Governo STF

Míriam Leitão 

18/02/2017

 

 
Indenização não é solução e ainda cria novos problemas.

Um dos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal é não criar despesa sem dizer de onde virá a receita. O STF está livre desse limite e por isso criou, esta semana, uma despesa, que nem sabe o tamanho, quando mandou indenizar presos em condições degradantes. Confirmou um defeito do Brasil: em vez de determinar o fim da causa, quer dar um cala-boca na consequência.

Épreciso não haver presos nestas condições desumanas. Isso é uma urgência do Brasil. Uma de várias. O GLOBO de ontem trouxe abaixo dessa manchete a informação de que o país tem 2,6 milhões de crianças e adolescentes fora da escola. O número de jovens fora do sistema educacional aumentou no ano passado pela primeira vez. Outra urgência do Brasil, a maior de todas.

Ninguém pode ficar tranquilo sabendo das terríveis histórias que se passam nas prisões, mas a questão é: a indenização de R$ 2.000 por preso resolve o problema ou apenas reduz o sentimento de culpa que sentimos todos? Bem fez o ministro Barroso ao dizer que: “os estados não têm esse recurso. E, se tivessem, seria para investir na melhoria do sistema.”

A decisão do Supremo lembra o caminho escolhido pelo Brasil de indenizar presos políticos — com valores bem mais vultosos — por prisões ilegais e torturas. Desta forma, o país jogou para debaixo do tapete a tortura em si e nunca puniu os responsáveis. As Forças Armadas sequer foram constrangidas a colaborar com as informações sobre quem matou e torturou em suas dependências.

Como disse o ministro Barroso, o valor é nova afronta aos presos. É o que vale a dignidade deles? O ministro Celso de Mello disse que o Estado tem agido com absoluta indiferença. “Esse comportamento por parte do Estado é desprezível, é inaceitável”. Quem tiraria razão ao decano? O país precisa ter prisões que deem aos presos condições mais humanas. O STF tem insistido sobre esse ponto que é fundamental. Melhorar as prisões atacaria pela raiz uma das razões que levaram ao espetáculo dantesco deste começo de ano com as decapitações em massa. Mas indenizar, e com valor irrisório, o preso que conseguir ir à Justiça não resolve nem de longe o problema.

O Brasil está, cada dia mais, diante do governo STF. Há funções que são do Executivo que, em decisões recentes, o Supremo tem perigosamente invadido. Ao decidir que os estados, que recorreram, poderiam pagar juros simples na sua dívida, em vez de compostos, deu um passo no vazio. Se isso se confirmasse haveria uma desordem sem tamanho em todo o sistema de dívidas do país. Aquela confusão foi evitada por pouco quando o STF concedeu um prazo para que estados e União entrassem em acordo. Não foi perfeita a solução negociada, mas pelo menos se evitou uma ordem suprema que teria consequências imprevisíveis na economia.

Cada questão isoladamente traz sua razão interna. Todas juntas podem não caber no Orçamento. Governar é fazer escolhas. Em um país em crise fiscal é estar diante de escolhas dolorosas. É justo que o preso fique nestas condições na prisão? Não. Mas a melhor saída é dar uma indenização? Ou propor que os estados se apressem em ter prisões que mantenham a dignidade do preso? Existem exemplos no país que podem ser copiados e existe a necessidade urgente de se superar a indiferença em relação às prisões superlotadas e degradantes em que os infratores e criminosos são tratados como nem animais deveriam ser.

Os ministros julgam cada causa separadamente, mas se não tiverem em mente o contexto geral, podem estar expedindo decisões impossíveis de serem cumpridas. Não basta dar uma ordem e achar que o problema foi resolvido numa sessão do plenário. Os presos permanecem em condições desumanas, mas agora com o direito de pedir, através do advogado, uma pequena indenização, que não cobre o agravo de que foi vítima.

O Supremo tem sido chamado para decidir sobre coisas demais no país. Tem um volume de trabalho descomunal porque é cada vez mais corte criminal, ao lado do seu papel de corte constitucional.

O globo, n. 30511, 18/02/2017. Economia, p. 20