Valor econômico, v. 17, n. 4192, 09/02/2017. Opinião, p. A10

A política agrícola e o planejamento público

É preciso dar previsibilidade à ação estatal e sinais claros aos agentes privados

Por: Helder Rebouças

 

A Constituição Federal prevê, no artigo 187, que a "política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes (...)".

Em razão das deficiências do nosso sistema de planejamento e orçamento, o Ministério da Agricultura tem elaborado e divulgado o chamado Plano Agrícola e Pecuário (PAP), como forma de melhor orientar o setor. O último PAP é de julho de 2016, com vigência até julho de 2017, e prevê R$ 185 bilhões de crédito no custeio e comercialização. Nele se prevê, dentre outras ações, o estímulo à captação de recursos por meio dos títulos do agronegócio, a adoção de regras mais claras para a modernização da irrigação, a adequação dos prazos para o financiamento da infraestrutura de armazenagem, a melhoria das condições no crédito à cadeia leiteira, a reclassificação das despesas com aquisições de animais para recria e engorda.

No âmbito do vigente Plano Plurianual (PPA), que contempla o período 2016-20191, as políticas agrícolas constam de programas temáticos tais como "agropecuária sustentável", "defesa agropecuária" e "pesca e aquicultura", com destaque para o primeiro, cuja previsão de recursos é de R$ 892,6 bilhões, dos quais R$ 613 bilhões viriam do crédito bancário. Neste mesmo programa "agropecuária sustentável", identificamos treze objetivos, como a ampliação do crédito rural, aperfeiçoamento da gestão de riscos climáticos, ampliação da capacidade de armazenagem, adoção da agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC), fortalecimento do cooperativismo, promoção da agropecuária irrigada etc.

(...)

Já na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)2, outra peça do planejamento público, é bom registrar que não havia qualquer ação de política agrícola, no anexo de metas e prioridades do projeto de lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, lacuna que, ultimamente, tem sido preenchida pelos parlamentares, por meio de emendas. Esse "descasamento" estratégico entre o Plano Plurianual e a LDO não é compatível com a importância da política agrícola e revela a baixa importância dada, pelo próprio Estado, ao planejamento plurianual.

Além disso, ao se examinar, a política de fomento do Banco do Brasil para o setor, constante da LDO, também encontramos um texto genérico (e retórico), do qual não se pode extrair sinalizações mais claras para a atuação dos agentes econômicos3.

Na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 20174, integrante da engrenagem do planejamento, estão fixadas despesas de R$ 37,1 bilhões na função "Agricultura", que é o maior nível de agregação na classificação do gasto, cabendo ao Ministério da Agricultura aplicar R$ 12,3 bilhões. Lembre-se ainda ao leitor que o atual Plano Agrícola e Pecuário (PAP) prevê gastos de R$ 185 bilhões, até julho de 2017. Exceto para os "orçamenteiros", não é tarefa simples montar esse "quebra-cabeça", cuja assimetria informacional gera custos de transação em desfavor do agronegócio.5

Diante desse quadro, o Senado Federal aprovou, em abril do ano passado, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 54, de 2015, que dispõe sobre o planejamento das ações de política agrícola, conforme determina a Constituição. Em síntese, o projeto altera a Lei nº 8.171/91 (Lei da Política Agrícola), para exigir do Estado um planejamento mínimo de dois anos das políticas de crédito rural, comercialização de produtos agropecuários, seguro rural, redução de riscos agropecuários, zoneamento agrícola, defesa sanitária, cooperativismo, agroindústria, assistência técnica, extensão rural e pesquisa agropecuária.

Ainda nos termos do projeto de lei, tal planejamento mínimo para dois anos deverá ser "aprovado e divulgado", restando esclarecer no texto, por questões políticas e procedimentais, se tal aprovação se refere à instância legislativa. Relevante é observar que a matéria avança agora na Câmara dos Deputados, onde já foi inclusive aprovada na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.

Aperfeiçoar o planejamento da política agrícola, como quer o projeto de lei mencionado, pode melhorar a previsibilidade da ação estatal, ofertando sinais mais claros para setor que teve o crescimento acumulado do PIB de 4%, de janeiro a setembro/20166 e que emprega quase 20 milhões de pessoas7. De outro lado, a iniciativa confirma a falência do atual sistema público de planejamento e orçamento, que consome dinheiro, tempo e energia do Executivo e Legislativo, na elaboração e aprovação do PPA, LDO e LOA, normas que pouco indicam aos agentes privados, contrariando abertamente o artigo 174 da Constituição Federal8.

1- Lei nº 13.249, de 2016.

2- Está vigente a Lei nº 13.408, de 2016.

3 - De fato, a LDO vem repetindo, nos últimos anos, o seguinte bordão, quanto à ação estratégica do BB: "aumento da oferta de alimentos para o mercado interno, especialmente de alimentos integrantes da cesta básica e por meio de incentivos a programas de agricultura familiar, a ações de implementação de políticas agroambientais e da oferta de produtos agrícolas para exportação e intensificação das trocas internacionais do Brasil com seus parceiros, incentivando a competitividade de empresas brasileiras no exterior"

4 - Lei nº 13.414, de 2017

5 - A divergência na LOA decorre do fato de o Ministério da Agricultura não ser a única Pasta a executar programas da função "Agricultura". Já no caso do PAP, são contabilizados recursos do crédito rural que não são fixados na LOA.

6-Ver http://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx

7- Ver http://www.cepea.esalq.usp.br/br/imprensa.aspx

8 - Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

 

Helder Rebouças é consultor do Senado e doutor em direito pela Universidade de Brasília.