Conexão Brasil-Uruguai lavou dinheiro para Cabral

Chico Otavio 

06/02/2017

 

 

Doleiros dos dois países se uniram nas operações, revela inquérito

Preocupação dos procuradores é recuperar o dinheiro ainda retido no exterior

Doleiros brasileiros e uruguaios se associaram para lavar o dinheiro do esquema comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral no exterior. A pista foi fornecida pelos os irmãos Renato e Marcelo Hasson Chebar, delatores da Operação Eficiência, que citaram a uruguaia María Esther Campa Solaris como titular de uma conta no banco Pictet & Cie, com sede em Genebra, onde Cabral teria escondido US$ 10 milhões (R$ 31,2 milhões) da propina levada para a Suíça. María Esther é secretária do advogado Oscar Algorta Rachetti, uruguaio já indiciado pelo juiz Sérgio Moro por também lavar dinheiro para o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró.

Além dos irmãos Chebar, Algorta era próximo de pelo menos mais um doleiro brasileiro. E-mails obtidos pelo GLOBO revelam que María Esther, em novembro de 2012, acertou uma viagem do advogado ao Rio, onde ficou hospedado durante quatro dias numa cobertura no Leblon, que pertence a Dario Messer, considerado pela Polícia Federal um dos mais atuantes doleiros do Brasil, hoje residindo no Paraguai. Messer, ao mobilizar seus funcionários para receber o advogado, explicou que Algorta era seu advogado no Uruguai.

Os investigadores tentam agora fazer a conexão entre a rede de lavagem de dinheiro e o doleiro “Juca Bala", provável apelido do brasileiro Vinícius Claret. Os irmãos Chebar, que revelaram a existência de um total de US$ 100 milhões escondidos por Sérgio Cabral no exterior, contaram que, quando o esquema de propina ficou grande demais em 2007, ano em que Cabral tomou posse como governador do Rio, tiveram de chamar Juca Bala para assumir as operações de lavagem. Até então, Renato e Marcelo usavam operações dólarcabo (entrega de valores em reais no Brasil para que fossem creditados recursos em dólar no exterior) usando a própria clientela.

Obrigados, pelo gigantismo do esquema, a procurar outro doleiro que tivesse maior capacidade operacional para a lavagem, eles transferiram as operações para Juca Bala. Os delatores garantiram que não tinham nem sequer o telefone de Juca, pois falavam com ele através do programa de mensagens Messenger, usando um sistema de criptografia. Renato disse que se encontrou com Juca em pelo menos três ocasiões, mas sempre no hotel onde se hospedava em Montevidéu.

Juca, segundo ele, tinha uma estrutura no Rio para o recebimento em espécie dos valores da propina de Cabral. O esquema de lavagem, segundo os delatores, ocorrida da seguinte forma: de posse dos reais enviados por Cabral através de Carlos Miranda, Renato e Marcelo entravam em contato com Juca pelo Messenger, usando o programa PIDGIN, para fechar a taxa de câmbio. O megadoleiro, segundo eles, também usava os codinomes Ana Holtz e Peter.

Os investigadores ainda têm poucas informações sobre Juca Bala. A maior preocupação dos procuradores da República, neste momento, é recuperar o dinheiro ainda retido na conta da secretária de Algorta. María Esther é apontada como peça-chave no esquema de lavagem de dinheiro, uma vez que aparece relacionada a pelo menos 19 empresas no Panamá, alternandose como presidente, tesoureira, secretária e diretora. O juiz Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava Jato em Curitiba, mandou citar Algorta, réu da operação, no Uruguai, via cooperação jurídica internacional. O advogado é acusado de ter ajudado Nestor Cerveró a lavar dinheiro na compra de um apartamento de R$ 7,5 milhões em Ipanema, no Rio, em 2009.

EX-SÓCIO DE DE MESSER

O GLOBO apurou ainda que outra personagem pode revelar um esquema ainda maior de lavagem de dinheiro que não tem relação apenas com o ex-governador do Rio.

Maria Cristina Sanchez Giraldez, contadora do Estúdio Algorta, escritório do advogado uruguaio em Montevidéu, é a representante legal de pelo menos dez empresas abertas em nome do doleiro brasileiro Enrico Vieira Machado, ex-sócio do doleiro Dario Messer. Os investigadores suspeitam que as empresas, com nomes como Blostock, Beliver e Doucet, seriam offshores para camuflar a remessa ilegal de dinheiro de brasileiros para paraísos fiscais.

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Superfornecedor do governo do Rio depõe e não convence procuradores

06/02/2017

 

 

Operação investiga se pagamento de ‘Rei Arthur’ a Adriana Ancelmo era propina

Apontado como um dos empresários mais próximos do exgovernador Sérgio Cabral, Arthur Cesar Menezes Soares Filho, dono do Grupo Facility, entrou no horizonte dos investigadores da Operação Calicute. Em depoimento no Ministério Público Federal em janeiro, ele não convenceu os procuradores da República sobre os motivos que o levaram a contratar o escritório da exprimeira-dama Adriana Ancelmo e a empresa do economista e operador de Cabral Carlos Miranda, ambos presos por envolvimento no esquema de arrecadação e lavagem de propina do ex-governador.

Com o depoimento de Arthur Soares, as investigações se voltam para a área de prestação de serviços do governo Cabral (2007-2014). Conhecido nos bastidores da política como “Rei Arthur”, o empresário já foi visto como o maior fornecedor de mão-de-obra terceirizada para o governo fluminense, sempre por intermédio de uma rede de empresas comandada pela Facility. Pelos contratos, o grupo de Arthur Soares teria recebido quase R$ 3 bilhões no período.

Alvo de inquéritos também no Ministério Público Estadual, o empresário admitiu que é amigo pessoal do ex-governador, chegando a frequentar eventos sociais no condomínio Portobello, em Mangaratiba, onde Cabral tem casa. Soares disse que conheceu Cabral quando o amigo era deputado estadual (19912002) e ficou mais próximo quando ele se elegeu senador. Na época, uma das empresas de Soares também prestava serviços ao Senado.

COBRADOR DE DÍVIDAS

O empresário afirmou aos procuradores da República que, como era presidente da Associação das Empresas Prestadoras de Serviços ao Estado do Rio (AEPS), passou a mediar a relação das filiadas com o governo do Estado, levando pleitos de cobranças de valores atrasados das empresas. Ele disse que começou suas atividades na área de prestação de serviços em 1993, por meio da empresa Vigo Central de Serviços, e começou a atuar no setor público no ano seguinte, mas não se recorda quando constituiu a Facility como empresa holding do grupo.

As investigações da Calicute constataram que o grupo de Soares repassou mais de R$ 1 milhão para o escritório de Adriana Ancelmo. Já a empresa de Carlos Miranda, a LRG, recebeu R$ 660 mil.

Indagado sobre os repasses, o empresário argumentou que conheceu Adriana por intermédio de Cabral e contratou o escritório de advocacia da exprimeira-dama após recomendação do ex-governador. Ao negar que os repasses funcionaram como uma forma disfarçada de pagamento de propina, Soares assegurou que o escritório prestou serviços de na área trabalhista.

O dono da Facility disse que conheceu Carlos Miranda em eventos de Cabral. Ao contratar a LRG, teria como objetivo a “prospecção de negócios na área privada”. Diante dos procuradores, ele admitiu que não se recordava se firmara com Miranda um contrato formal, mas insistiu em dizer que os serviços foram prestados e que todos os pagamentos se deram mediante o recolhimentos dos tributos devidos.

Cobrado sobre as provas da prestação do serviço, Soares disse que foi feita de forma presencial. No dia do depoimento, o empresário não conseguiu nominar as empresas trazidas pela prospecção de negócios de Miranda. Três dias depois, em ofício ao Ministério Público, seus advogados apresentaram uma lista de nomes.

Soares também negou que Cabral ou conselheiros no Tribunal de Contas do Estado (TCE) tenham lhe cobrado o pagamento de propina.

 

O globo, n. 30499, 06/02/2017. País, p. 4