Valor econômico, v. 17, n. 4189, 06/02/2017. Política, p. A7

MPF terá força-tarefa no Rio para investigar operações do BNDES

Por: André Guilherme Vieira

 

Caberá ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a decisão de criar uma força-tarefa, no Rio de Janeiro, dedicada a apurar exclusivamente indícios de corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro que supostamente envolveram operações do BNDES no Brasil e no exterior, conforme apurou o Valor.

As suspeitas, afirmam investigadores, recaem principalmente sobre as operações do banco voltadas ao financiamento da exportação de bens e serviços de engenharia e construção a países da África e da América Latina, que foram realizadas ao menos nos últimos dez anos.

Há mais de uma dezena de procedimentos investigatórios em torno do banco. Um deles, que já resultou em ação penal, apura o suposto envolvimento direto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em vantagens indevidas que ele teria recebido da Odebrecht em dois períodos: de 2008 a 2010 e de 2011 a 2015.

A contrapartida por tais vantagens seria a influência sobre atos de servidores dos governos de Cuba e República Dominicana, cujas obras de engenharia são custeadas pelo BNDES. Lula, Marcelo Odebrecht e outras nove pessoas respondem a esse processo. A defesa de ex-presidente nega envolvimento dele em irregularidades apuradas no caso. Já Odebrecht esclareceu em delação premiada pormenores sobre todas as obras de engenharia conduzidas pelo grupo no exterior, custeadas com dinheiro de empréstimos contraídos pelos países com o BNDES.

Os procuradores reuniram quantidade expressiva de dados entregues por delatores, além de documentos obtidos em ações de busca e apreensão e informações de quebra de sigilo bancário e fiscal de investigados relacionados ao banco. O MPF busca cooperação penal com alguns dos países que emprestaram do BNDES para ter outros detalhes dessas operações.

O tema vem sendo discutido há meses pelo grupo de trabalho da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, com procuradores que atuam nas forças-tarefas do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba e no Rio.

O objetivo de reservar uma equipe unicamente para apurar supostos ilícitos no BNDES é centralizar os trabalhos e dar agilidade às investigações, hoje divididas em três frentes independentes: as Operações Lava-Jato, Janus e Acrônimo.

A formação de uma nova força-tarefa no Rio também encontrará respaldo no entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Em setembro de 2015, o colegiado decidiu que os desvios descobertos pela Lava-Jato no Ministério do Planejamento envolvendo a empresa contratada Consist, com sede em São Paulo, deveriam ser apurados pelo MPF da capital paulista. A sede do BNDES fica no Rio.

O precedente da territorialidade também levou ao deslocamento de toda a investigação sobre corrupção na Eletronuclear - inicialmente conduzida em Curitiba - para o Rio, cidade em que a estatal está localizada.

Com a atuação de uma segunda força-tarefa do MPF no Rio (a primeira mira a Eletronuclear e os desvios de verbas federais com pagamentos de propina envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral, do PMDB, e o empresário Eike Batista), os inquéritos, denúncias e ações penais decorrentes das investigações terão de ser distribuídos por sorteio eletrônico a um dos quatro juízos federais criminais especializados em processar delitos financeiros na capital fluminense - a 2ª, 3ª, 5ª e 7ª Varas.

Entre 2007 e 2016 o BNDES foi presidido pelo economista Luciano Coutinho, durante os mandatos presidenciais de Lula e Dilma Rousseff.

Em nota, a assessoria de Coutinho disse que ele sempre "forneceu todos os esclarecimentos sobre as operações efetuadas pelo BNDES durante sua gestão".

E sobre o escopo de atuação do banco, disse que "todas as operações ocorreram dentro da mais absoluta lisura, seguindo estritamente as regras da instituição, de acordo com critérios técnicos e passando por dezenas de pessoas e por órgãos colegiados".

Já a assessoria de imprensa do BNDES reiterou que a instituição bancária "colabora com autoridades e órgãos de controle, prestando todas as informações que sejam solicitadas".

O BNDES anunciou, em outubro do ano passado, a adoção de novos procedimentos para as operações de financiamento às exportações brasileiras de bens e serviços, atendendo a recomendações sugeridas por órgãos externos de controle.

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Lava-Jato servirá de exemplo, avalia brasilianista

Por: Rodrigo Carro

 

Os avanços institucionais obtidos no Brasil como consequência da Operação Lava-Jato podem influenciar outros países latino-americanos, como México, Colômbia e Venezuela, além de servirem de exemplo até para os Estados Unidos. A análise é do brasilianista Thomas Trebat, presidente do Columbia Global Center do Rio de Janeiro, da Universidade de Columbia, que promove hoje e amanhã em Nova York um seminário sobre governança e "compliance" (conformidade) com as presenças do juiz Sérgio Moro e da presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia.

Trebat chama a atenção para o fato de que as ligações muitas vezes pouco transparentes entre governo e empresas privadas - expostas pela Lava-Jato - ganharam destaque também nos Estados Unidos a partir da eleição de Donald Trump para o cargo de presidente. "A presença de Trump na presidência sem se desfazer de suas empresas cria tensões", afirma o economista à frente do braço da universidade americana no país. Nesse sentido, a experiência brasileira em dar mais transparência às relações entre o setor público e o privado pode ser útil aos Estados Unidos, diz o brasilianista.

Na visão de Trebat, o Supremo Tribunal Federal é hoje menos partidário politicamente do que seu equivalente americano, a Suprema Corte dos Estados Unidos. "Os ministros [do STF] estão mais sintonizados com o que dita a lei, o que coincide com aquilo que a sociedade civil está exigindo", afirma o diretor do Columbia Global Center no Rio.

Já nos Estados Unidos a polarização política é maior dentro da Suprema Corte, avalia Trebat. Dos nove juízes, quatro foram indicados por presidentes democratas e outros quatro por republicanos. Indicado pelo republicano Trump, o nono integrante da casa, Neil Gorsuch, ainda depende da aprovação do Senado, mas se for confirmado deve fazer a balança pender para o lado conservador. "A indicação dos juízes está muito politizada, o que está corroendo a crença dos americanos na Justiça", diz Trebat. "Nos Estados Unidos, compramos um conflito para as próximas décadas", acrescenta ele, referindo-se à indicação de Gorsuch, tido como um conservador capaz de influenciar questões sobre aborto e imigração.

O seminário "Construção de instituições, governança e 'compliance' no Brazil: política, políticas e negócios" é uma iniciativa conjunta da Universidade de Columbia com a The New School.

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Lula afirma que 'continuará na luta'

Por: Renato Rostás,/ Cristiane Agostine / Ricardo Mendonça

 

Ao despedir-se de sua esposa, Marisa Leticia, durante o velório no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no sábado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou que não pretende se afastar da disputa política no cenário nacional. "Marisa, descanse em paz. O seu 'Lulinha paz e amor' vai continuar lutando muito por aqui", afirmou o ex-presidente, muito emocionado, depois de perder a companheira com quem dividiu 44 anos de sua vida. Dias antes, quando Marisa ainda estava na UTI, Lula disse a militantes que lutará para não se deixará abater. "A pressão e a tensão fazem as pessoas chegarem ao ponto que Marisa chegou", disse, referindo-se à Operação Lava-Jato. "Mas isso não vai me fazer ficar chorando pelos cantos. Vai ficar apenas batendo na minha cabeça, como mais uma razão para que a luta continue".

Com a morte de sua esposa, o ex-presidente deve reforçar os ataques contra a força-tarefa da Lava-Jato, que colocou sua família no alvos das investigações. No velório, Lula chamou os investigadores de "facínoras", cobrou um pedido de desculpas e disse que está acusado injustamente. "Se tem alguém que praticou corrupção, não é este homem que está enterrando sua esposa. Não tenho que provar que sou inocente, e sim eles têm que provar que as mentiras que contam são verdade".

Amigos e aliados de Lula intensificaram nos últimos dias as críticas à força-tarefa da Lava-Jato e repetiram a que as investigações têm como objetivo tirá-lo da disputa presidencial de 2018. Segundo petistas, a morte de Marisa não pode ser dissociada dos desdobramentos da operação. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse que a esposa do ex-presidente, com 66 anos, foi "vítima dos ataques cruéis da elite" e teve sua vida vasculhada e exposta sem que encontrassem irregularidades. Mesmo depois da morte da ex-primeira-dama, Falcão afirmou que Lula não recuará das disputas políticas. "Lula vai continuar nos liderando com certeza nas lutas que ainda temos pela frente", afirmou Falcão. "Acredito que não só os militantes do PT, mas também todo brasileiro quer que você continue na luta", disse o dirigente.

O ex-presidente deve assumir o comando do PT em junho, durante o Congresso petista. Na ocasião, o partido avalia se já lançará a candidatura de Lula para 2018.

Apesar de defenderem o lançamento de Lula para mais uma disputa à Presidência, amigos do ex-presidente preocupam-se com a dependência emocional que ele tinha em relação à esposa. O petista sempre se aconselhava com Marisa e era ela quem "segurava a barra", como disse o próprio Lula.

Embora nunca tenha disputado eleição, não tenha sido nomeada para cargos públicos e evitasse os holofotes, Marisa teve sua vida marcada pela política nas últimas quatro décadas. A ex-primeira-dama acompanhou toda a construção da carreira sindical e política de Lula. Os dois dividiram experiências das grandes greves do fim dos anos 70, da fundação do PT, em 1980, e das cinco candidaturas à Presidência, com derrotas em 1989, 1994 e 1998, e vitórias em 2002 e 2006.

O ex-presidente e sua esposa se conheceram quando Lula ainda era diretor do setor de assistência social do sindicato, em São Bernardo. O casal tem quatro filhos.