Escolha de ministro da Justiça volta ao 'zero' 
Catarina Alencastro, Carolina Brígido, Eduardo Barretto e Simone Iglesias 
18/02/2017
 
 
Com recusa de Carlos Velloso, que era tido como nome certo, Temer terá que recomeçar sondagens

A recusa do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso em aceitar o convite do presidente Michel Temer para ser ministro da Justiça devolveu ao “zero” a definição do novo titular do cargo, vago desde o dia 7, quando Alexandre de Moraes, indicado ao STF, pediu licença com o propósito de se preparar para a sabatina no Senado.

Mesmo sendo egresso do mundo jurídico, Temer, ironicamente, enfrenta mais uma vez grande dificuldade para preencher a pasta da Justiça. Em maio do ano passado, na formação de seu primeiro Ministério, esta foi a área em que ele mais penou para encontrar um nome adequado.

Um auxiliar do presidente lembra que naquela oportunidade quatro nomes foram sondados — os ex-ministros do STF Ayres Britto, Ellen Gracie e o próprio Carlos Velloso, além do advogado Antonio Cláudio Mariz — e somente a quinta opção, Alexandre de Moraes, que inicialmente era cotado para a Advocacia-Geral da União, vingou.

— Da outra vez já tinha sido assim. Houve quatro sondagens até dar certo. Agora o presidente terá o máximo de cautela para que isso não se repita — explicou.

Segundo este mesmo auxiliar, Temer começará a escolha “do zero”, porque o advogado Antonio Cláudio Mariz, cotado para a Secretaria Nacional de Segurança, não é considerado para o cargo de ministro.

— Mariz está totalmente descartado para virar ministro da Justiça desde maio do ano passado — disse o auxiliar de Temer, lembrando a repercussão negativa da posição crítica do advogado sobre a Operação Lava-Jato.

ADVOGADO ALEGA COMPROMISSOS PROFISSIONAIS

Depois de ter dado todos os indicativos a Temer de que aceitaria o convite para o Ministério da Justiça, Carlos Velloso ligou ontem à tarde para o presidente dizendo que não poderia assumir o posto. Segundo interlocutores do presidente, Velloso afirmou que não conseguiu abandonar as causas com as quais já tinha se comprometido em seu escritório. Em alguns processos vultosos, constava do contrato que Velloso tinha que atuar pessoalmente.

— Eu não consegui superar compromissos — explicou ao GLOBO.

Velloso negou que a crise atual no setor de segurança tivesse pesado na escolha, embora reconheça que a situação nas penitenciárias brasileiras é crítica:

— Não, isso não me assustaria. O momento é delicado, sem dúvida nenhuma. Mas não me assusto com isso — disse o ex-ministro do Supremo.

Apesar de ter compreendido as razões de Velloso, Temer avaliou o saldo da sondagem como negativo. Isso porque as conversas entre eles acabaram vazando quando ainda estavam em uma etapa preliminar, e foi criada uma expectativa pública em relação à nomeação do ex-ministro.

Como entendeu que Velloso estava entusiasmado com a ideia, inclusive por abordá-la publicamente, o Planalto decidiu se antecipar e tratar às claras a negociação. Usualmente, presidentes só o fazem após o candidato a ministro deixar explícito o aceite. Ao fim, Velloso recuou e anunciou que não poderia assumir o posto por questões profissionais.

Em nota divulgada à imprensa, o ex-ministro afirmou que o cargo para o qual foi convidado é “honroso” e que gostaria de ter aceitado, mas que os compromissos assumidos no seu escritório de advocacia foram obstáculo insuperável. “Não obstante meu desejo pessoal de contribuir com o país, neste momento tão delicado, compromissos de natureza profissional e, sobretudo, éticos, levam-me a adotar esta decisão. É que acredito no adágio pacta sunt servanda (o contrato e lei entre os contratantes), pilar do principio da segurança jurídica”, diz o texto.

Velloso ainda escreveu que continuará “à disposição do presidente Temer, amigo de cerca de 40 anos, para auxiliá-lo de outra forma, na missão que o destino conferiu ao consagrado constitucionalista de recolocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento econômico, com justiça social”.

Depois que deixou o STF, Velloso abriu escritório de advocacia. E um de seus clientes é justamente o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que na última terça-feira acompanhou Velloso até o gabinete de Temer, no Palácio do Planalto. No encontro, falaram do ministério da Justiça e dos desafios que Velloso encontraria, se aceitasse o convite. Depois, na quarta à noite, Velloso foi até a casa de Temer para amarrar ainda mais sua potencial ida para o governo. Na ocasião, disse que só teria que resolver algumas questões no escritório, o que acabou não conseguindo fazer.

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Fachin: 'Foro privilegiado é incompatível com o princípio republicano' 

18/02/2017

 

 

Ministro quer debater se regra pode ser alterada pelo Supremo ou se depende do Congresso

O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), disse ontem que o foro privilegiado é “incompatível com o princípio republicano”. Na quinta-feira, outro ministro da Corte, Luís Roberto Barroso, também criticou a regra, que dá a autoridades o direito de serem julgadas em tribunais específicos. Pela Constituição Federal, deputados, senadores, ministros de Estado e o presidente da República devem ser processados e julgados no Supremo. Governadores têm direito ao foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Prefeitos, por sua vez, têm foro nos Tribunais de Justiça.

De acordo com Fachin, é necessário realizar um debate para determinar se a regra do foro pode ser alterada pelo STF, declarando uma nova interpretação da Constituição, ou se depende da aprovação do Congresso Nacional. Na quinta-feira, Barroso propôs que a regra do foro especial fosse aplicada apenas em processos relativos a crimes cometidos durante o mandato da autoridade. Processos penais relativos a outras épocas deveriam ser julgados na primeira instância da justiça, como acontece com qualquer cidadãos.

— Eu, já de muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano, que é o programa normativo que está na base da Constituição brasileira. A questão que se coloca é saber se essa alteração pode ser feita por uma mudança de interpretação constitucional, ou se ela demanda, da parte do Poder Legislativo, uma alteração — declarou o ministro.

Fachin explicou que o Supremo, em tese, poderia adotar a interpretação sugerida por Barroso. Sem dar opinião sobre o debate que ainda será travado, Fachin ressaltou que costuma defender uma postura mais contida por parte do Supremo.

— Este é o debate que o Supremo vai enfrentar para saber se há espaço para interpretação, como a proposta feita no sentido de que o foro compreenderia apenas eventuais ilícitos praticados no exercício da função, e não abrangeria os ilícitos praticados anteriormente. Eu, na corte, de um modo geral, tenho me inclinado por uma posição de maior contenção do tribunal, mas nós vamos examinar a proposta e, no momento certo, iremos debater — declarou o ministro.

Na quinta-feira, Barroso defendeu uma interpretação mais restritiva da regra do foro privilegiado. Atualmente, o foro especial é estendido para qualquer crime atribuído a autoridades, independentemente de quando foi cometido.

Em despacho, Barroso lembrou que tramitam atualmente no STF cerca de 500 processos contra parlamentares, de acordo com as estatísticas da Corte. Para o ministro, a regra resulta em impunidade porque, quando uma autoridade deixa o cargo, o processo muda de instância, dificultando a conclusão das investigações. Para o ministro, a regra do foro se tornou uma “perversão da Justiça”.

Em entrevista ao “Jornal Nacional”, da TV Globo, o ministro Gilmar Mendes, também do STF, disse que o foro privilegiado não é necessariamente uma vantagem para os políticos. Ele citou o caso do mensalão, que resultou em punições no STF, enquanto alguns processos que correm na primeira instância não foram julgados ainda.

— Não vejo como correta a afirmação de que se deve passar tudo para o primeiro grau. Até porque, para o contrário do que se diz e se alardeia, a primeira instância, no que diz respeito à justiça criminal, é bastante inefetiva. A rigor, nós temos problemas sérios: só 8% dos crimes, homicídios, verificados no Brasil são desvendados. Isso é uma responsabilidade da primeira instância.

Para Gilmar, apenas o Congresso Nacional pode mudar a regra do foro:

— Essa é uma discussão que se pode ter, mas entendo que, substancialmente, deve ser o Congresso a discutir essa questão.

O globo, n. 30511, 18/02/2017. País, p. 6