Valor econômico, v. 17, n. 4195, 14/02/2017. Política, p. A7

Temer quer mudar regulamentação do direito de greve

Planalto encaminhará ao Congresso propostas de alterações ao projeto do senador Aloysio Nunes

Por: Cristiane Agostine, Andrea Jubé, Lucas Marchesini / Raphael Di Cunto

 

O presidente Michel Temer anunciou ontem que pretende mudar a regulamentação do direito de greve dos servidores públicos. Depois da paralisação de policiais no Espírito Santo, o Executivo encaminhará ao Congresso propostas de alterações ao projeto de autoria do atual líder do governo, senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Uma delas é a responsabilização cível e criminal de quem impedir o acesso de servidores, que não tenham aderido à greve, ao local de trabalho.

Pela manhã, Temer afirmou que enviaria um projeto de lei do Executivo sobre o tema, mas, à noite, apresentou à imprensa apenas um conjunto de sugestões ao projeto, que será relatado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Outra proposta é a perda de cargo ou função comissionada em caso de greve, e a contratação de temporários. O governo quer a definição dos requisitos para considerar a greve legal, bem como fixar os procedimentos para a negociação coletiva.

A proposta não alcança os policiais militares, porque a proibição de greve para estes servidores já está explícita na Constituição. O governo considera que o movimento dos policiais no Espírito Santo equivale a um "motim".

"Pela Constituição, certos serviços essenciais não podem ficar paralisados. Embora haja muitos projetos correndo no Congresso, vamos adicionar mais um projeto para que possa ser examinado", disse Temer. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o direito de greve "em face da omissão, da não realização, da não aprovação de um projeto".

Em seguida, Temer citou a greve de policiais no Espírito Santo e classificou o movimento como uma "insurgência contra o texto constitucional". O presidente afirmou que a polícia militar deve ser "garantidora da lei e da ordem" e disse esperar que a corporação "cumpra sua missão constitucional".

Embora a Constituição preveja a regulamentação do direito de greve e mais de uma dezena de projetos de lei de deputados e senadores estejam em tramitação sobre o assunto, o Congresso tem evitado votar essa proposta por pressão dos sindicatos de servidores públicos.

"Esse debate sempre surge no meio de uma crise como essa do Espírito Santo [greve dos policiais]. Mas depois a crise arrefece e o governo tem tantos problemas para resolver que deixa essa discussão de lado", afirmou o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Exemplo é um conjunto de 12 projetos, entre eles uma proposta do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) de 2002, que está desde 2008 paralisado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde não tem sequer relator.

A matéria foi aprovada na Comissão de Trabalho logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre o tema no ano anterior,mas depois passou quatro anos travada. Só teve alguma movimentação em 2012, quando o funcionalismo ameaçava greve contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Após acordo com os servidores, o texto voltou a dormitar nas gavetas do Legislativo.

Sindicatos protestam que os projetos, na verdade, objetivam restringir as manifestações, ao estipular um rol grande de "serviços essenciais" e percentual elevado do número que funcionários que continuariam em atividade - entre 60% e 80% dos servidores -, além de prazo de alerta antes de efetivamente realizar a greve - uma das propostas fala que a notificação teria que ocorrer com até um mês de antecedência.

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Ministro que virar réu na Lava-Jato será demitido, diz presidente

Por: Andrea Jubé e Cristiane Agostine

 

Em meio a críticas por ter dado foro privilegiado a Moreira Franco, ao nomeá-lo para a Secretaria-Geral da Presidência, o presidente Michel Temer afirmou ontem que só afastará de forma definitiva de sua administração quem for réu na Operação Lava-Jato. Dessa forma, ministros investigados poderão prorrogar a permanência no governo, sem perder a remuneração. Temer afirmou que não pretende interferir nas apurações, mas sinalizou que não afastará ministros "só por uma menção".

"Se houver denúncia, o que significa um conjunto de provas eventualmente que possam conduzir ao seu acolhimento, o ministro que estiver denunciado será afastado provisoriamente", disse o presidente. "Depois, se acolhida a denúncia, e aí sim, o ministro, se transforma em réu, isto eu estou mencionando os casos da Lava-Jato, e se transformando em réu, o afastamento é definitivo", afirmou a jornalistas, em um rápido pronunciamento no Palácio do Planalto, sem permitir perguntas.

O afastamento provisório é feito por meio de uma licença, que garante a remuneração. Para ser desligado definitivamente do governo, o ministro citado na Lava-Jato poderá ganhar meses de sobrevida, já que para tornar-se réu é preciso esperar o oferecimento de uma denúncia - etapa posterior ao inquérito, que configura a abertura da ação penal. Isso pode levar até um ano ou mais.

O presidente, no entanto, afirmou que convocou a imprensa para afirmar que seu governo "não quer" e "não vai blindar ninguém".

"Quero anunciar em caráter definitivo, e talvez pela enésima vez, que o governo jamais poderá interferir nessa matéria", afirmou. "Se alguém converter-se em réu, estará afastado independentemente do julgamento final", disse Temer. "Apenas [que o governo] não pode aceitar que a simples menção inauguradora de um inquérito, para depois inaugurar uma denúncia, para depois inaugurar umprocesso, já seja de molde a incriminá-lo em definitivo, e em consequência afastar o eventual ministro".

Horas antes de fazer a declaração, o presidente tomou café da manhã com Moreira Franco, no Palácio do Jaburu. O ministro foi citado 34 vezes, com o apelido de "Angorá", na delação de Cláudio Mello Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht.

No fim de semana, o presidente teve uma série de reuniões para debater o desgaste político de seu governo, que pode se agravar com as delações da Lava-Jato. Temer demonstrou estar preocupado que a crise política volte a contaminar a economia, depois que o mercado financeiro emitiu sinais de alerta diante de uma possível operação para abafar as investigações, depois da indicação do ministro licenciado Alexandre de Moraes (PSDB) ao Supremo Tribunal Federal, a articulação do senador Edison Lobão (PMDB-MA) para o comando da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e da nomeação de Moreira Franco.

A declaração do presidente aumentou a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal, que deve decidir sobre a posse de Moreira, um dos principais aliados e conselheiros de Temer. O ministro Celso de Mello deve avaliar duas ações judiciais apresentadas pelo Rede e pelo Psol, que pedem a suspensão da nomeação do ministro.

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Escolha para Justiça continua em compasso de espera

Por: Andrea Jubé e Cristiane Agostine

 

O presidente Michel Temer ainda estuda o momento mais adequado ao anúncio do novo ministro da Justiça. Inicialmente, Temer gostaria de aguardar a realização da sabatina do ministro licenciado, Alexandre de Moraes, agendada para o dia 22, no Senado, a fim de não divulgar o nome do novo auxiliar com o titular ainda na cadeira de ministro. Mas se a crise de segurança pública se agravar e o ambiente de instabilidade contaminar o restante do país, ele pode precipitar o anúncio.

Enquanto Temer prorroga a indefinição, os aliados tentam emplacar os seus indicados: lideranças do PSDB medem forças com o PMDB para nomear o titular da pasta responsável pela Polícia Federal, que conduz a Operação Lava-Jato.
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Para Temer, o ideal seria que Moraes tivesse o nome chancelado pelos senadores para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, e somente depois o nome de seu sucessor fosse divulgado. O próprio Alexandre de Moraes, que antes foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, tem aconselhado Temer sobre a escolha de seu sucessor.

O presidente passou o fim de semana ouvindo conselhos: num cenário de acirramento da crise política, em que o governo se viu alvo de críticas após as indicações de Moraes para o STF, considerada uma escolha "política", e da controvertida nomeação de Moreira Franco para o Ministério da Secretaria-Geral da Presidência.

Na sexta-feira, Temer se reuniu com Antônio Claudio Mariz de Oliveira, seu amigo e advogado criminalista respeitado nacionalmente. Mariz era o nome da preferência de Temer, ainda no início do governo interino, mas o presidente foi aconselhado a buscar outra opção. Isto porque Mariz despontou como um crítico ferrenho da Operação Lava-Jato, de modo que poderia se indispor com a Polícia Federal, instituição subordinada à pasta da Justiça.

Permanecem cotados os nomes do deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), indicado pela bancada do PMDB da Câmara, e do ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro José Mariano Beltrame. Ligado ao PMDB, Beltrame exerceu o cargo de secretário no Rio por dez anos. Atualmente, presta consultoria para a Vale. Ele desponta, igualmente, como cotado para o ministério, ou para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública, que ganhou mais peso após a mudança de nome da pasta.

Paralelamente, o nome de Pacheco subiu no telhado por dois fatores: o PMDB do Senado não avalizou a indicação da bancada da Câmara. Além disso, vieram a público duras críticas do parlamentar à atuação do Ministério Público, o que o indispõe com a equipe que conduz a Lava-Jato. Pacheco já declarou que o poder de investigação deveria ser exclusivo da Polícia Federal.

Enquanto aliados tentam emplacar seus indicados no cargo, Temer monitora os desdobramentos da crise de segurança. Segundo um auxiliar presidencial, o governo avalia que a crise de segurança no Espírito Santo foi controlada, depois das visitas ao Estado do ministro interino da Justiça, José Levi, e do ministro da Defesa, Raul Jungmann. Neste cenário, seria possível esperar a sabatina de Moraes para anunciar o seu sucessor.

Contudo, se a tendência de pacificação não persistir, o governo receia um efeito cascata da rebelião dos policiais militares em outros Estados. Neste caso, a orientação interna é no sentido de se reprimir energicamente qualquer movimento neste sentido. O governo acredita que o que houve no Espírito Santo foi um "motim", porque a Constituição Federal veda, expressamente, a greve dos policiais militares.

As atenções do governo voltam-se agora para o Rio de Janeiro. Ontem o Ministério da Defesa anunciou que enviará homens das três Forças Armadas para reforçar a segurança no Estado (ver também página A4). As mulheres dos policiais militares articulam um movimento semelhante àquele protagonizado pelas esposas dos oficiais do Espírito Santo, a fim de pressionar por uma paralisação no Rio. O governo quer evitar que a crise evolua para este cenário, e tenta se antecipar, enviando o reforço da segurança para o Estado.

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Politização do movimento de policiais do ES é controversa

Por: Cristian Klein

 

Com a imagem abalada pela crise de segurança pública que amedronta o Espírito Santo, o governador Paulo Hartung (PMDB) vem afirmando que a greve branca dos policiais militares no Estado é alimentada por adversários. A tese de politização do movimento dos PMs - cuja paralisação levou a uma onda de violência, com mais de cem assassinatos - é controversa.

No terreno doméstico, Hartung praticamente não encontra resistência na Assembleia de 30 deputados. Os dois representantes do PSB, legenda de seu maior opositor, o ex-governador Renato Casagrande, não lhe causam problema. Cabe a Sergio Majeski, 50 anos, a voz solitária da oposição na Casa. Em seu primeiro mandato, o professor de geografia rebate o pemedebista, que afirmou haver a "mão peluda" da política na greve dos policiais. "O governo tenta criar um bode expiatório para se eximir da gigantesca culpa de ter sido arrogante, intransigente. Não vejo ninguém envolvido de forma maquiavélica ou sorrateira neste processo", diz o deputado, opositor embora pertença ao PSDB, partido do vice-governador César Colnago.

Majeski afirma que não houve politização. "Isso é bobagem. Por que [o governador] não cita quais políticos e como estão agindo?", questiona. O parlamentar aponta que seu colega na Assembleia, Josias Da Vitória (PDT), 44 anos, um cabo reformado, tem "óbvia ligação", mas que "em nenhum momento insuflou" o movimento.

Da Vitória afirma que o movimento "nasceu do embrião das esposas dos policiais. "Rede social é um negócio perigoso", dá sua explicação. Estrategicamente, o protesto no Espírito Santo conta à frente com as mulheres dos PMs, já que a greve é proibida pela Constituição.

O deputado afirma que a culpa pelo movimento ter ganhado força é do próprio governo, quando tentou desqualificá-lo. "Não existe isso de politização. É o governo querendo se eximir de suas responsabilidades. Não gosta de ser cobrado, pelo que estoupercebendo", diz. Da Vitória rebate as acusações de que vem sendo alvo e afirma que já registrou denúncia na Delegacia de Repressão aos Crimes Eletrônicos contra empresas que teriam disparado mais de 2 milhões de mensagens numa campanha "falsa e vergonhosa", segundo a qual ele estaria incitando a greve. "Estão me dando um tamanho que não tenho. Daqui a pouco, dirão que matei o Bin Laden, derrubei as Torres Gêmeas e elegi o Trump", ironiza.

Majeski e Da Vitória participaram de uma reunião com as mulheres dos PMs e as associações de praças e oficiais, na Assembleia, na terça-feira, a partir de quando Hartung passou a enfatizar a politização da greve. Na manhã seguinte, o governador diria, em entrevista coletiva, que "políticos" haviam se reunido "escondidos" para estimular o pedido de aumento salarial de 43% que custaria aos cofres públicos R$ 500 milhões.

Personagem central da reunião, a senadora Rose de Freitas - do PMDB, mas adversária interna de Hartung - entrou no rol de supostos conspiradores. A parlamentar afirma que o encontro foi transparente, com 22 deputados e Ordem dos Advogados do Brasil. Rose nega que tenha inflamado os ânimos. "Fui chamada para ajudar, como o arcebispo, o Ministério Público, tododemandas salariais não justificam a greve. "Essa paralisação foi completa, de 100%. Parou o Estado inteiro, lojas saqueadas, uma loucura. Presenciei assaltos, tive que voltar do meu trajeto, não conseguia comprar pão, nem o meu remédio, que acabou na farmácia. Com a justeza da reivindicação, me desculpe a PM, mas tinha que ter tido, pelo menos, um percentual [de policiais trabalhando]", critica.

Para o deputado estadual Enivaldo dos Anjos (PSD), "ninguém tem dúvida de que ela [Rose] gostaria de ver a decadência política dele [Hartung]". "Mas não acredito que ela tenha feito ato neste sentido [de insuflar a greve]", diz. O parlamentar, no entanto, concorda com a tese de politização. Vê uma "mão de fora" das fronteiras capixabas.

Em sua opinião, Hartung e Espírito Santo despertaram inveja e incomodaram quando apareceram como exemplos de austeridade e gestão penitenciária, em meio às graves crises fiscal da União e de entes da Federação e do sistema prisional, que estourou no mês passado. O deputado critica a "traição" do Estado do Rio - cujo governador Luiz Fernando Pezão anunciou aumento aos PMs em meio à crise capixaba. "Foi uma irresponsabilidade. Quis jogar o Rio contra o Espírito Santo. Isso incrementou a resistência da greve aqui", diz. Além do PMDB do Rio, Dos Anjos vê interesse da cúpula nacional do partido do presidente Michel Temer em desconstruir a imagem de Hartung. "Eles não engolem por ele ter destaque nacional e ser considerado de esquerda. O PMDB tem que ser controlado por pilantras", diz.

Para Majeski, Hartung criou boa imagem nacional, por meio de publicidade, mas "aqui tem o apelido de imperador, de pessoa vingativa, que não aceita afronta". "Foi ferido no seu ego. A crise mostrou que é um ídolo de pés de barro".

Secretário da Casa Civil, José Carlos da Fonseca Júnior rebate as críticas dos deputados. Classifica Majeski de oposicionista de linha inflexível, e considera "compreensível" o posicionamento de Da Vitória, por ser líder dos PMs: "É a linha corporativista".