Suplicy e um outro Moro

Cleide Carvalho 

18/02/2017

 

 

Vereador troca nome do juiz pelo de ex-premier italiano

O fato de o juiz Sérgio Moro estar em evidência no país há três anos e ter seu rosto estampado até em máscaras de carnaval não foi suficiente para evitar que o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) cometesse um ato falho, ontem, ao depor como testemunha de defesa do ex-ministro Antonio Palocci. Um, não. Três. Ao falar com o magistrado por videoconferência, Suplicy trocou o nome de Moro por três vezes. E Sérgio virou Aldo Moro, ex-primeiroministro italiano, assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, grupo terrorista de esquerda.

Logo na primeira pergunta, sobre como conheceu Palocci, Suplicy imprimiu seu ritmo à audiência. Aproveitou a resposta para discorrer sobre o tema que lhe é mais caro em sua vida política, o programa de renda mínima. De quebra, mesmo à distância, presenteou Moro com dois de seus livros — “Renda básica de cidadania” e “Um notável aprendizado”.

Há anos o ex-senador presenteia todos os seus interlocutores, famosos ou não, com seu livro sobre o programa, e com o juiz Moro não foi diferente.

— (...) Se me permite juiz, doutor Aldo Moro, como senador eu tive um momento muito especial... Se me permite vou deixar aqui o meu livro “Renda de cidadania: a saída é pela porta” e o outro, “Um notável aprendizado”. Desde os tempos do boxe, que pratiquei na adolescência até o Senado, a busca da verdade e da justiça, então o senhor pode ter certeza que estou aqui buscando a verdade, colaborando com o senhor (....) — afirmou.

O que parecia um único ato falho se repetiu logo depois, quando Suplicy voltou a chamar Moro de Aldo Moro ao fazer um quase discurso a favor da necessidade da renda mínima para todos os brasileiros e contar como a implantação gradual, que deu origem ao Bolsa Família, foi negociada apenas na base do diálogo com o PFL. E voltou a falar dos livros:

— Eu gostaria muito de lhe dar esses livros, vou deixar aqui...

O juiz interrompeu as perguntas da defesa de Palocci, rapidamente, para agradecer: — Agradeço a gentileza senhor Suplic y, dos livros, todos conhecem a história notória e seu envolvimento neste projeto de renda mínima. Até já tenho um destes livros, mas aceito de bom grado mais um exemplar.

Suplicy disse que nunca soube ou ouviu falar de irregularidades cometidas por Palocci, mas ressaltou que só poderia dizer pelos diálogos que manteve com ele, já que não participou de conversas que porventura podem ter existido entre o ex-ministro e executivos da Odebrecht.

Ao fim do depoimento, Suplicy disse que irá a Curitiba no próximo dia 24 e perguntou a Moro se podia visitar o ex- ministro José Dirceu e Palocci na prisão e se poderia aproveitar para entregar os livros pessoalmente. E errou de novo:

— Posso até perguntar se tudo bem (a visita) ao juiz Aldo Moro, porque conheço muito bem o José Dirceu, quem sabe faço ali uma visita se der tempo, antes da minha palestra (...)

Moro não corrigiu Suplicy nenhuma das vezes.

O globo, n. 30511, 18/02/2017. País, p. 8