Quando eleição não é tema, consenso é a marca no STF

Marlen Couto

19/02/2017

 

 

Levantamento a partir de processos julgados em 2016 revela que, de 177 decisões colegiadas, 101 tiveram resultado unânime

“Muitos casos só vão à pauta por decisão da presidente. Presidentes habilidosos costumam trazer assuntos que já têm certa maturidade” Michael Mohallem Professor da FGV Direito Rio

Se confirmado como novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes vai se deparar com uma Corte que pouco diverge quando reunida em plenário. É o que indica levantamento do Núcleo de Dados do GLOBO com base nas 177 decisões finais tomadas coletivamente pelos ministros em 2016.
Em mais da metade dos casos (101 processos), o veredicto foi unânime. Em 70 processos, venceu a maioria, com diferença de até dois votos. O placar ficou apertado, com diferença de um voto, em apenas seis ocasiões.

— Muitos desses casos só vão à pauta por decisão da presidente. Presidentes habilidosos costumam trazer assuntos que já têm certa maturidade. Outro ponto são as conversas informais entre os ministros. Não significa que combinam voto, mas que constroem certo consenso — avalia o professor de Direito da FGV Rio Michael Mohallem.

Ainda que o consenso no plenário confira “segurança jurídica”, para o professor de Direito da Uerj Rodrigo Brandão, não significa que um único ministro não tenha poder relevante. O tribunal tem um alto número de sentenças monocráticas (aquelas definidas por um só ministro). Em 2016, foram 3.116 decisões finais tomadas individualmente, 73% do total.

— No STF, há um fortalecimento do poder individual — diz Brandão, lembrando que muitas vezes um ministro concorda com o voto do relator ou de colegas, embora apresente novos argumentos:

— Os ministros reservam as divergências para o que acreditam ser mais relevante — conclui o professor da Uerj.

Um ponto fora da curva foram os processos relacionados ao Direito Eleitoral, área que mais dividiu os ministros. Nas quatro decisões relacionadas ao tema em 2016, a discordância com o relator chegou a 40% dos votos. Em um dos casos, julgado no início da última eleição municipal, a mudança nas normas dos debates de TV rachou o plenário. O STF decidiu, por 6 a 5, que cabe às emissoras convidar para debates candidatos que não pertencem a partidos com ao menos dez deputados na Câmara.

Para Mohallem, a divergência na área eleitoral é explicada pelas constantes modificações das regras das campanhas. Decisões tomadas anteriormente deixam, então, de ter peso no voto.

— A jurisprudência deixa de ser relevante. Questões eleitorais são também acaloradas, com prazo para decidir. Não dá tempo de serem amadurecidas.

Quando relator, o ministro Marco Aurélio foi aquele que menos conquistou a adesão dos demais. Nos 17 casos julgados no plenário em que relatou, Marco Aurélio foi voto vencido em sete. Ao mesmo tempo, foi também o que menos acompanhou o voto dos colegas relatores. Isso ocorreu em 30,5% de suas decisões.

— O ministro tem entendimentos muitas vezes singulares, o que contribui para o aperfeiçoamento das decisões. Da discussão, vem a luz. Isso não causa nenhum desconforto — conta o advogado Sergio Bermudes, autor do livro “Vencedor e vencido” (2006, Forense), que reúne alguns dos principais pronunciamentos de Marco Aurélio.

O globo, n. 30512, 19/02/2017. País, p. 6