Valor econômico, v. 17, n. 4189, 06/02/2017. Especial, p. A12

Repatriação mascara déficit dos Estados

Recurso extraordinário contribuiu para reduzir de 13 para 10 o número de entes no vermelho

Por: Marta Watanabe

 

O repasse aos Estados do programa de repatriação deu grande contribuição para o resultado primário dos governos regionais. Os 27 Estados fecharam 2015 com déficit primário de R$ 3,62 bilhões. Mesmo com o impacto da crise sobre os Estados, no ano passado o déficit foi praticamente o mesmo - R$ 3,63 bilhões - e, dentre as 27 unidades federativas, o número de Estados no vermelho caiu de 13 para 10. O resultado leva em consideração os dados declarados nos relatórios relativos a 2016 e as despesas empenhadas até o fim do ano passado. O Rio de Janeiro, que está em atraso na divulgação dos relatórios fiscais, é o único com dados apenas até outubro.

George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, diz que a "melhora" deve ser olhada com muita cautela. Ele lembra que a repatriação fez grande diferença nas contas dos Estados, principalmente para os governos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

São justamente essas regiões que tornam o resultado primário agregado mais favorável aos governos estaduais. Esse grupo de Estados passou de um déficit de R$ 987,4 milhões em 2015 para um superávit de R$ 5,48 bilhões no ano passado. Em 2016 foram repassados aos Estados R$ 10,07 bilhões em arrecadação de Imposto de Renda e multa no programa de repatriação de recursos. Do total, em torno de 80% foram destinados aos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

No Sul e Sudeste, os números do resultado primário fizeram no caminho inverso no agregado. O déficit saiu de R$ 2,6 bilhões em 2015 para R$ 9,1 bilhões no ano passado, sempre levando em conta despesas empenhadas por todos até o sexto bimestre, exceto o Rio de Janeiro, que só deve publicar os relatórios na semana que vem. Tirando o Rio do quadro, as regiões Sul e Sudeste passaram de um superávit de R$ 1,78 bilhão em 2015 para um déficit de R$ 1,76 bilhão no ano passado.

"A repatriação foi uma receita atípica e, como tal, serviu para camuflar um pouco a crise, ainda mais com repasses no final do ano", diz o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

A parcela relativa às multas, lembra o pesquisador, foi repassada aos Estados em 20 de dezembro - R$ 5,03 bilhões - e para municípios em 30 de dezembro - R$ 5,5 bilhões. Os governos regionais, explica, tiveram pouco tempo para gastar os valores. Segundo dados do Banco Central, diz Afonso, os Estados fecharam o ano com depósitos bancários de R$ 3,8 bilhões e as prefeituras, de R$ 6 bilhões.

Além de ter ajudado a elevar o resultado primário dos Estados, a repatriação - os recursos entraram nas contas dos governo regionais como receita de transferência -, diz Santoro, também contribuiu para melhorar os indicadores fiscais medidos em relação à receita corrente líquida, como despesa de pessoal e endividamento.

Segundo o secretário, a despesa de pessoal de Alagoas com repatriação é de 45,9% da receita líquida. Sem repatriação seria de 48,2%. O endividamento fechou em 102,95% da receita, mas sem a repatriação seria de 108%. "Esse recursos podem ter distorcido os indicadores em vários Estados."

Santoro diz que o governo alagoano decidiu publicar a despesa de pessoal nos dois critérios, para evitar pressões dos sindicatos por reajuste de salários. Ele explica que não há espaço para isso por conta do teto para o crescimento de gastos a partir deste ano. Ele conta que o crescimento vegetativo da folha pressiona as despesas em 3%, sendo que o limite para crescimento é de 6%.

"Temos somente outros 3% para crescimento de despesas e precisamos cumprir nossa parte para o acordo de renegociação de dívida. Isso é importante para a sustentação fiscal do Estado no futuro", diz o secretário.

Em Alagoas, o resultado primário saiu de R$ 733,3 milhões positivos em 2015 para superávit de R$ 1,13 bilhão no ano passado, sempre no critério do empenhado. Santoro lembra que houve elevação de arrecadação do ICMS por conta de esforço de fiscalização, mas reconhece o impacto positivo de cerca de R$ 400 milhões repassados com a repatriação.

Guilherme Mercês, economista- chefe da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), diz que, no caso dos Estados, o resultado primário não reflete exatamente a situação financeira e nem o esforço fiscal dos governos. Ele explica que realmente houve elevação de receitas nos Estados de 2015 a 2016. Um levantamento da Firjan com 22 Estados, diz ele, aponta elevação média de 3,7% das receitas nesse período.

Diferentemente da União, porém, diz Mercês, os Estados não podem fazer rolagem da dívida por meio de emissão de títulos. "Por isso muitas vezes o superávit primário é obtido por meio dos restos a pagar", diz ele. Essa conta mostra o adiamento de pagamento por parte dos Estados e, segundo levantamento da Firjan, houve elevação média de 46% nessa conta de 2015 ao ano passado.

No Rio Grande do Sul o governo reverteu o déficit primário de R$ 1,78 bilhão em 2015 para um superávit de R$ 854,7 milhões no ano passado. A melhora do resultado, porém, não significa que o Estado voltou ao reequilíbrio financeiro. Pelo contrário. O governo diz que o salário referente a janeiro foi pago, mas há incerteza dos recursos necessários para o pagamento relativo a fevereiro. O 13º do ano passado está parcelado e o buraco orçamentário até o fim do mandato, em 2018, é calculado em R$ 8,8 bilhões.

O secretário da Fazenda gaúcha, Giovani Feltes, diz que o reequilíbrio fiscal do Estado depende de um acordo para recuperação com a União, com carência de três anos para pagamento da dívida, e também da recuperação da economia. Ele argumenta que o Estado fez "um monte de lição de casa" que incluiu o corte de cargos comissionados e de despesas de custeio. Com isso, o rombo orçamentário de R$ 25,5 bilhões do início do governo, em 2015, foi reduzido para R$ 8,8 bilhões, conta ele.

No ano passado, o superávit primário e também orçamentário - o Estado saiu de um resultado negativo de R$ 4,9 bilhões em 2015 para um positivo de R$ 143 milhões no ano passado -, argumenta o secretário, foi resultado de uma série de ações do governo em conter as despesas e buscar alternativas para conter o impacto da recessão na arrecadação tributária.

Feltes também reconhece o efeito determinante das receitas extraordinárias, resultado da elevação de alíquotas do ICMS, da venda da folha de pagamentos, do acordo que colocou fim a uma disputa judicial com a Ford e do programa de repatriação do governo federal. Se não fossem essas receitas extraordinárias, diz o secretário de Fazenda, estaríamos com um déficit de R$ 4,4 bilhões. "Mas não há como repetir as medidas em 2017. Nós esgotamos nosso potinho de soluções."

Na região Sudeste, o Estado de São Paulo fechou o ano passado com superávit primário de R$ 1,5 bilhão. O resultado ficou no azul, mas bem menor que os R$ 5,06 bilhões de saldo positivo em 2015. O secretário da Fazenda paulista, Hélcio Tokeshi, lembra que houve frustração de receitas no ano passado, o que impediu a reversão do contingenciamento feito durante e 2016, de R$ 6,9 bilhões. Por isso, ele destaca o superávit como resultado de rigor fiscal. Segundo Tokeshi, isso foi possível por conta do esforço do Estado nos últimos anos de "poupar para o inverno". No ano passado, a receita de ICMS em São Paulo caiu em termos nominais, com perda de 0,4% contra 2015. O recuo real foi de 8,4%.

Na Bahia, onde o déficit fiscal se ampliou de R$ 570 milhões em 2015 para R$ 1,12 bilhão no ano passado, a Fazenda diz em nota que o resultado foi lastreado por superávits de exercícios anteriores, incluindo operações de crédito. A Fazenda baiana ressalta que o resultado negativo ficou bem abaixo da previsão orçamentária original e ressalta que a relação entre dívida consolidada líquida e receita corrente líquida caiu de 57,57% em 2015 para 55,78% no ano passado, indicando "perfil confortável de endividamento, a despeito do quadro recessivo". A nota da Fazenda afirma que os investimentos públicos no ano passado somaram R$ 3,2 bilhões em 2016, com crescimento de 45,09% com relação ao ano anterior. Do total, R$ 1,1 bilhão correspondeu a recursos de superávit de exercícios anteriores.

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Rio atrasa relatório; rombo até outubro atinge R$ 7,3 bilhões

Por: Rodrigo Carro

 

Apesar de o prazo para apresentação dos relatórios de gestão fiscal e execução orçamentária ter se esgotado no dia 30, o Estado do Rio de Janeiro trabalha para apresentar os documentos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) apenas nesta semana.

As informações oficiais mais recentes, disponíveis no Relatório Resumido de Execução Orçamentária, indicam, pelo critério da despesa empenhada (comprometida), um déficit primário de R$ 7,34 bilhões acumulado nos primeiros dez meses do ano passado, mas o resultado negativo das contas do Estado tende a crescer quando forem computados novembro e dezembro.

Como boa parte das despesas empenhadas ainda não foi efetivamente liquidada, o déficit primário ficou restrito a R$ 2,86 bilhões, levando-se em consideração os compromissos quitados. A meta de resultado primário fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do Estado do Rio de Janeiro para 2016 é de R$ 17,85 bilhões.

O percentual da Receita Corrente Líquida (RCL) comprometido com gastos de pessoal estava em 57,93% ao fim do segundo quadrimestre do ano passado, de acordo com o mais recente Relatório de Gestão Fiscal disponível. O patamar de gastos cresceu mais de oito pontos percentuais na comparação com os quatro meses anteriores, influenciado, entre outros fatores, pela retração da RCL. Entre janeiro e março, as despesas do governo fluminense com pessoal estavam no patamar de 49,56%.

Embora abaixo do teto de 60% estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o percentual de gastos com pessoal tende a fechar 2016 acima do limite, já que a queda registrada na receita total do governo fluminense foi a maior em pelo menos 15 anos, tanto em termos reais como nominais.

Na prática, o Rio de Janeiro e outros sete Estados já haviam excedido o teto para gastos de pessoal em 2015, de acordo com levantamento apresentado em novembro do ano passado pela economista Selene Peres no 1º Congresso Nacional dos Auditores de Controle Externo (Conacom). Com base em dados do "Boletim das Finanças Públicas dos Entes Subnacionais", da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), Selene estimou em 62,84% o percentual da RCL consumido em 2015 pelas "despesas totais com pessoal."

O total de restos a pagar (despesas empenhadas, mas não pagas) somava R$ 3,3 bilhões em outubro do ano passado.