Valor econômico, v. 17, n. 4189, 06/02/2017. Brasil, p. A6

Queda de receita em 2017 deve reduzir gasto com educação básica

Projeção indica que valor mínimo investido por aluno será 1,3% menos que em 2016

Por: Ligia Guimarães

 

Os efeitos da recessão sobre a arrecadação de impostos devem atingir este ano também os recursos que financiam a educação básica. O valor mínimo investido por aluno na educação básica do país, projeção que baliza a distribuição para Estados e municípios dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), teve queda real de 1,3% em 2017 ante 2016, em dados deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano passado pelo economista Caio Callegari, coordenador de projetos do movimento Todos pela Educação. É o segundo ano consecutivo de queda real do valor mínimo, aponta o levantamento.

"Muitos municípios terão que transferir recursos de investimento para manutenção, como folha de pagamento", diz Callegari. O Fundeb é a principal fonte de financiamento da educação básica, e responde por em torno de 63% de todo o investimento na área. Márcio Lacerda, presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e ex-prefeito de Belo Horizonte, diz que na capital mineira, por exemplo, 100% do Fundeb são usados para cobrir a folha de pagamento.

"O custeio da máquina pública tende a crescer mais que a inflação. Se o prefeito der reajuste igual à inflação, ele já está perdendo", diz Lacerda, que cita o reajuste de 7,64% do piso salarial dos professores da educação básica, concedido em janeiro deste ano, ante inflação de 6,29% em 2016. "Sai do dinheiro do Fundeb."

O valor anual mínimo nacional por aluno, definido em portaria dos ministérios da Educação (MEC) e da Fazenda e válido desde o início do ano, ficou em R$ 2.875,03, menor que os R$ 2.912,10 de 2016, corrigidos pela inflação oficial do período. O cálculo do valor mínimo é feito a partir de projeções de arrecadação para 2017 feitas pelo MEC e pela Fazenda. "Esse valor mínimo baliza a distribuição dos recursos e para decidir o quanto a União terá que transferir para os Estados", diz Lacerda.

Criado em 2007 e válido até 2020, o Fundeb é formado a partir de uma cesta de impostos e transferências municipais e estaduais vinculada à educação (como IPI, IPVA e ICMS). Conforme os tributos são arrecadados, 20% do montante deixam de ir para o caixa da prefeitura e são depositados no fundo estadual ligado ao Fundeb.

Cada Estado tem um fundo próprio, de onde os recursos são redistribuídos entre as contas das prefeituras e dos Estados, de acordo com o número de matrículas em cada etapa de ensino, segundo o censo escolar do ano anterior, ponderados por valores diferentes para cada etapa. Pela lei, cabe aos municípios a oferta de creches, pré-escolas e ensino fundamental; os Estados são responsáveis pelo ensino médio, além de apoiar os municípios na oferta de ensino fundamental.

Cada etapa de ensino tem um valor distinto a ser distribuído no Fundeb. A matrícula de um aluno no ensino fundamental urbano, por exemplo, é a referência de valor 1, e recebe o mínimo. Um curso integral, ou na zona rural, por outro lado, precisa de mais recursos. "A matrícula do Fundeb pode variar de 0,7 a 1,3 do valor do ensino fundamental urbano", explica Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que participou ativamente do trâmite tanto da lei que criou o Fundeb, em 2007, quanto do Plano Nacional de Educação, em 2014.

De acordo com o levantamento, 20 dos 27 Estados tiveram queda real dos valores anuais por aluno no Fundeb em relação a 2016 e terão que ajustar as políticas educacionais, alerta Callegari. No dado corrigido pela inflação, Roraima teve queda de 17% em seu valor aluno/ano do Fundeb. Apesar de ser a maior queda entre os todos Estados, ainda é o maior valor por aluno do país. Espírito Santo, Amapá, Rio, São Paulo e Santa Catarina tiveram quedas de, respectivamente, 8,2%, 8%, 6,7%, 5,2% e 4,8%.

Pela regra do Fundeb, a União complementa transferindo recursos para os Estados que não conseguem atingir o valor mínimo nacional com o equivalente a 9% do arrecadado no Fundeb entre todos os Estados e municípios. "A lei exige 10%, mas permite que 1% da complementação seja gasta de forma discricionária", diz Callegari.

Nove Estados recebem complementação financeira da União: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí; mesmo número de 2016. "A complementação vai sempre para quem está pior, e a União precisa dar o suficiente para o Estado subir para a próxima posição no ranking. E se houver dois Estados na última posição, a União tem que melhorar os dois", diz.

Callegari destaca que, como depende da capacidade de arrecadação de cada Estado, a discrepância no orçamento de uma região para outra é muito grande. "Os Estados mais pobres têm Fundeb menor. Hoje, um aluno de Curitiba, por exemplo, não tem a mesma importância em termos de recurso de um aluno de Teresina", diz. Descontada a inflação, a complementação da União tem se mantido estável desde 2012, cerca de R$ 12 bilhões.

"O Fundeb gera um tipo de redistribuição que não equaliza todo o Brasil ", diz Callegari. Ele defende a implementação do Custo Aluno Qualidade (CAQ) e do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), mecanismos previstos no Plano Nacional de Educação, sancionado em 2014 e que estabelece 20 metas até 2024. "Hoje, se define o orçamento a partir do que tem, e não do que é necessário", afirma.

Prevista na estratégia 20.7 do PNE, a implementação do CAQ e do CAQi definiria valores para quanto o Brasil precisa investir para garantir um padrão mínimo de qualidade. "A assimetria no Brasil é muito radical. O objetivo do CAQ é garantir um mínimo, em que todos os estudantes teriam um valor por matrícula um pouco acima do de São Paulo", diz Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, entidade que criou o mecanismo do CAQ, que foi incorporado ao PNE. "A única maneira de corrigir uma distorção arrecadatória entre Estados e municípios é ter o papel corretivo da União."

Cara estima que a implementação do CAQ exigiria o aumento da complementação da União de 10% para 50% do Fundeb total. "A cada R$ 1 colocado nos Estados e municípios, a União colocaria R$ 0,50", diz o especialista. "Deixaria de pressionar tanto os Estados e muitos desistiriam da municipalização. Por que hoje muitos Estados transferem responsabilidades para os municípios? Porque o Fundeb está subfinanciado".

Segundo Cara, a preservação da brecha para elevar gastos na PEC do teto foi uma concessão da União a partir da pressão das entidades de educação e municipalistas em meio à votação da emenda. "Mas não é uma exceção clara; pode ser questionada juridicamente", avalia ele.

Lacerda, da FNP, destaca que em 2017 os prefeitos enfrentam ainda a pressão do aumento da demanda por serviços públicos. Para ele, a realidade impõe que as prefeituras melhorem a gestão, já que não é mais possível pedir dinheiro à União. Diz, no entanto, que as restrições orçamentárias não permitirão o cumprimento das metas do PNE. "Este ano, toda cidade já está obrigada a universalizar a educação infantil para 4 e 5 anos", diz. "O prefeito pode e ajustar, desde que não cumpra as metas do PNE."

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MEC está cumprindo seu papel, diz secretária

Por: Ligia Guimarães

 

O Ministério da Educação (MEC) está cumprindo seu papel diante da queda de arrecadação decorrente de três anos de recessão, afirmou a secretária-executiva do ministério, Maria Helena Guimarães de Castro. "Todos os programas de União de apoio à educação básica estão mantidos. Não teve nenhum corte no nosso orçamento em relação à inflação. Nosso orçamento aumentou, apesar da restrição de receitas", afirmou Maria Helena a respeito do cenário de queda nos recursos do Fundeb.

A secretária definiu como "óbvia" a redução do fundo como consequência da crise econômica. Disse que soluções previstas no Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014 e que estabelece 20 metas para serem alcançadas até 2024, como a definição de um valor mínimo a ser investido por aluno para garantir um padrão de qualidade, "dependem essencialmente da melhoria do quadro econômico para que Estados e municípios possam assegurar recursos".

"O que temos agora que fazer é um esforço em melhorar a economia para aumentar a arrecadação, o emprego e melhorar a educação", afirmou.

Maria Helena voltou a defender um novo debate sobre as metas estabelecidas no PNE, face às dificuldades orçamentárias dos Estados e municípios. "Sempre defendi o PNE. Ele foi aprovado por unanimidade. Acontece que ele foi aprovado em 2014 e não se tinha a clareza da situação de crise que já estava armada", disse.

"O PNE foi aprovado em um momento em que a situação não parecia tão dramática, e agora se trata de termos a responsabilidade não só fiscal, mas social, de examinar as metas e tentar pensar quais são as prioridades", afirmou a secretária.

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Brecha pode permitir alta de repasses ao setor sem 'estourar' teto

Por: Raphael Di Cunto

 

Aposta do governo Temer para que o país tenha a dívida sob controle no longo prazo, o Novo Regime Fiscal tem uma brecha para futuros governos diminuírem a economia para pagar os juros da dívida e aumentarem investimentos em educação sem "estourar" o teto de gastos imposto por uma emenda à Constituição aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado.

O regime limita o aumento dos gastos da União ao total de despesas do ano anterior, corrigidas pela inflação. O governo federal hoje é deficitário - gasta mais do que arrecada -, mas, com a esperada volta do crescimento econômico, essa relação se inverteria ao longo dos próximos 20 anos. As despesas, porém, estarão congeladas e a receita excedente será destinada para pagar os juros da dívida pública.

Estudo do economista Cláudio Tanno, da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, aponta, contudo, que uma das ressalvas ao teto poderá ser usada para destinar mais recursos para a educação: a complementação feita pela União às transferências do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Tradicionalmente o governo federal só faz o aporte mínimo exigido, de 10% do valor do fundo, montante que é distribuído a Estados e municípios. Em 2017, a previsão é de gasto de R$ 13,9 bilhões, ou R$ 11,68 bilhões, descontada a inflação. Mas, segundo Tanno, esse valor poderá ser elevado por mera portaria interministerial, sem necessidade de aval do Legislativo e sem contar no teto.

"A pressão para implementação do Plano Nacional de Educação [PNE] e por maiores repasses para Estados e municípios poderá levar ao aumento dessa complementação quando o país voltar a crescer", diz o consultor. O próprio PNE já prevê acréscimo nos repasses com a futura criação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), indicador que determinará valores mínimos para garantir um bom atendimento dos estudantes. "Seria uma alternativa a apenas fazer economia para pagar os juros da dívida e que poderia salvar o PNE", afirma.

O plano, aprovado por unanimidade pelo Congresso e sancionado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2014, após mais de três anos de tramitação, prevê metas para o avanço da educação no país até 2024, como ampliar o número de alunos em escolas de tempo integral, erradicar o analfabetismo e investir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor. O cumprimento das metas, porém, tem sido comprometido diante da crise econômica e do congelamento nos gastos públicos.

A proposta original do governo é que o Novo Regime Fiscal, que limitará o crescimento das despesas da União por 20 anos, só poderia ser alterado após dez anos por lei complementar. Mexer nas regras antes disso exigiria outra emenda à Constituição, de tramitação mais demorada e que exige muito mais apoio congressual devido ao quórum elevado necessário para aprová-la.

Aumentar as transferências para Estados e municípios investirem em educação, por outro lado, dependerá apenas de vontade política e de uma norma infralegal - uma portaria dos ministérios da Educação e do Planejamento, de acordo com Tanno. "Involuntariamente, o governo acabou criando uma regra própria para a educação. A saúde não tem essa brecha".

A exceção é tão involuntária, argumenta, que mesmo os setores que defenderam a emenda não usaram essa possibilidade de ampliação das receitas do Fundeb nos debates. A linha central de quem era favorável à proposta do governo é que a educação terá um piso mínimo, corrigido pela inflação, e novos aportes de recursos poderiam ocorrer com cortes em outras áreas. O consultor pondera que essa suplementação será difícil porque, da fatia de recursos em que é possível o remanejamento, quase 25% já estão alocados atualmente em educação, bem acima do piso mínimo previsto na emenda do novo regime. Ao modificar o Orçamento de 2017, o primeiro elaborado sob as novas regras, os parlamentares demonstraram preferência por alocar suas emendas em outros setores, de acordo com o estudo.

O Ministério da Educação teve as despesas discricionárias acrescidas em 7,0%, frente à elevação média de 16,2% nos órgãos do Executivo. Enquanto as ações voltadas para o desenvolvimento da educação receberam aporte extra de R$ 1,8 bilhão, os projetos de integração nacional cresceram 110,2%, adicional de R$ 3,2 bilhões. Procurada, a Fazenda não comentou.