Justiça derruba censura contra reportagem do GLOBO

18/02/2017

 

 

Jornal pode publicar informações sobre chantagem de hacker a Marcela Temer

O desembargador Arnoldo Assis, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, derrubou ontem a decisão liminar que impedia O GLOBO de publicar informações sobre a chantagem sofrida pela primeira-dama, Marcela Temer, depois que um hacker roubou dados do telefone celular dela.

O magistrado afirmou que a liminar que impedia a publicação da reportagem privava a coletividade de “participar do debate democrático”.

“Enquanto estiver produzindo efeito, não só o direito da parte recorrente está a correr grave dano, na medida em que se lhe restringe o amplo direito à manifestação, como, mais que isso, é a própria coletividade que se vê privada do direito de participar do debate democrático decorrente do pluralismo de opiniões acerca de fato relevante”, escreveu o desembargador.

Assis já havia determinado a suspensão da liminar em relação ao jornal “Folha de S.Paulo”. Na decisão, o magistrado disse que os jornais apresentam “linha editorial pautada pela seriedade e responsabilidade, comprometida com a veracidade das informações publicadas”.

O desembargador afirmou também que não é possível um órgão estatal determinar o que deve ou não ser publicado na imprensa:

“Não há, pois, como consentir com a possibilidade de algum órgão estatal — o Poder Judiciário, por exemplo — estabelecer, aprioristicamente, o que deva e o que não deva ser publicado na imprensa”, escreveu Assis na decisão.

A liminar que censurou as reportagens foi concedida pelo juiz Hilmar Castelo Branco Raposo no dia 10. A ação foi movida pelo subsecretário de assuntos jurídicos da Presidência da República, Gustavo do Vale Rocha, logo após o Planalto ter sido procurado pelo GLOBO e também pela “Folha de S. Paulo”, que solicitavam um resposta da Presidência sobre a reportagem. O Planalto enviou resposta ao jornal, e a manifestação havia sido citada na reportagem publicada.

A troca de mensagens faz parte do processo judicial contra o hacker Silvonei de Jesus Souza, que tramita na Justiça de São Paulo, ao qual o jornal teve acesso. Silvonei foi condenado a 5 anos e 10 meses de prisão em outubro do ano passado por tentar chantagear Marcela Temer utilizando conteúdo roubado do celular e de contas de e-mail da primeira-dama.

No dia 13, o presidente Michel Temer disse que não havia censura na ação do Palácio do Planalto contra os jornais.

— Não houve isso, você sabe que não houve — respondeu Temer irritado ao ser questionado sobre o assunto, após fazer um pronunciamento à imprensa sobre greves e Lava-Jato.

Entidades que representam jornalistas e empresas de comunicação criticaram a decisão do juiz Hilmar Castelo Branco Raposo. Em nota conjunta, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ( ABERT), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) afirmaram que consideraram a decisão “censura prévia”.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse, também em nota, ser contra qualquer tipo de censura e reivindicou a anulação “da absurda” decisão. “Impedir repórteres de publicar reportagens é prejudicial não apenas ao direito à informação, como também ao papel do jornalista de fiscalizar o poder público”.

O globo, n. 30511, 18/02/2017. País, p. 8