O Estado de São Paulo, n. 45042, 11/02/2017. Política, p. A5

Para Moro, Cunha tentou intimidar Temer em ação

 
Ricardo Brandt
Fausto Macedo
Valmar Hupsel Filho

 

O juiz federal Sérgio Moro afirmou, em decisão de ontem, que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDBRJ) tentou intimidar o presidente Michel Temer no processo penal que responde pelo recebimento de R$ 5 milhões de propinas em um contrato da Petrobrás na África. O magistrado negou pedido de liberdade apresentado pela defesa do deputado cassado.

“Não se pode permitir que o processo judicial seja utilizado para essa finalidade, ou seja, para que parte transmita ameaças, recados ou chantagens a autoridades ou a testemunhas de fora do processo”, registrou Moro, ao negar que Cunha fosse colocado em liberdade. O ex-presidente da Câmara está preso, preventivamente, em Curitiba desde outubro de 2016.

Moro considerou que Cunha tentou pressionar Temer para que ele interferisse na Lava Jato, em seu favor. Para isso, citou perguntas dirigidas ao presidente da República, que foi arrolado pelo ex-deputado como sua testemunha de defesa: “Qual a relação de vossa excelência com o sr. José Yunes?; o sr. José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de vossa excelência ou do PMDB?; caso vossa excelência tenha recebido, as contribuições foram realizadas de forma oficial ou não declarada?”.

Homem de confiança de Temer, o advogado José Yunes ocupava cargo de assessor no Planalto. Seu nome teria sido citado em um dos termos de delação premiada da Odebrecht – o que provocou seu pedido de demissão.

Teori. Moro ainda enalteceu o ministro Teori Zavascki, morto em janeiro, e usou seus argumentos para manter Cunha preso. “O curso da ação penal deu ainda mais razão a este juízo e aos argumentos emprestados do ministro Teori Zavascki. Nem mesmo a prisão preventiva de Eduardo Cunha o impediu de prosseguir com o mesmo modus operandi, de extorsão, ameaça e intimidações.”

Anteontem, Cunha criticou, em artigo no jornal Folha de S.Paulo, os argumentos para a manutenção de sua prisão e disse ser um “troféu”. Na quarta-feira, ao ser interrogado por Moro, Cunha voltou a citar Temer. O peemedebista afirmou que o presidente participou de reunião, em 2007, em que teria sido discutida a indicação de agentes públicos na Petrobrás.

Alongadas prisões. Na terça-feira, o ministro do STF Gilmar Mendes abriu discussão sobre o que chamou de “alongadas prisões que se determinam em Curitiba”, num indicativo de que o tribunal pode discutir a revisão dos prazos das preventivas da Lava Jato.

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Delegado da Lava Jato será transferido

 

O delegado da Polícia Federal Márcio Adriano Anselmo vai deixar a Operação Lava Jato, em Curitiba. Responsável pela investigação originária do escândalo de corrupção na Petrobrás – de lavagem de dinheiro da família do ex-deputado federal José Janene (PP-PR), morto em 2010 –, ele vai assumir a Corregedoria da Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo.

O delegado da Lava Jato havia pedido o desligamento da força-tarefa em meados de 2016, motivado “por esgotamento físico e mental causado pelos mais de três anos” que esteve à frente dos inquéritos da operação, segundo registrou em documento enviado há um mês aos superintendentes da PF em Curitiba e no Espírito Santo, Rosalvo Ferreora Farnco e Ildo Gaspareto, respectivamente.

“Tal pedido se dá por questões de natureza pessoal, sem interferência da administração”, afirmou Anselmo aos superiores. O delegado pretendia pedir licença para estudar no exterior, mas recebeu o convite para assumir a Corregedoria da PF no Espírito Santo.

Equipe. Delegado com mais tempo de Lava Jato na equipe que conduz as investigações em Curitiba, Anselmo afirma no documento que sua saída “não impede de continuar auxiliando nos trabalhos” da operação Lava Jato.

O delegado foi não só o responsável pela origem do caso, mas também quem prendeu, no dia 19 de junho de 2015, o empreiteiro Marcelo Bahia Odebrecht, em São Paulo. Ele ainda conduz os inquéritos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pressão. Anselmo registrou ainda em documento enviados aos superintendentes que faz parte do seu processo administrativo de indicação ao cargo de corregedor, que “são infundadas algumas manifestações na imprensa no sentido de interferências na investigação, motivadas sobretudo por interesses escusos”.

“Sempre atuei nos casos que presidi com absoluta independência dentro do que me permite a legislação”, escreveu o policial aos superiores. / FÁBIO SERAPIÃO, R.B. e F.M. SERAPIÃO, R.B. e F.M.

 

Modus operandi

“Nem a prisão preventiva o impediu de prosseguir com o mesmo modus operandi, de extorsão, ameaça e intimidações.”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL