, do PSDB e do PT, por meio da aprovação de medidas legislativas que os favoreceriam e de acordos com o próprio STF.

Janot cita que o plano dos envolvidos tinha uma vertente tática e outra estratégica. Na primeira, eles usaram "meios espúrios" para persuadir o Judiciário a não desmembrar o inquérito-mãe da Lava-Jato, a fim de que Machado, que não tem prerrogativa de foro, não se tornasse delator. Na segunda, os congressistas buscaram construir uma base ampla de apoio político para aprovar mudanças na lei de forma a beneficiá-los. Por exemplo: proibir acordos de delação premiada com investigados ou réus presos (enfraquecendo um dos principais instrumentos da Lava-Jato), proibir o início do cumprimento de pena de prisão a partir da condenação em tribunal de segunda instância e permitir a celebração de acordos de leniência independentemente do reconhecimento de crimes.

O pedido de inquérito cita, ainda, que outra forma de obstruir as investigações seria a tentativa de reduzir os poderes do Judiciário e do Ministério Público, por meio da realização de nova Constituinte. Para Janot, são atos que buscam "sabotar o próprio Estado". "É chocante ouvir o senador Romero Jucá admitir, a certa altura, que é crucial 'cortar as asas' da Justiça e do Ministério Público", diz o procurador-geral.

A petição apresentada por Janot traz trechos dos diálogos gravados por Machado e aponta que a linguagem "é clara, explícita, sem nenhuma ambiguidade". Conforme o texto, Machado foi "muito claro" em seus depoimentos sobre as propinas pagas aos senadores e ao ex-presidente, inclusive pormenorizando valores. Segundo a delação, foram repassados R$ 32 milhões a Renan, R$ 21 milhões a Jucá e R$ 18 milhões a Sarney - todos os valores ilícitos, a partir de contratos da Transpetro.

"Os áudios demonstram de forma inconteste que está em curso um plano de embaraço da investigação por parte de integrantes da quadrilha e seus associados", prossegue Janot. Ele cita, ainda, que fez parte do plano a nomeação de alguns ministros pelo presidente Michel Temer ("a solução" ideal para "parar tudo"), como o próprio Jucá para o Planejamento, o filho de Sarney para o Meio Ambiente e Fabiano Silveira para a pasta de Fiscalização, Transparência e Controle, que substituiu a Controladoria-Geral da União (CGU).