Valor econômico, v. 17, n. 4191, 08/02/2017. Brasil, p. A2

Brasil vai acionar OMC contra subsídios canadenses para jatos da Bombardier

Por: Assis Moreira

 

O Brasil prepara-se para apresentar esta semana queixa contra o Canadá na Organização Mundial do Comércio (OMC) por concessão de subsídios ao fabricante aeronáutico Bombardier, numa disputa que poderá ter forte impacto nas condições de concorrência futura no mercado de jatos regionais.

A Camara de Comércio Exterior (Camex) tinha autorizado em dezembro o Itamaraty a acionar a OMC, a pedido da Embraer, preocupada com os bilhões de dólares de ajuda pública recebidos pelo concorrente.

Conforme fontes de Brasília, somente em 2016 o governo canadense forneceu US$ 2,5 bilhões de subsídios para a Bombardier. Com esse fôlego financeiro, a companhia ofereceu grandes descontos e ganhou encomendas importantes em disputa com a Embraer.

Analistas estimam que a Bombardier, para assegurar a produção sustentável de seu novo modelo de jato regional, precisará continuar recebendo ajuda governamental. O governo do Canadá passou a fazer injeção direta de capital na Bombardier. Ou seja, a disputa da Embraer passou a ser também com o Tesouro canadense, alterando as condições de concorrência.

Depois de o Brasil formalizar a queixa no mecanismo de disputa da OMC, os dois lados vão ter 60 dias ainda na busca de solução mutuamente satisfatória. Passado esse prazo, o Brasil poderá então pedir a formação de um painel (comitê de especialistas) para decidir se Bombardier recebe subsídios ilegais ou não.

A atual disputa entre a americana Boeing e a europeia Airbus poderá ter efeito na nova briga do Brasil e Canadá. No ano passado, juízes da OMC foram enfáticos sobre dois tipos de programas que têm semelhança com alguns que os brasileiros acreditam beneficiar a Bombardier na concorrência contra a Embraer no mercado de jatos regionais.

O primeiro é o "launch aid", a generosa ajuda governamental para desenvolvimento do aparelho. O segundo é a injeção direta de capital. Os dois foram de novo condenados numa decisão da OMC contra a Airbus. A preocupação da Embraer não é só com a Bombardier, mas também com subvenções que vêm alimentando projetos de jatos de novos produtores no Japão, China e Rússia.

A japonesa Mitsubishi Aircraft anunciou recentemente o quinto atraso no lançamento do seu primeiro jato regional. Agora a expectativa é de entrega do primeiro aparelho em meados de 2020, em vez de 2018. Por sua vez, o ARJ21-700, o primeiro jato regional da China, fez voo inicial em junho do ano passado.

_______________________________________________________________________________________________________

SEM ACORDOS, TEMER E MACRI FALAM EM FORTALECER RELAÇÕES

Macri e Temer, durante solenidade no Planalto: planos de estreitar laços entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico

Por: Por Daniel Rittner, Andréa Jubé e Lucas Marchesini

 

Na falta de avanços concretos em temas como comércio e investimentos, Brasil e Argentina capricharam na retórica e usaram a convergência ideológica de seus presidentes como trunfo no desgastado discurso de "fortalecimento" das relações bilaterais e do Mercosul. Os brasileiros fizeram de tudo para deixar Mauricio Macri, primeiro líder estrangeiro a fazer uma visita de Estado ao país depois do impeachment da petista Dilma Rousseff, absolutamente à vontade.

Ao argentino, torcedor fanático do Boca Juniors, foi servido um almoço no Palácio do Itamaraty em que as mesas eram batizadas com nomes de times de futebol dos dois países. Para gosto do chanceler José Serra, ele declarou simpatia pelo Palmeiras, no Brasil. Questões espinhosas, como o regime de autopeças na Argentina e as licenças não automáticas de importação aplicadas do lado de lá fronteira, ficaram de fora do cardápio.

Sem anúncios relevantes, Macri e Temer mencionaram planos de estreitar laços entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico. Uma reunião de chanceleres dos dois blocos pode ocorrer em abril.

"Coincidimos na proposta de nos integrarmos com a Aliança do Pacífico", disse Temer. O grupo é formado por México, Chile, Colômbia e Peru. Segundo um diplomata experiente, a tentativa de aproximação não tem resultados econômicos imediatos, já que o Brasil possui tratados de livre comércio com os países sul-americanos e tenta ampliar um acordo em vigência com o México. O simbolismo é muito mais político, conforme esse diplomata, na medida em que a Aliança do Pacífico foi apresentada em seu lançamento como uma espécie de contraponto ao Mercosul - com fama de protecionista.

Macri também citou a possibilidade de estreitamento com o México, que deve olhar mais para o Sul diante das mudanças na conjuntura internacional, segundo ele. "Há vários países interessados em ampliar a cooperação conosco", disse o presidente argentino. Ele relatou ter conversado anteontem com o colega mexicano, Enrique Pena Ñieto, que manifestou interesse em ampliar o diálogo com o Mercosul.

Sem dar detalhes, Brasil e Argentina expressaram o desejo de trabalhar em uma harmonização regulatória como forma de atacar barreiras que existem no comércio bilateral. Temer falou na possibilidade de criação de uma agência binacional para estabelecer padrões comuns de normas técnicas, sanitárias e fitossanitárias. Os dois países enviarão carta conjunta ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pedindo assistência técnica na padronização dessas barreiras.

Também foram assinados acordos para facilitar a prestação de serviços de emergência em cidades fronteiriças, cooperação entre as agências de fomento as exportações e também entre os corpos diplomáticos dos dois países. "Não há questões que não possam ser tratadas e solucionadas", avaliou Temer. Macri reforçou o discurso de fortalecimento das relações: "Não há tabus."

A mensagem foi de alinhamento político. Trata-se do terceiro encontro dos dois presidentes em seis meses e da primeira visita de Estado - a mais importante no protocolo diplomático, com passagens pelo Congresso e Supremo Tribunal Federal - de um argentino ao Brasil em três anos.

_______________________________________________________________________________________________________

Nova entidade vai reunir empresários dos dois países

Por: Daniel Rittner

 

O presidente Mauricio Macri mal havia terminado o almoço em sua homenagem no Palácio do Itamaraty - bacalhau com crosta de broa, linguiça e azeitonas como principal e batatas ao murro de acompanhamento - quando avistou um conhecido dos seus tempos de prefeito de Buenos Aires. "Ei, Ricardo, não vai faltar cimento na Argentina, vai?", questionou.

O alvo da brincadeira era Ricardo Lima, presidente da Intercement, que chefiou durante anos a Loma Negra na década passada. Controlada pela brasileira Camargo Corrêa, a empresa é líder no mercado local de cimento e uma das marcas mais fortes do país vizinho. Lima, que deixou o comando da Loma Negra em 2010, circula com desenvoltura nos meios políticos e empresariais da Argentina.

Essa experiência o tornou a escolha ideal do setor privado para presidir a seção brasileira do recém-criado Conselho Empresarial Brasil-Argentina, o Sembrar, que inicia sua atividades neste semestre. A ideia é ocupar o vazio deixado pelo Grupo Brasil, que reunia companhias brasileiras com negócios no sócio do Mercosul e perdeu sua relevância nos últimos anos.

Agora, tal como o Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (Cebeu), o Sembrar juntará a iniciativa privada dos dois lados para aproximar posições em temas como comércio e investimentos. Lima já tem viagem prevista nas próximas semanas para definir com o presidente da União Industrial Argentina (UIA), Adrián Kauffmann, as prioridades do novo conselho.

A expectativa é fazer uma primeira reunião plenária em meados do ano, com empresários de ambos os países, em Buenos Aires. Não apenas companhias, mas federações estaduais e associações empresariais, devem fazer parte do Sembrar. O agronegócio também vai ter representantes.

"As coisas mudaram de maneira positiva de um ano e meio para cá", diz a gerente de política comercial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Constanza Negri. Sinal disso é o estancamento na queda de participação de produtos brasileiros no total das importações argentinas. O Brasil vinha perdendo espaço no mercado de manufaturados para a China. De 2014 para 2016, a participação subiu de 22% para 25%, segundo a consultoria Abeceb.

Em pesquisa com multinacionais, a CNI detectou nove medidas desejadas pelo setor privado para aumentar os negócios na Argentina. A celebração de um acordo de investimentos, a ampliação do acordo para evitar a bitributação e a restituição ágil de créditos fiscais do IVA no país vizinho são os pontos mais mencionados.