Câmara remete texto anticorrupção para o Supremo
Daiene Cardoso / Isadora Peron / Erich Decat
17/02/2017

 

 

Rodrigo Maia barra tramitação até que o STF se manifeste; pacote voltou ontem do Senado, por determinação do ministro Luiz Fux

 

 

 

Em mais um embate entre o Legislativo e o Judiciário, a Câmara vai segurar a tramitação do pacote anticorrupção até que o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste sobre como deve ser o andamento do projeto aprovado em novembro passado pelos deputados.

Ontem, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse não saber o que fazer com o projeto devolvido pelo Senado.

O STF não tem data marcada para julgar a liminar concedida pelo ministro Luiz Fux determinando que a tramitação da proposta volte à estaca zero.

A proposta 10 medidas de combate à corrupção – projeto de iniciativa popular encampado pelo Ministério Público Federal (MPF) – está paralisada no Congresso desde o dia 14 de dezembro de 2016, quando Fux determinou em liminar que o projeto voltasse à Câmara. Apesar da decisão, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não havia enviado o projeto para nova discussão dos deputados até deixar o comando da Casa, em 1.º de fevereiro.

Ontem, o seu sucessor, Eunício Oliveira (PMDB-CE), devolveu o pacote à Câmara.

Apesar de evitar críticas diretas ao ministro e de ressaltar que respeitará a decisão judicial, Maia disse que a liminar não poderia ter avançado em prerrogativa do Parlamento e que agora a Câmara fica sem saber de onde retomar as discussões.

Maia afirmou que a solução agora será esperar que o pleno da Corte decida.

“O problema é que ficou muito confuso agora. Como eu faço? Eu devolvo para os autores?”, questionou.

Na decisão, o ministro argumentou que os projetos de lei de iniciativa popular devem ser debatidos na “sua essência”, “interditando-se emendas e substitutivos que desfigurem a proposta original para simular apoio público a um texto essencialmente distinto do subscrito por milhões de eleitores”.

Das dez medidas propostas, seis foram retiradas. Fux também viu “preocupante atuação parlamentar” na inclusão de uma emenda que prevê crime de abuso de autoridade para magistrados e membros do Ministério Público.

A polêmica em torno da proposta se estende desde a conclusão da votação do texto na Câmara, na madrugada de 30 de novembro. Na ocasião, os deputados fizeram várias mudanças, vistas como retaliação por membros da força-tarefa da Operação Lava Jato. Os deputados também incluíram no projeto a possibilidade de punir policiais, magistrados e integrantes do MP de todas as instâncias que violarem o direito ou prerrogativas de advogados.

 

Tramitação. Maia afirmou que, em princípio, poderia devolver as assinaturas da proposta aos autores, uma vez que o rito está sendo questionado. Ele ponderou que a decisão de Fux gera incertezas sobre a tramitação de projetos desta natureza e que a Câmara não tem condições de validar as assinaturas populares, como hoje é executado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na criação de partidos.

O deputado lembrou que outros projetos, como a Lei da Ficha Limpa, tiveram tramitação parecida com o pacote anticorrupção.

“Vão cair todas as leis aprovadas de iniciativa popular?”, questionou.

O presidente da Câmara ressaltou que projetos de iniciativa popular não têm tramitação especial e que não há impeditivos para a apresentação de emendas de parlamentares.

 

Apoio. A posição de Maia de esperar o pleno do STF tem o apoio de líderes governistas e da oposição. “Essa é a grande decisão que tem de ser tomada agora. Qual o caminho? É uma decisão nova, a primeira vez que a Câmara enfrenta essa situação.

Você devolve para o Ministério Público para convalidar as assinaturas? Volta para a comissão especial ou já se inicia um debate em plenário?”, disse o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).

Até o relator do pacote na Câmara, Onyx Lorenzoni (DEMRS), concluiu que o ideal é esperar, uma vez que Fux não especificou como a Casa deve retomar a discussão. “Quanto tempo vai levar isso? Um ano, seis meses? O que a sociedade vai dizer dessa demora?”, ponderou.

Ele sugeriu que o Congresso mude a tramitação dos projetos de iniciativa popular.

O líder do PT na Casa, Carlos Zarattini (SP), também defendeu ser “mais prudente” esperar uma decisão do conjunto dos ministros do STF antes de voltar a debater o projeto. Ele, no entanto, fez críticas à decisão de Fux. “Ele interferiu no processo legislativo”, disse.

O deputado do DEM Pauderney Avelino (AM) também questionou qual medida seria possível tomar diante da decisão de Fux, que condenou, entre outras aspectos, o fato de que a autoria do projeto, de iniciativa popular, foi encampada por deputados, o que desrespeitaria as regras de tramitação de uma proposta dessa natureza.

Ele argumenta que a Câmara não tem como checar a validade das assinaturas de mais de 2 milhões de pessoas que apoiaram o projeto e que isso deveria ser feito por um órgão como o TSE.

 

Andamento. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, diz que não tem como validar assinaturas

 

‘Confuso’

“O problema é que ficou muito confuso agora. Como eu faço? Eu devolvo (o projeto do pacote anticorrupção) para os autores?”

Rodrigo Maia

PRESIDENTE DA CÂMARA

 

PARA LEMBRAR

Embate entre os poderes

Em dezembro do ano passado, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a devolução do projeto com medidas de combate à corrupção à Câmara, para uma análise a partir da “estaca zero”. A proposta estava no Senado. Segundo o ministro do Supremo, da maneira como foi aprovada na Câmara, a proposta acabou sendo desfigurada pelos deputados. Na ocasião, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou como “estranha” a decisão de Fux. “Infelizmente, me parece uma intromissão indevida do Poder Judiciário na Câmara dos Deputados”, afirmou. O então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB- AL), considerou uma “invasão” a determinação de Fux. O ministro rebateu as críticas e disse que não interferiu no trabalho do Legislativo ao suspender tramitação do projeto. Segundo ele, toda vez que não se obedece à correta tramitação de um projeto no Congresso, qualquer parlamentar tem o direito de recorrer ao STF, como aconteceu.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45048, 17/02/2017. Política, p. A6.