O encontro marcado

Fabio Giambiagi

13/02/2017

 

 

Peço desculpas ao leitor pela má notícia, mas minha opinião é que em 2019 há boas chances de que o Brasil tenha um encontro marcado com a alta de impostos. Gostemos ou não, em algum momento alguém terá que comunicar isso ao distinto público — e contribuinte. Avisar isso não me agrada. Em mais de uma oportunidade, no passado, me manifestei em diversos artigos na imprensa contra a alta de impostos. Com perdão pela comparação indevida com tão ilustre personagem, mas a situação lembra um pouco o que aconteceu com Lord Keynes (talvez o maior economista do século XX), que, certa vez, questionado por uma pessoa que apontara uma suposta contradição entre o que estava dizendo e o que afirmara no passado, teria respondido: “Quando as circunstâncias mudam, eu mudo. E o senhor?”

Vamos aos números. Primeiro, o déficit público em 2016 alcançou 9% do PIB. Isso é uma enormidade por qualquer ângulo que se olhe. Nessa conta, em números redondos, tivemos um déficit primário — diferença entre receita e despesas, com exceção dos juros — de 2,5 % do PIB e uma conta de juros do setor público de 6,5% do PIB. E, no caso do resultado primário, o grande vilão é, claramente, o governo central.

É claro que uma parte importante do ajuste do déficit terá que vir da diminuição da despesa de juros, que é muito pesada. O problema é que ela terá que ser consequência — e não causa — do ajuste. Há um risco em emprestar para o governo. Quando o risco for menor, os juros poderão alcançar 7% ou 8% em termos nominais, reduzindo substancialmente a despesa financeira. Primeiro, porém, é preciso ajustar as contas e resgatar a confiança. A queda do risco virá depois.

O que aconteceu com as contas do governo central, então, entendido este como a consolidação do resultado fiscal do governo federal com o do INSS? Vamos, portanto, aos dados, novamente, comparando a situação atual com a de 2011, após o que, como se diz popularmente, as coisas começaram a degringolar. Na comparação com 2016, a receita tributária total caiu de 22,6 % para 20,9 % do PIB, enquanto o gasto — incluindo transferências governamentais — aumentou de 20,5 % para 23,3 % do PIB. Com isso, o resultado primário do governo central passou de um superávit de 2,1% a um déficit de 2,5 % do PIB.

É tentador concluir que então o ajuste deve se dar em cima do gasto. O que aconteceu com as grandes rubricas deste entre 2011 e 2016? Duas despesas importantes caíram em termos relativos: as transferências a estados e municípios, um pouco, de 3,7 % para 3,6 % do PIB; e o gasto com o funcionalismo, também pouco, de 4,2% para 4,1% do PIB. O que aumentou foram os itens “Benefícios previdenciários do INSS”, de 6,4% para 8,1% do PIB; e os “demais itens”, de 6,2% para 7,6 % do PIB. Se nas aposentadorias e pensões é impossível cortar a curto prazo, certamente nos demais itens há gordura para queimar como, por exemplo, no campo dos subsídios e subvenções, mas é preciso lembrar que:

a) naqueles 7,6 % do PIB, estão incluídos entre outros o Bolsa Família e os benefícios assistenciais do Loas que não irão cair, o seguro-desemprego que a curto prazo poderá aumentar; e o investimento que não dá para imaginar que possa diminuir muito;

b) mesmo que os demais itens diminuam, o governo precisa fazer um ajuste de pelo menos 5 % do PIB, e é matematicamente inviável cortar mais da metade daqueles “demais itens”. Para que o leitor tenha uma ideia das dificuldades envolvidas na gestão desses recursos, cite-se um dado-chave: em 2016, a simples soma do gasto com abono e seguro-desemprego, Loas, investimentos do Minha Casa Minha Vida, sentenças judiciais e gastos dos ministérios da Saúde e da Educação representou 54% das despesas daqueles “demais itens” de 7,6 % do PIB.

É claro que um componente-chave do ajuste fiscal terá que vir do controle da despesa — e o governo está trabalhando nesse sentido com a sua aprovação do teto do gasto. É ilusório, porém, pensar que isso será suficiente para um ajuste fiscal da intensidade necessária para a dívida pública brasileira deixar de crescer como proporção do PIB — e, lembremos, ela tem aumentado muito desde 2011. O aumento da carga tributária deveria ser um ingrediente-chave de qualquer ajuste fiscal que vier a ser implementado no país. Se não for em 2017, terá que ser em 2019. 

O globo, n. 30506, 13/02/2017. Artigos, p. 13