Uma legião de 'novos pobres'
Renata Mariz
13/02/2017
 
 
Banco Mundial: pelo menos 2,5 milhões de brasileiros passarão a viver na pobreza até o fim do ano

-BRASÍLIA- Estudo inédito do Banco Mundial, ao qual o GLOBO teve acesso, aponta que o número de pessoas vivendo na pobreza no Brasil aumentará entre 2,5 milhões e 3,6 milhões até o fim deste ano. Denominados de “novos pobres” pela instituição internacional, porque estavam acima da linha da pobreza em 2015 e já caíram ou cairão abaixo dela neste ano, eles são na maioria adultos jovens, de áreas urbanas, com escolaridade média e que foram expulsos do mercado de trabalho formal pelo desemprego.

Se quiser estancar o crescimento da pobreza extrema aos níveis de 2015, base mais atual de dados oficiais sobre renda, o governo terá que aumentar o orçamento do Bolsa Família este ano para R$ 30,4 bilhões no cenário econômico mais otimista e para R$ 31 bilhões no quadro mais pessimista, aponta relatório do Banco Mundial. Para 2017, o programa de transferência de renda tem R$ 29,8 bilhões garantidos.

Como o benefício do Bolsa Família varia conforme a composição familiar, número e idade dos dependentes, presença ou não de gestantes, entre outros aspectos, os técnicos da instituição internacional fizeram uma análise complexa para estimar o ajuste necessário no programa. Segundo as projeções, de 810 mil a 1,1 milhão de famílias serão elegíveis para receber o benefício este ano, o que demandará o orçamento adicional calculado.

Por meio de simulações, o relatório projetou a taxa de pobreza extrema no país, calculada em 3,4% em 2015, com e sem o incremento no Bolsa Família. Se o programa não aumentar, aponta o Banco Mundial, a proporção de brasileiros em situação de miséria subirá para 4,2% este ano no cenário otimista e para 4,6% no pessimista. Caso a cobertura seja ampliada, conforme recomendado, a taxa terá um leve crescimento para 3,5% e 3,6%, nos dois quadros econômicos traçados.

A partir dos dados oficiais sobre renda mais recentes, coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, o Banco Mundial estima que 8,7% da população, ou 17,3 milhões de brasileiros, viviam abaixo da linha da pobreza naquele ano, contra 7,4% em 2014.

Foi o primeiro aumento da pobreza após uma década de quedas sucessivas. E as projeções do Banco Mundial apontam que a curva continuou ascendente em 2016 e assim permanecerá neste ano.

PESSIMISMO: 20,9 MILHÕES DE POBRES

Segundo a instituição, o número de pobres deve chegar a 19,8 milhões de pessoas num cenário otimista de crescimento econômico em 2017, dos quais 8,5 milhões estarão na extrema pobreza. Na previsão pessimista, de mais um ciclo de recessão, serão 20,9 milhões de pobres, sendo 9,4 milhões em estado de miséria.

Com uma metodologia sofisticada de microssimulações, a nota técnica sobre o Brasil traçou os dois cenários considerando variáveis macroeconômicas e demográficas. O mais positivo tem variação anual do PIB de -3,4% (2016) e 0,5 (2017), com taxa de desemprego de 11,2% (2016) e 11,8% (2017). No quadro mais pessimista, o PIB é de -3,7% (2016) e -1% (2017), com desemprego de 11,2% (2016) e 13,3% (2017).

Cerca de nove em cada dez pessoas que deverão se tornar pobres este ano residem em área urbana. A idade média dos chefes das famílias é de 37,9 anos, 38,2% estudaram ao menos até o ensino médio e 33,5% são brancos. Os “novos pobres” estarão mais no Sudeste (39,7%) e Nordeste (35,2%). A maioria (58,8%) trabalhava na área de serviços em 2015.

Celiane da Silva Neves, maranhense de 25 anos, começou na labuta cedo. Trabalhou de doméstica, foi secretária de uma construtora e, nos últimos três anos e meio, era operadora de telemarketing. Mas acabou demitida na redução de pessoal feita pela firma em meados de 2016. Após o fim do seguro-desemprego em novembro, Celiane, que tem o ensino médio completo, ficou sem renda. Entrou no time dos “novos pobres”.

Com o único filho, Hiago, de um ano e três meses, a maranhense conta que hoje vive com R$ 100 dado mensalmente pelo avô paterno do menino, que também cedeu temporariamente uma casa num conjunto habitacional popular de Planaltina de Goiás (GO) para ajudá-la. Ela usa o dinheiro para comprar gás e pagar as contas de água e luz. A alimentação é garantida na base da solidariedade. Celiane limpa a casa e cuida das crianças da vizinha, que, por sua vez, divide com ela a cesta básica, carne, frutas e verduras.

Enquanto distribui currículos e participa de algumas entrevistas de emprego, a jovem apelou para o Bolsa Família. Já foi habilitada para ingressar no programa, com a comprovação de necessidade. Agora, aguarda ser contemplada, o que só ocorre quando surge uma “vaga” no município. A maior preocupação de Celiane é com o bem-estar de Hiago, que passou a tomar leite de caixinha, no lugar do produto em pó, depois que a mãe perdeu o emprego. A substituição levou a uma diarreia.

O perfil dos “novos pobres” é bastante diferenciado dos “estruturalmente pobres”, aqueles que já viviam em condição de pobreza em 2015 e continuam nessa situação, no conceito formulado pelo Banco Mundial. Essa parcela da população, aponta a instituição, é menos escolarizada (17,5% com ensino médio ou mais), mais velha (média de 41 anos do chefe de família) e tem presença importante na área rural (36%), o que a difere dos que estão caindo na pobreza de 2016 para cá. Para o Banco Mundial, os “novos pobres” podem ser mais facilmente alcançados por políticas de geração de renda devido ao perfil.

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‘Qualquer política pública tem de ser revista’

Martin Raiser 

13/02/2017

 

 

Para diretor do Banco Mundial, novo pobre é jovem, urbano, educado e pode sair rápido da assistência social

Quais as causas do aumento da pobreza?

Mais ou menos três quartos do aumento da pobreza ou da redução da renda nas categorias mais pobres vêm do mercado de trabalho. São pessoas que perderam renda no mercado ou perderam o emprego. Portanto, não tinham necessidade de se registrar no Bolsa Família. Até chegarem ao programa, se registrarem e receberem o benefício, demora um pouco. Por isso é preciso fazer esse esforço para, de um lado, ampliar os programas de assistência social a fim de cobrir os novos pobres, e, de outro lado, focalizar esses mesmos programas para assegurar uma eficiência máxima.

O pente-fino que excluiu milhões de famílias que não atendiam às regras do Bolsa Família é uma boa medida de focalização?

Programas assistenciais em qualquer país do mundo têm esse problema. Você tem que fazer cruzamentos para ver se pessoas que têm outras fontes de renda e não deveriam estar no programa estão. Particularmente numa situação fiscal difícil. Qualquer política pública tem de ser revista.

O ajuste fiscal que o governo vem fazendo preserva os direitos dos mais pobres?

É importante fazer o ajuste, que vem de uma avaliação de todas as despesas públicas para ver onde há ganhos de eficiência, privilégios, e, nesse sentido, temos feito um diagnóstico mostrando que o país pode fazer ajuste fiscal sem cortar despesas sociais. Não é necessário que o ajuste ocorra em cima das pessoas vulneráveis e pobres do país.

O gasto social não pesa?

Ao contrário, se você pegar a bolsa empresarial, os subsídios dados às grandes empresas brasileiras, as desonerações, os subsídios de juro, isso não vai para pobre, isso vai para a grande empresa. E se você soma tudo isso, chega duas vezes à despesa pública com todos os programas sociais, inclusive o Benefício de Prestação Continuada, Bolsa Família e outros.

O argumento para os subsídios, em geral, é a preservação de empregos.

Mas conhecemos uma avaliação de quantos empregos foram gerados, quantos desses empregos são sustentáveis, se a economia brasileira realmente experimentou um crescimento sustentável a partir dos subsídios? Eu não conheço. Então é preciso uma avaliação para verificar onde cortar.

Como o senhor avalia o perfil dos novos pobres?

O lado positivo é que eles têm educação, são de regiões urbanas, jovens. Então uma política acoplada à inclusão produtiva pode ajudar essas pessoas a rapidamente sair de novo da assistência social.

O globo, n. 30506, 13/02/2017. País, p. 3