Gestão ineficiente

13/02/2017

 

 

Criada em 1º de agosto de 1975, a partir da fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), presente em 64 dos 92 municípios fluminenses (70%), tem tido uma gestão marcada pela ineficiência. Os números falam por si. Segundo relatório da própria empresa, após quatro décadas de operação, o índice de atendimento de água atinge 86,95% e o de coleta de esgoto, apenas 38,87%.

A capital fluminense, segunda maior cidade do país e responsável por 77% da receita da Cedae, ocupa o 50º lugar no ranking de saneamento das cem maiores cidades do Brasil, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, com base no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS) de 2014. O município do estado mais bem colocado no levantamento é Niterói (12º), onde o sistema de água e esgoto é operado por uma concessionária privada desde 1999. E o pior é São João de Meriti (servido pela Cedae), que aparece em 93º lugar, ficando à frente apenas de cidades do Norte-Nordeste.

Em relação ao esgoto tratado, o município fluminense em melhor situação é Petrópolis, que ocupa o 4º lugar no ranking, com 98,4%. A cidade da Região Serrana foi a primeira no estado a conceder os serviços de água e esgoto para a iniciativa privada, em 1998. Na outra ponta, está São João de Meriti, na Baixada Fluminense, que ocupa a lanterna do levantamento, com 0% de tratamento de esgoto.

Outro exemplo dessa gestão inepta é o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, que consumiu US$ 1 bilhão (cerca de R$ 3,12 bilhões) e produziu resultados pífios. Iniciado em 1995, com financiamento do BID e do governo japonês, o projeto, gerido pela Cedae, tinha como meta tratar, em quatro anos, 60% do esgoto jogado na baía, objetivo não alcançado. Mesmo assim, o governo fluminense apostou alto e prometeu ao Comitê Olímpico Internacional (COI) tratar 80% do esgoto até os Jogos. Mais uma vez, não cumpriu.

Medições do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) mostram que, com exceção da Praia Vermelha, praticamente todas as outras da baía se mantêm impróprias para banho, com índices de coliformes fecais elevadíssimos.

Empresa de economia mista que tem o estado como acionista majoritário, a Cedae conta com 5.940 funcionários. De acordo com o balanço de 2015, o último publicado, o lucro da companhia caiu 45,9% em relação a 2014 (de R$ 380 milhões para R$ 248,8 milhões). A receita operacional bruta recuou 1,4% (de R$ 4,53 bilhões para R$ 4,47 bilhões).

Em meio à maior crise financeira do estado, a privatização da Cedae é contrapartida do Rio para obter o socorro financeiro da União, mas é também a oportunidade de universalizar o fornecimento de água e ampliar a coleta e o tratamento de esgoto no estado, reduzindo os índices de poluição em praias, rios e lagoas. E, quem sabe, alçar a capital fluminense a uma posição mais favorável no ranking de saneamento.

_____________________________________________________________________________________________

Por que privatizar?

Alcione Duarte 

13/02/2017

 

 

Se apenas a obra de melhorias de abastecimento da Baixada está orçada em R$ 3,4 bilhões, quanto será que custou do dinheiro do povo tudo o que o saneamento construiu, em todo o estado, ao longo de quase dois séculos? O dinheiro que a Corte portuguesa utilizou para as primeiras grandes obras de saneamento foi do povo brasileiro, e, de lá para cá, tudo foi custeado com o nosso dinheiro: da maior Estação de Tratamento de Água do mundo (Guandu, que está no Guinness) à maior estação de bombeamento de água potável do mundo (Lameirão). Se fossem construídas hoje, elas custariam R$ 15 bilhões! Ainda temos reservatórios, represas, tubulações, estações de tratamento de esgotos, emissários... Na cabeça deles, tudo isto valeria somente R$ 4 bilhões! “Um negócio da China”, ou melhor, para a China, ou, até quem sabe, para alguma empresa que esteja na investigação da Lava-Jato.

A venda da Cedae é usurpação pelo governo federal! Há uma pressão equivocada! Uma empresa que pertence ao povo fluminense não para por aí, no patrimônio material! Existe uma perda irreparável: a retirada da nossa possibilidade de influir através de governantes e representantes. Para que servirão vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores? No passado, a população, deputados, prefeitos e vereadores usaram seus mandatos para garantir esta conquista, por se tratar de um bem público. Se fosse uma empresa privada, que força a população e seus representantes teriam para influir nas decisões?

Será que uma empresa privada cobraria R$ 2,71 por cada mil litros de água tratada?

Privatizou-se a RFFSA (Flumitrens), que virou SuperVia e hoje recolhe o dinheiro das passagens, mas é o estado que compra os trens e assume suas dívidas. O mesmo aconteceu com o metrô, em que o estado faz as novas linhas e compra os vagões. Assim é muito fácil, pois só o que fica privado é “a bilheteria”, ou seja, a arrecadação.

Na Zona Oeste, a Foz Águas, contratada pela prefeitura, vem cortando água de escolas estaduais (pasmem!), sendo o estado o real produtor e distribuidor da água!

No passado, os argumentos para privatizar a Cedae eram que ela era deficitária e onerava os cofres públicos estaduais! Qual será a razão agora, já que, desde 2008, a Cedae passou a ser lucrativa, distribuindo dividendos para o governo do estado, captando investimentos com seu balanço contábil, como os R$ 3,4 bilhões de reais para melhor abastecer a Baixada, chegando a atingir o notável Rating de AA da Standard & Poor's?

No fim de tudo, vende-se barato o que muito custou do dinheiro público, e que, ao invés de gerar déficit, gera superávit, não se garante qualidade, as tarifas aumentam, os investimentos são reduzidos ou deixam de existir e, depois, o povo é cobrado de novo para custear qualquer problema ou incompetência da gestão privada. Imaginem essa “lógica” com um item de saúde (ou doença) como a água que se bebe.

*Alcione Duarte é ex-diretor e técnico de saneamento da Cedae

 

O globo, n. 30506, 13/02/2017. Artigos, p. 12