Valor econômico, v. 17, n. 4196, 15/02/2017. Política, p. A7

Executivos negociam delações nos EUA

Diretores e ex-diretores da Odebrecht devem falar sobre fraudes contra o sistema bancário americano

Por: Maíra Magro

 

Depois dos 77 acordos fechados no Brasil, executivos da Odebrecht começam agora a negociar delações premiadas com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ). As conversas abrangem executivos e ex-executivos que participaram de fraudes envolvendo o sistema bancário americano.

As negociações vêm gerando grande preocupação entre os principais executivos da empresa, que acabam de passar por um processo duro e traumático para chegar a um acordo com o Ministério Público brasileiro. Enquanto ainda aguardam uma definição da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o cumprimento das penas previstas nos acordos de delação no Brasil, eles já se veem diante de mais uma frente de negociações nos EUA.

A maior preocupação dos executivos é não conseguir fechar acordos de delação com o DoJ. Nessa situação, eles poderão ser processados, julgados e condenados pela Justiça americana. Isso porque o acordo de leniência com o DoJ, fechado pela Odebrecht e a Braskem no fim do ano passado, tem abrangência limitada às pessoas jurídicas. O texto do acordo explica que ele "não oferece qualquer proteção contra investigação e acusação de qualquer indivíduo, independentemente de seu vínculo com a empresa".

Se um executivo da Odebrecht for condenado nos EUA, ele nunca mais poderá sair do Brasil, sob o risco de ser deportado e levado a um presídio americano, afirmam fontes envolvidas no processo. Diante de uma condenação judicial, os Estados Unidos emitem uma ordem de prisão direcionada pela Interpol aos demais países. Essa ordem de prisão só não valeria no Brasil, pois aqui os executivos estão protegidos pelos acordos de delação fechados com o Ministério Público brasileiro e homologados pelo STF.

A Odebrecht ainda não tem uma lista dos executivos que precisarão negociar individualmente com as autoridades americanas. Nem todos os 77 que fecharam acordo no Brasil precisarão passar por isso - a exigência vale apenas para os envolvidos em fraudes que usaram o sistema bancário dos EUA. O acordo de leniência com o DoJ menciona, sem citar nomes, seis funcionários do grupo Odebrecht, três executivos da Petrobras, um político e um parlamentar.

O texto explica que "a Odebrecht e seus funcionários e agentes tomaram diversas providências, enquanto no território dos Estados Unidos, para avançar no esquema de corrupção". E aponta que algumas das offshores usadas pelo Departamento de Operações Estruturadas para guardar e desembolsar valores não declarados foram estabelecidas, detidas ou operadas por indivíduos localizados nos EUA.

"Além disso, indivíduos trabalhando para o Departamento de Operações Estruturadas implementaram ações para avançar o esquema de propina enquanto estavam localizados nos Estados Unidos", acrescenta o documento. O texto relata ainda que, por volta de 2014 e 2015, dois funcionários da Odebrecht estavam em Miami quando participaram de encontros para planejar ações criminosas a serem tomadas em conjunto com o Departamento de Operações Estruturadas.

Procurado pelo Valor, o DoJ respondeu que não comentará porque "investigações relacionadas aos indivíduos estão acontecendo neste momento".

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Cabral vira réu por 184 crimes de lavagem de dinheiro

Por: André Guilherme Vieira / Cláudia Schüffner

 

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral tornou-se réu, ontem, por 184 crimes de lavagem de dinheiro que teriam envolvido a ocultação de R$ 39,7 milhões no Brasil, além de US$ 101,4 milhões e € 1,054 milhão no exterior, de acordo com as investigações da Operação Eficiência, desdobramento da Lava-Jato no Rio. O total de valores escondidos no exterior corresponde a R$ 317,8 milhões, segundo o Ministério Público Federal (MPF), autor da denúncia que foi recebida pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio.

A manutenção de valores de origem ilícita fora do Brasil - de forma oculta -, segundo acusa o MPF, vai ensejar ainda uma outra denúncia contra Cabral e integrantes de seu suposto núcleo criminoso, envolvendo a compra de um anel e de um par de brincos de ouro branco com safira na joalheria H. Stern por € 229 mil.

As joias foram adquiridas com pagamento na conta da joalheria na Alemanha, viabilizado pelos irmãos Renato e Marcelo Chebar pela conta Winchester Development S.A, mantida por ambos no banco suíço BSI. Os dois confessaram serem operadores de Cabral no exterior e reconheceram a prática de crimes em delação premiada firmada com o MPF.

Na nova denúncia, o MPF acusou Cabral e outras 10 pessoas por lavagem de dinheiro. Entre os denunciados estão aliados políticos do ex-governador e integrantes da suposta organização criminosa que seria voltada a desvios de recursos públicos e comandada pelo pemedebista.

A Carlos Miranda, apontado como emissário do ex-governador na arrecadação de propinas da Andrade Gutierrez, foram imputados 147 atos de lavagem. Já o ex-assessor de Cabral Luiz Carlos Bezerra é acusado de praticar 97 crimes de lavagem de dinheiro.

O doleiro acusado de ser um dos operadores financeiros do suposto esquema, Álvaro José Galliez Novis, foi denunciado por 32 crimes de lavagem; o publicitário e ex-assessor do pemedebista, Francisco de Assis Neto, o "Kiko", foi acusado de praticar 29 atos de lavagem de dinheiro. Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, foi denunciada por sete delitos de lavagem de dinheiro.

Até agora são quatro denúncias apresentadas contra Cabral em investigações de âmbito federal. Ele já é processado em outras duas ações penais que tramitam na Justiça Federal do Rio e em uma terceira em curso na Justiça Federal de Curitiba. O ex-governador está preso preventivamente em Bangu 8 desde novembro e responde aos processos por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Os irmãos Chebar entregaram aos procuradores uma planilha com o controle do fluxo do caixa da organização criminosa. A documentação aponta que os recursos foram usados para pagamentos de despesas de R$ 4 milhões mensais, totalizando R$ 39,7 milhões de 1º de agosto de 2014 a 10 de junho de 2015.

As provas reunidas nas Operações Eficiência e Calicute da Polícia Federal (PF) comprovam, segundo o MPF, que Sérgio Cabral e os outros 10 denunciados viabilizaram a lavagem de ativos no Brasil com o emprego de ao menos sete expedientes, que contaram com pagamentos de despesas pessoais, remessas de valores ilícitos a membros da suposta organização criminosa, no Rio, e ainda com entregas de dinheiro feitas por Álvaro Novis aos irmãos delatores.

A reportagem não conseguiu manter contato com os advogados que representam Sérgio Cabral e de Adriana Ancelmo.