Título: Última cartada para salvar o euro
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Fonte: Correio Braziliense, 10/12/2011, Economia, p. 14

Mesmo sem o apoio da Grã-Bretanha, os demais 26 países da União Europeia chegam a um acordo que impõe maior rigor fiscal à região e tenta evitar a quebradeira de várias economias em dificuldade

Bruxelas — Depois de uma longa reunião de mais de 10 horas, que começou na quinta-feira e terminou na madrugada de ontem, os dirigentes europeus finalmente chegaram a um acordo para impor a disciplina fiscal aos países da Zona do Euro no encontro apelidado de "tudo ou nada". A tentativa foi colocar um basta ao risco de quebradeira das economias do bloco que adotaram, desde janeiro de 2002, o euro como moeda comum. Para evitar o pior e tirar os países do atoleiro econômico em que se encontram, uma série de medidas foi anunciada, entre elas a intolerância aos deficts públicos acima de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas não houve unanimidade. A Grã-Bretanha, mais uma vez, se opôs.

O país comandado pelo primeiro-ministro David Cameron manteve sua postura isolacionista — o Reino Unido não integra a Zona do Euro — e rejeitou o plano encabeçado por França e Alemanha. Integrante da ala mais eurocética de seu partido, Cameron rompeu abruptamente um período de trégua com a União Europeia ao bloquear o projeto, alegando falta de garantias para seu país. Segundo maior mercado financeiro mundial, Londres nutre fortes receios sobre a imposição de regras internacionais de controle sobre o mercado.

O chefe do governo italiano, Mario Monti, lamentou a decisão da Grã-Bretanha de bloquear o projeto de reformar a União Europeia por meio de mudanças no Tratado que criou o euro e disse que o país ficará cada vez mais isolado com tal postura. "Cameron exigiu medidas inaceitáveis, inclusive para mim", disse Monti. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, fez coro. "Preferiríamos um acordo dos 27. Contudo, isso não foi possível devido aos nossos amigos britânicos", ironizou. Fora "um deles", todos os países participarão do pacto por uma nova união fiscal europeia, disse o chefe da UE, Herman Van Rompuy.

Punição Além da disciplina fiscal, que prevê um deficit estrutural no orçamento de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países do bloco, haverá uma sanção automática pela Comissão Europeia quando algum país descumprir a meta e permitir que o teto se exceda os 3% do PIB ou 60% da dívida pública. Essa situação só não se confirmará se uma maioria qualificada de Estados membros da Zona do Euro — puxada por Alemanha, França, Itália e Espanha — se opuser à punição. Bruxelas definirá um calendário para chegar a esse objetivo. O Tribunal Europeu de Justiça também poderá ainda verificar se a norma fiscal se ajusta aos princípios da Comissão Europeia.

Foi aprovado ainda um reforço de 200 bilhões de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI) a ser confirmado em 10 dias (leia mais ao lado). O objetivo é garantir que a instituição de Washington tenha recursos suficientes para fazer frente à crise. Os líderes europeus decidiram ainda adiantar em um ano, para julho de 2012, a implantação do Mecanismo de Estabilidade Financeira (MEF), iniciativa que elevará a capacidade de empréstimo do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) a 500 bilhões de euros. Uma das medidas que mais agradaram ao mercado, contudo, foi a determinação de que nenhum país europeu recorrerá à ajuda do setor privado, a exemplo da Grécia, para compartilhar prejuízos estatais.

Os Estados Unidos comemoraram os progressos obtidos pelos europeus para enfrentar a crise da dívida na região. "Houve um progresso razoável e isto é uma boa coisa", afirmou o porta-voz da Casa Branca Jay Carney. "No final das contas, é um problema europeu que precisa de uma solução europeia", completou.

A princípio relutantes, outros nove países da União Europeia não integrantes da Zona do Euro — Bulgária, República Tcheca, Dinamarca, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Romênia e Suécia — deverão assinar os acordos de adesão ao bloco. O ingresso, contudo, ainda dependerá da consulta aos parlamentos de cada país. Todos os novos e atuais membros da UE vão assinar o pacto de rigor fiscal e governança reforçada, a fim de estimular a disciplina orçamentária.

Croácia adere ao bloco A Croácia também deverá fazer parte da União Europeia, aumentando para 28 o número de integrantes do bloco. O país assinou ontem, em Bruxelas, o tratado de adesão à UE. O presidente croata, Ivo Josipovic, e a chefe de governo do país, Jadranka Kosor, encerraram o longo processo de negociações, de 11 anos, com o acordo de inclusão da antiga república iugoslava ao bloco em plena crise da dívida na Zona do Euro, que demonstra fortes divisões internas e coloca em risco a sobrevivência da moeda comum. "É a chave de ouro para nosso reconhecimento internacional", declarou a primeira-ministra. Os croatas terão ainda que ratificar a adesão em um referendo, que deve ocorrer antes de uma votação em cada um dos Parlamentos dos 27 membros da UE. O ingresso definitivo deverá ocorrer só em 1º de julho de 2013.

Promessa de austeridade Veja as principais medidas adotadas pelos líderes da UE

» Os países vão emprestar 200 bilhões de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a ser confirmado em 10 dias. O objetivo é garantir que a instituição tenha recursos suficientes para enfrentar a crise;

» Os integrantes do bloco econômico decidiram antecipar em um ano, para julho de 2012, a implantação do Mecanismo de Estabilidade Financeira (MEF), em paralelo à manutenção do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef), até meados de 2013, somando uma capacidade de empréstimo a economias em crise de 500 bilhões de euros;

» O setor privado não será novamente chamado a dividir os custos da crise em caso de um calote de dívida, como aconteceu com a Grécia — considerada uma situação excepcional;

» Os governos firmaram um pacto fiscal e de governança que prevê um déficit "estrutural anual" de, no máximo, 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para cada país. Será fixado um calendário para que esse objetivo seja atingido;

» Os Estados em que o deficit fiscal exceder o teto de 3% do PIB, ou de 60%, no caso da dívida, sofrerão sanções automáticas da Comissão Europeia, a não ser que "uma maioria qualificada" de Estados membros da Zona do Euro se oponha;

» A Comissão Europeia poderá pedir a revisão dos orçamentos nacionais caso eles não se ajustem às regras do pacto fiscal;

» O acordo foi aprovado por 26 dos 27 países da União Europeia. Apenas a Grã-Bretanha ficará de fora. O Tribunal Europeu de Justiça poderá verificar se essas normas se ajustem aos princípios da Comissão Europeia.