Igualdade polêmica

Cássia Almeida 

21/02/2017

 

 

Feministas divergem sobre idade mínima igual para aposentadoria de homens e mulheres

A intenção do governo de igualar a idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres está provocando debate entre feministas de diversos ramos acadêmicos. A maioria defende que se mantenha a diferença, pela dupla jornada feminina e pela baixa cobertura de creches e escolas em tempo integral. Mas há quem defenda que a igualdade é bem-vinda, diante da vida sete anos mais longa da mulher e para não reforçar o papel tradicional feminino. Para se chegar à igualdade, no entanto, defendem que é necessário um tempo de transição.

A proposta do governo que está tramitando no Congresso prevê 65 anos de idade para se aposentar. Atualmente, as mulheres podem requerer o benefício a partir de 60 anos, e os homens, aos 65 anos.

A economista e professora da UFF Hildete Pereira de Melo, estudiosa das questões de gênero, é categórica na sua defesa da aposentadoria mais cedo para as mulheres:

— Nos países em que há igualdade, há também políticas compensatórias para as mulheres. Há que ter uma compensação para o trabalho reprodutivo.

No Brasil, as creches, públicas e privadas, atendiam 24,6% das crianças de 0 a 3 anos em 2014. Só 9% dos estudantes estão na escola em tempo integral.

A socióloga Clara Araújo, da UFRJ, defende a igualdade, mas é contra a reforma do jeito que está posta na mesa. Ela defende um período de transição, inclusive para os homens:

— Dedicar mais tempo ao trabalho doméstico e interromper a carreira para atender a família prejudicam efetivamente a aposentadoria. Mas a forma de enfrentar o problema não é reforçando essa visão essencialmente paternalista, que estimula os papéis sexuais. A essa altura, no século XXI, não há como defender essa diferença.

Em 14 dos 34 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a idade para se aposentar é a mesma para homens e mulheres.

A economista Lena Lavinas, professora da UFRJ e atualmente no Institute for Advanced Study de Berlim, é contra a mesma idade mínima. Diz que a reforma subverte os princípios da Previdência brasileira:

— Nosso sistema é de repartição. Os jovens pagam para os idosos; e os homens, para as mulheres, já que elas trabalham mais e ganham menos. Há um efeito redistributivo na Previdência. É a característica intrínseca do sistema de repartição.

As mulheres ganhavam 76% do salário do homens em 2015. Em 2004, eram 70%.

A carga do trabalho reprodutivo nas mãos das mulheres é outro argumento das feministas que defendem que haja uma compensação para elas na hora de se aposentar. Hoje, a jornada total (trabalho fora e em casa) da mulher ultrapassa em cinco horas à do homem. É nesse ponto que a socióloga Maria Betânia Ávila, pesquisadora do Instituto Feminista para Democracia S.O.S. Corpo, do Recife, baseia sua defesa por regras diferentes:

— A mulher tem uma intensidade de trabalho bem maior. É um trabalho contínuo. Começa a trabalhar em casa, vai para o trabalho remunerado, depois volta para o trabalho doméstico. Sobra pouco tempo para carreiras mais permanentes e até para representação política. A mulher trabalha até no lazer. Cuida do filho na praia, na festa.

Bila Sorj, socióloga e professora da UFRJ, já defende a igualdade, com ressalvas, como um período de transição de dez anos.

— Sou a favor da igualdade de gênero, portanto é consistente defender um modelo de previdência que proponha a igualdade na idade de aposentadoria. É importante a equalização de mulheres e homens. Mas, como a mulher trabalha mais horas, o ideal é que fosse implantada ao longo de dez anos, para dar tempo para que políticas públicas para atenuar o trabalho reprodutivo fossem implantadas também — explica Bila.

CAETANO: ‘CONGRESSO É SOBERANO’

Rosália Lemos, professora de Cultura Afro-brasileira e Educação em Direitos Humanos da IFRJ/Nilópolis e feminista negra, diz que a mudança será mais dramática para as mulheres negras:

— Elas estão ocupada em trabalhos de qualificação e remuneração menores e de risco maior. É um retrocesso nos direitos humanos das negras. Somos nós que sofremos mais no mercado. Ganhamos muito menos do que o homem negro, o homem branco e a mulher branca.

Ana Amélia Camarano, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defende a igualdade desde que a transição seja suave. Ela afirma que as mulheres que se aposentam por idade contribuem, em média, por 18 anos. Se a reforma passar, elas terão de contribuir por mais sete anos. Já os homens terão de contribuir por mais quatro anos em relação à média atual:

— Sou a favor para as mulheres sem filhos. Hoje, cresce o número de mulheres sem filhos.

A nossa taxa de fecundidade é de 1,7 filho por mulher. Para repor a população, a taxa tem de ser de 2,1 filhos.

— Tem que compensar o custo gerado pela reprodução, até para incentivar a natalidade. Sem jovens, não há Previdência. Aí, não vai ter reforma que dê conta — afirma Ana Amélia. O secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, reconhece que há desigualdades no mercado de trabalho, mas que “não vão se resolver por meio da aposentadoria”: — A Previdência não é a solução. O secretário esteve ontem na Fundação Getulio Vargas (FGV) num debate sobre o tema e afirmou que o “governo vai ser o mais fiel possível à proposta enviada ao Congresso”. Sobre a declaração de deputados de que não será possível aprovar a proposta até junho, Caetano disse que o “Congresso é soberano”.

O globo, n. 30514, 21/02/2017. Economia, p. 15