Valor econômico, v. 17, n. 4188, 03/02/2017. Especial, p. A14

Sorteio de Fachin para a Lava-Jato é alvo de insinuações

Procedimento será auditado pela primeira vez em julho deste ano, segundo o Supremo

Por: Maíra Magro e Murillo Camarotto

 

Poucas horas depois de ser transferido para a Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) responsável por julgar a Operação Lava-Jato, o ministro Luiz Edson Fachin foi sorteado ontem como o novo relator do caso. A divulgação do nome, aguardada com expectativa desde a morte do ministro Teori Zavascki, lançou as atenções sobre o sorteio eletrônico responsável pela distribuição dos processos na Corte - com insinuações sobre a possibilidade de manipulação.

Paralelamente, resolvida a nova relatoria, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que o presidente Michel Temer deve indicar nos próximos dias, ou mesmo nas próximas horas, o substituto de Teori no STF. "O perfil será o mais similar possível ao de Teori, alguém altamente técnico e discreto", contou Padilha.

O primeiro caso da Lava-Jato sorteado para Fachin foi uma denúncia envolvendo o senador Fernando Collor (PTC-AL), resultante de um dos primeiros inquéritos abertos com a operação.

As suspeitas quanto ao sorteio do novo relator surgiram porque a migração de Fachin da 1ª para a 2ª Turma vinha sendo cuidadosamente costurada pelos ministros mais influentes no Supremo. Seu nome circulava na imprensa como possível relator havia mais de uma semana. Chegou-se a cogitar, inclusive, que Fachin pudesse mudar de Turma e assumir automaticamente a Lava-Jato, herdando alguns processos que eram de Teori. Ponderou-se, no entanto, que os processos não seriam necessariamente urgentes e que, ainda que fossem, o regimento interno do STF exigiria a realização do sorteio entre os cinco integrantes da 2ª Turma, como acabou ocorrendo.

Também gerou suspeita o fato de o sorteio só ter sido feito após a migração de Fachin, oficializada momentos antes da sua escolha como relator. Nos bastidores, havia uma preocupação em não transmitir para a opinião pública a imagem de que a Lava-Jato estaria ameaçada sem a mão forte - mas ponderada e "justa" - de Teori. A 2ª Turma é composta por ministros que, de uma forma ou de outra, já manifestaram algum desconforto em relação aos rumos da operação - em especial Gilmar Mendes, que o fez publicamente. Além dele e de Fachin, integram o colegiado os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

O STF chegou a considerar um sorteio entre os atuais dez integrantes do plenário, para contrariar assim insinuações de que a Lava-Jato poderia morrer na segunda turma. Mas a conclusão foi de que a alternativa não contava com o respaldo do regimento interno da Corte.

Ontem, após a sessão do Supremo, ministros elogiaram o nome de Fachin como novo relator da Lava-Jato. "Foi uma excelente escolha, uma escolha do destino", disse Lewandowski. "A relatoria da Lava-Jato está em boas mãos", opinou Marco Aurélio Mello. O próprio Fachin disse estar "tranquilo" com a nova tarefa e divulgou nota dizendo que já iniciou a transição do processo para seu gabinete, contando com a "contribuição indispensável" da equipe que trabalhava com Teori. Na nota, Fachin "reitera seu compromisso de cumprir seu dever com prudência, celeridade, responsabilidade e transparência", também como forma de homenagear Teori, segundo o texto.

O sorteio eletrônico dos relatores de processos no STF segue um sistema de algoritmo que, pelo que se tem notícia, nunca foi auditado. Ontem, a Corte anunciou que uma primeira auditoria será realizada em julho. Segundo o STF, a auditoria já estava planejada dentro de um "pacote de providências" da gestão da ministra Cármen Lúcia como presidente da Corte.

O sistema funciona como uma espécie de régua, dentro da qual se dividem as probabilidades de distribuição segundo o número de ministros. Se a régua vai de zero a cem e o sorteio conta com cinco ministros, cada um terá, em princípio, 20% de chance de ser escolhido: o ministro "a" responderá pelo intervalo de 1 a 20, o ministro "b", pelo intervalo de 21 a 40, e assim por diante. Se for sorteado o número 23, por exemplo, o processo ficará com o ministro "b".

Porém, esses intervalos são expandidos ou comprimidos segundo o histórico de distribuição de processos para cada ministro. Se uma cadeira ficou vaga por muito tempo, e durante esse período deixou de participar da distribuição, os próximos sorteios terão que compensar esse dado, direcionando mais casos para esse ministro.

Como a cadeira de Fachin ficou vaga por nove meses, aguardando a indicação pela então presidente Dilma Rousseff, esse período gerou um "alargamento" do intervalo da régua destinado ao ministro nos sorteios. Técnicos do STF afirmaram, porém, que essas compensações são diluídas ao longo do tempo para evitar que um processo tenha chances muito maiores de cair nas mãos de um ministro específico. No caso da Lava-Jato, segundo esses técnicos, se as chances de Fachin eram maiores que as dos demais integrantes da segunda turma, a vantagem seria "ínfima", não preponderante para a escolha de seu nome.

De acordo com os mesmos técnicos, o sorteio segue a ordem de autuação ou redistribuição dos processos no STF, e cerca de 50 pessoas trabalham nesses procedimentos de cartório. O nome de Fachin foi sorteado em menos de três minutos, em um computador instalado em uma sala no terceiro andar do edifício sede do STF. A presidente da Corte participou do procedimento, realizado pela secretária judiciária do Supremo, ao lado de uma assessora de imprensa e mais dois servidores.

Para o professor Ivar Hartmann, coordenador do projeto Supremo em Números da FGV-Direito Rio, a maior fonte de suspeita sobre os sorteios no STF é a negativa do tribunal em mostrar como funciona o software responsável pela distribuição. Um cidadão chegou a pedir acesso ao algoritmo usado pelo sistema, por meio da Lei de Acesso à Informação, mas a Corte negou. Hartmann pondera que, seja qual fosse o resultado do sorteio da Lava-Jato entre os membros da segunda turma, teorias conspiratórias poderiam surgir apontando direcionamento para este ou aquele ministro.

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Indicação em 2015 recebeu forte rejeição

Por: Maíra Magro e Murillo Camarotto

 

Antes de assumir a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2015, o advogado gaúcho Luiz Edson Fachin foi alvo de uma das mais duras sabatinas a que um candidato à Corte já foi submetido. Sorteado ontem relator da Operação Lava-Jato, Fachin, que na próxima semana completa 59 anos, enfrentará a partir de agora outra provação.

Assim como a maioria de seus pares, ele não tem experiência prévia em direito penal. Era reconhecido como jurista por sua atuação profissional e acadêmica no direito civil e de família. No STF, por ser o ministro indicado mais recentemente, não reúne histórico relevante de julgamentos de casos criminais, o que gera insegurança para advogados da Lava-Jato.

Fachin esteve à frente, como relator, de um único grande caso de direito criminal - o inquérito em que o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) é acusado de usar uma empreiteira para pagar despesas de uma ex-amante com quem teve um filho.

Por um lado, Fachin teve o mérito de levar a julgamento a denúncia contra Renan, depois que o inquérito adormeceu anos na Corte. Por outro, o ministro aceitou diversos pedidos da defesa para adiar o julgamento, o que pode ter contribuído para a prescrição de alguns crimes.

Em um segundo momento, o ministro atuou de forma mais dura. Quando Marco Aurélio Mello deu uma liminar determinando o afastamento de Renan da presidência do Senado, Fachin foi um dos poucos que concordaram com a solução, ao lado da ministra Rosa Weber, mas a corrente ficou vencida.

Na Lava-Jato, Fachin já deu alguns votos em casos levados ao plenário. Um deles foi favorável ao primeiro fatiamento das investigações. Fachin também já era o relator de inquéritos que apuram suposto esquema de corrupção em Angra 3 e Belo Monte, desdobramentos da Lava-Jato, mas não há dados para avaliar sua atuação até o momento.

Em outro caso relevante, o ministro contribuiu para mudar o entendimento do STF para permitir, a partir dele, a prisão após a condenação em segunda instância.

Ao ser indicado para o STF, Fachin enfrentou o júri das redes sociais e sofreu forte rejeição de vários setores da sociedade, o que foi compensado por um amplo apoio da comunidade jurídica.

Fachin acabou contratando uma empresa especializada em gestão de crise, algo inédito para um candidato ao STF, e foi às redes sociais apresentar sua "defesa". Agora, a imagem do novo relator da Lava-Jato depende apenas da forma com que conduzirá o caso.

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Escolha blinda processo de pressões

Por: Raymundo Costa

 

A escolha do ministro Luiz Edson Fachin para relator da Lava-Jato blindou o processo contra eventuais ataques dos acusados de participar do megaesquema de corrupção da Petrobras, empresários ou políticos. O STF é visto como porta de salvação, a última esperança dos acusados, aflitos com a rigidez do juiz Sergio Moro e seus colegas da primeira instância.

Fachin, segundo seus pares, é um ministro corajoso, que não hesita em emitir sua opinião, mesmo quando fica em minoria. Ou seja, tem tudo para se transformar num pesadelo para as autoridades envolvidas no escândalo.

Exemplo lembrado é o da votação, mais uma vez adiada ontem pelo Supremo Tribunal Federal, sobre integrantes da linha sucessória presidencial que respondem a processos criminais. Fachin e Rosa Weber foram os únicos ministros do STF a votar pela deposição do então presidente do Senado, Renan Calheiros, além do relator Marco Aurélio Mello. Ele também andou votando contra os interesses de Dilma Rousseff, que o indicou, à época do impeachment.

Outra vantagem da escolha é que Fachin não estava relacionado entre aqueles ministros sobre os quais pesava desconfiança em relação à parcialidade na Lava-Jato.

Vale o registro: há uma semana o Palácio do Planalto sabia que Fachin trocaria de turma e esperava que ele fosse sorteado relator na 2ª turma, o que não era muito difícil de prever - o algoritmo do Supremo que faz o sorteio leva em conta alguns fatores como o número de processos em poder de cada ministro. Fachin era o primeiro colocado.

O segundo era o ministro Gilmar Mendes, um crítico da Lava-Jato. No núcleo do governo Temer o ministro Fachin é respeitado. Não existe expectativa de que o governo possa influir em suas decisões, mas é claro o alívio por não ter sido escolhido um "inimigo". O sorteio de um "amigo" também seria ruim, pois soaria como provocação.

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Senado articula acabar com sigilo em delações

Por: Vandson Lima

 

Com suas principais lideranças citadas ou investigadas pela Operação Lava-Jato, o Senado iniciou um amplo movimento para encampar mudanças que acabem com o sigilo nos autos de procedimentos de investigação e processos judiciais, como as delações feitas por 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht.

A divulgação do conteúdo integral das delações, como forma de evitar o que consideram vazamentos seletivos, interessa a praticamente todos os grandes partidos e deve progredir rapidamente na Casa.

Líder do governo no Congresso Nacional, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) apresentou ontem projeto que impede a decretação de sigilo em investigações relativas a crimes contra a administração pública, de responsabilidade, infrações penais praticadas por agentes públicos e atos de improbidade administrativa. Ou seja, tudo o que está no escopo dos ilícitos investigados pela Lava-Jato.

Alvo de oito investigações na operação, Renan Calheiros (PMDB-AL) dedicou boa parte de seu discurso de despedida do comando do Senado, na quarta-feira, à defesa do fim do segredo nas delações. "É preciso que se abra, quebre, derrube o sigilo para que a população não seja manipulada", bradou.

Ontem, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (PSDB-MG), reforçou o coro. Após divulgação de reportagem da "Folha de S. Paulo", que afirmou que o ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Júnior, teria relatado reuniões com o tucano para tratar de um esquema de fraude em licitação na obra da Cidade Administrativa, em Minas Gerais, Aécio divulgou nota em que defende "o fim do sigilo sobre as delações homologadas para que todo conteúdo seja de conhecimento público (...) e que as pessoas mencionadas possam se defender, uma vez que é impossível responder a especulações".

Reservadamente, senadores disseram ao Valor que o tema é praticamente unanimidade entre os parlamentares. O PT, por exemplo, já defende há tempos o fim do segredo em relação às denúncias delatores. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) protocolou, ainda no ano passado, proposta para "determinar a revogação do segredo de justiça na hipótese de divulgação indevida, nos meios de comunicação, de trechos dos processos classificados como sigilosos". Assim como Jucá, Renan e Aécio, Gleisi é alvo de investigação.

Em seu projeto, com quatro artigos, Jucá torna restritas as condições para que investigações corram em sigilo. Instrumentos de investigação que exigem segredo para sua efetividade - como as interceptações telefônicas e quebras de sigilos bancários - serão utilizados de forma sigilosa, porém, concluídas as investigações, devem ser tornadas públicas. Além disso, para evitar a divulgação indevida, o projeto ressalva que todo seu conteúdo deverá ser tornado público uma vez violado o sigilo, sob pena de nulidade absoluta.

"O intuito é tornar públicas as informações de forma permanente, evitando-se a decretação do segredo de justiça em processos e procedimentos nos quais estejam envolvidos agentes estatais. De fato, a restrição do acesso à informação da sociedade sobre a vida dos homens públicos que regem a nação não se coaduna com o regime democrático", concluiu.

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Delator acusa Aécio de armar fraude em licitação, diz jornal

Por: Marcos de Moura e Souza

 

O senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, foi acusado de ter participado de um encontro com o ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Júnior, para viabilizar um esquema de corrupção na licitação das obras da Cidade Administrativa, o conjunto de prédios construído em Belo Horizonte entre 2009 e 2010 para sediar o governo mineiro e as secretarias estaduais. A reunião teria ocorrido na época em que Aécio era governador de Minas.

A acusação, segundo o jornal "Folha de S.Paulo", foi feita pelo próprio Benedito em sua delação premiada à Operação Lava-Jato. Parte das informações havia sido divulgada na semana passada pelo site BuzzFeed Brasil.

A construção da Cidade Administrativa, uma das maiores obras da história de Minas, foi dividida entre nove empreiteiras. Custou R$ 2,1 bilhões, em valores da época.

Conforme a publicação, Benedicto afirmou ao Ministério Público Federal que Aécio orientou as construtoras a tratarem do tema com Oswaldo Borges da Costa Filho, conhecido como Oswaldinho, que era presidente da estatal Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). O percentual das propinas, cerca de 3% sobre o total dos contratos, teria sido firmado entre Oswaldinho e as empreiteiras.

Aécio repudiou as informações e defendeu o fim do sigilo sobre as delações premiadas. A

Ainda conforme a "Folha", as informações do delator teriam sido confirmadas pelo ex-diretor da Odebrecht em Minas Sergio Neves. Os detalhes sobre pagamentos a Aécio teriam sido fornecidos por Neves

As delações de 77 membros da Odebrecht, ainda sob sigilo, foram homologadas no último dia 30 pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmén Lúcia.

Segundo o jornal, as revelações da Odebrecth sobre Aécio fez com que o MPF exigisse dos executivos da Andrade Gutierrez uma complementação de suas delações, adendo batizado no órgão de "recall". Isso ocorreu porque os membros da Andrade não teriam detalhado o esquema de propina em Minas e em outras duas obras que aparecem nas delações da Odebrecht: as construções do Rodoanel e do Metrô, em São Paulo.

Desde o fim de 2016, o Ministério Público de Minas também investiga suposto pagamento de propina a Oswaldinho envolvendo a Cidade Administrativa. O inquérito civil, instaurado em 20 de setembro, apura denúncia de que ele teria recebido recursos indevidos da OAS, outra construtora que participou da obra.

Segundo o órgão, essa investigação está em fase de análise de documentos. O assunto não é novo na instituição. Uma outra apuração do mesma licitação que havia sido iniciada em 2007 acabou sendo arquivada.

Além de presidir a Codemig durante os dois mandatos de Aécio, Oswaldinho era descrito por rivais do tucano como seu tesoureiro informal des campanhas.

O Valor não conseguiu localizá-lo para comentar. A OAS informou não quis se manifestar. O PSDB de Minas disse que desconhece o inquérito e que "reitera que são falsas as acusações que têm sido publicadas obtidas por meio de vazamentos de fontes anônimas".