Valor econômico, v. 17, n. 4196, 15/02/2017. Política, p. A5

Celso de Mello mantém Moreira Franco ministro

Para ministro do STF, a nomeação não lhe confere imunidade

Por: Luísa Martins

 

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, decidiu ontem manter Moreira Franco ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Depois de avaliar as justificativas do presidente Michel Temer, o relator indeferiu os pedidos de liminares apresentados por Psol e Rede contra a nomeação.

As legendas alegavam que, ao "promover" o aliado a ministro, o presidente quis blindá-lo das investigações da Operação Lava-Jato, conferindo-lhe foro privilegiado. O decano, porém, sustentou que "a mera outorga" da condição de ministro "não estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado agente auxiliar do Presidente da República, pois (...) não receberá qualquer espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem dela seja titular".

A decisão vem em meio a um vaivém de liminares propostas por instâncias inferiores para afastá-lo do cargo. Com a deliberação de Celso de Mello, o STF unifica o veredito em todo o país, pois decisões do Supremo têm força vinculante em relação aos juízos de primeira instância. O mais recente deles havia sido do Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF-2), que manteve a nomeação, mas tirou de Moreira Franco a prerrogativa de foro. O decano, no entanto, assinalou que o foro "é consequência natural e necessária decorrente da investidura no cargo de ministro".

Celso de Mello preferiu ouvir Temer antes de se decidir. No documento elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e enviado ao ministro, o presidente afirmou que houve "interesse público" na criação do ministério e defendeu seu aliado, dizendo que ele "possui atributos reconhecidos" para o cargo e que não é alvo de "qualquer investigação".

Na segunda-feira, Temer anunciou que afastará qualquer ministro que se tornar réu na Lava-Jato. Apelidado de Angorá, Moreira Franco é citado na delação do ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, como articulador de negócios do governo com a empreiteira no setor de aeroportos. Homem da confiança do Planalto, ele também foi ministro da Aviação Civil no governo Dilma Rousseff, quando Temer era vice, entre os anos de 2013 e 2014. Sua posse na Secretaria-Geral da Presidência ocorreu três dias após a presidente do STF, Cármen Lúcia, homologar as delações. Ele nega ter praticado qualquer irregularidade.

Celso de Mello justificou que "a nomeação de alguém para o cargo de ministro, desde que preenchidos os requisitos, não configura, por si só, hipótese de desvio de finalidade (que jamais se presume)". Destacou, também, que ser ministro "não representa obstáculo algum" caso Moreira Franco venha a ser formalmente investigado ou réu no STF.

Os autores das ações que pediram a suspensão da nomeação citaram como análogo o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, quando nomeado ministro da Casa Civil no governo Dilma Rousseff, em março, foi afastado do cargo por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, em resposta a uma ação protocolada pelo PSDB e PPS. Mello não comparou os casos na decisão de ontem.

Gilmar declarou que os dois casos têm "nuances" que os diferenciam, como os grampos em que Dilma conversa com Lula avisando que enviaria o termo de posse para o ex-presidente "para usar em caso de necessidade". "(No caso de Lula havia) toda aquela singularidade em torno do assunto", disse o ministro. Ele afirmou, ainda, que "certamente" o caso de Moreira Franco irá a plenário.

O líder do Psol na Câmara, Glauber Braga (RJ), afirmou que o partido considera apresentar novo recurso. "Essa decisão não esgota o questionamento e vamos avaliar o melhor instrumento jurídico para recorrer", afirmou. Já o porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, afirmou que Temer recebeu "com tranquilidade" a decisão. Nos bastidores, havia um clima de apreensão, mas, para se manter otimista, o governo se deteve ao fato de que Moreira Franco já exercia cargo de secretário do Programa de Parcerias de Investimentos, e apenas foi alçado a ministro. (Colaboraram Andrea Jubé, Cristiane Agostine e Fabio Murakawa)

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Decisão alça amigo de Temer a homem-forte do governo

Por: Raymundo Costa

 

A decisão do ministro Celso de Mello é uma vitória para o Palácio do Planalto e pode indicar uma mudança de postura do STF, acusado de se intrometer em demasia em assuntos da competência exclusiva de outros poderes, como a indicação de ministros e o veto a leis aprovadas pelo Congresso. Também é uma vitória pessoal do presidente Michel Temer, que bancou o auxiliar e amigo, e do próprio Moreira, alçado à condição de homem-forte.

No período recente, o STF errou em coisas nas quais não podia errar. Dois exemplos: a liminar de Marco Aurélio Mello que determinou o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado e a decisão de Luiz Fux que impediu a União de executar as garantias no caso do calote da dívida do Rio de Janeiro. Foram decisões que desgastaram a imagem do tribunal.

Antes de considerar normal a nomeação de Moreira Franco para a Secretaria-Geral da Presidência, o ministro Celso de Mello também já havia se recusado a retirar a candidatura do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) a presidente da Câmara, um assunto controverso que dividia os juristas. Agora, pode-se dizer que o ministro manteve a coerência.

É cedo ainda para dizer se o Supremo está se afastando do criticado "ativismo judicial", mas as duas decisões de Mello, o decano da Corte Suprema, apontam nesta direção. Falta ainda a confirmação do plenário do STF, onde parecem conviver visões distintas do foro privilegiado.

Em situação parecida, mas não igual, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar suspendendo a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Casa Civil por entender que houve desvio de função no ato da ex-presidente Dilma Rousseff, que o nomeara para o cargo. Gilmar aceitou a tese de que o foro era uma proteção de Dilma a Lula; Celso de Mello, que o foro não é sinônimo de impunidade.

Politicamente, a decisão de Celso de Mello dá argumento para Lula e o PT denunciarem a parcialidade da Justiça e a existência de um processo persecutório contra o partido.

A decisão de Mello virtualmente assegura a manutenção de ministros citados na Lava-Jato até o fim do governo, a menos que o procurador Rodrigo Janot decida acelerar as investigações sobre os cinco ministros citados na Lava-Jato, inclusive Moreira Franco.

Trata-se de um efeito colateral possível. Temer já declarou que afastará temporariamente ministros denunciados e definitivamente os que virarem réus.