O Estado de São Paulo, n. 45052, 21/02/2017. Política, p. A4
Foro não pode ser 'suruba selecionada', afirma Jucá
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Ricardo Brito
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Líderes da base e da oposição no Congresso ameaçam aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para retirar o foro privilegiado de magistrados e integrantes do Ministério Público caso o Supremo Tribunal Federal (STF) leve adiante a proposta de restringir o foro de políticos somente para crimes cometidos no exercício do mandato eletivo. “Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”, afirmou o líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.
A afirmação de Jucá – investigado na Lava Jato – foi uma reação à proposta em debate no STF de restringir o alcance da prerrogativa dos políticos ao mandato em exercício. “Uma regra para todo mundo (a restrição do foro privilegiado) para mim não tem problema”, disse o senador peemedebista.
Pouco antes, Jucá fez no Senado um duro discurso contra a imprensa por ter sido criticado após apresentar – e em seguida retirar – uma proposta que impedia os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado de serem investigados por fatos anteriores ao exercício do cargo, como já ocorre para quem ocupa a Presidência da República (mais informações nesta página).
O senador ressaltou que o Supremo ainda vai decidir se caberia à própria Corte alterar a interpretação do foro ou se seria apenas por meio de uma mudança na Constituição pelo Legislativo. “Não é coisa de curto prazo, para amanhã”, disse.
A discussão sobre o alcance da prerrogativa ganhou corpo na semana passada após o ministro do STF Luís Roberto Barroso defender a limitação do foro a casos relacionados a acusações por crimes cometidos durante e em razão do exercício do cargo. Em processo que discute compra de votos do prefeito de Cabo Frio, Marquinho Mendes (PMDB), na eleição de 2008, Barroso propôs nova interpretação para o foro por prerrogativa de função. Ele quer que o plenário do STF discuta esse entendimento pessoal.
O relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, também defendeu a revisão do foro. Por ora, a mudança proposta por Barroso não deve entrar na pauta do STF em março.
‘No seu quadrado’. O líder do PR na Câmara, Aelton Freitas (MG), foi na mesma linha de Jucá.
Para ele, caso o STF entenda ser possível restringir o foro, a medida teria de valer para todas as autoridades que detêm a prerrogativa. Mas, segundo o líder do PR, caberia apenas ao Congresso promover essa mudança na Constituição para reduzir o alcance do foro. “Cada um no seu quadrado”, afirmou. Em São Paulo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que mudanças deveriam passar pelo Legislativo. “Eu acredito que tudo que passe por nova legislação é sempre mais adequado que passe pelo Congresso Nacional”, disse Maia, em entrevista coletiva.
O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), afirmou que o Supremo “não tem competência” para decidir sobre o assunto, embora considere uma “boa ideia” a restrição ao foro. O senador tucano classificou como “errada” a interpretação do ministro Barroso, pois, segundo ele, a Constituição é “muito clara” sobre a prerrogativa.
Para o líder PMDB na Casa, Renan Calheiros (AL), é “mais legítimo” quando o Congresso decide sobre as autoridades que têm prerrogativa de foro. “Quando o Legislativo demonstra dificuldade em encaminhar uma solução, muitas vezes cabe ao STF fazê-la. Nesse caso, não”, afirmou Renan.
O líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), disse que a atual legislação é clara sobre o foro especial e criticou o que chama de “exacerbação” do Poder Judiciário. ‘Questão de honra’. Já o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, considerou que o STF pode interpretar a Constituição para restringir o uso do foro – sem que isso necessariamente passe por uma alteração legislativa. De acordo com Veloso, virou “questão de honra” para o Supremo tratar do assunto. O Supremo vem sendo criticado pela demora nas investigações e julgamento de políticos.
“O preço que o STF está pagando é alto ao não mexer nisso”, disse Veloso. “O Supremo ou toma uma decisão a respeito disso ou vai ter que se adequar a ser uma corte voltada ao julgamento de crimes.” Segundo o presidente da Ajufe, o foro privilegiado “está transformando o Supremo numa corte criminal”, sendo que a competência do tribunal é para julgamentos constitucionais.
Sem citar nomes, Veloso afirmou ainda que o foro especial “está sendo utilizado para proteção de quem pratica crimes” e que o instrumento é usado, atualmente, para fazer “chicana”.
Para ele, a Corte deve uma resposta à sociedade. Há uma manifestação prevista para o fim de março a favor da Lava Jato e pelo fim do foro privilegiado. / Colaboram Daniel Weterman e Beatriz Bulla
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Projeto sobre prerrogativa ainda patinam no Congresso
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O debate sobre o fim do foro privilegiado patina no Congresso. O Senado resiste a votar em plenário uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue a prerrogativa. Em novembro passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou a PEC de autoria de Álvaro Dias (PV-PR), mas o então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), não colocou a matéria na pauta do plenário. Não se sabe se seu sucessor, Eunício Oliveira (PMDB-CE), dará encaminhamento para a proposta.
A PEC de Álvaro Dias é a mais avançada no Congresso, atualmente. Se passar pelo Senado, em dois turnos de votação, terá de passar ainda pela Câmara – primeiro por uma comissão especial e depois pelo plenário.
Fila. Levantamento feito pelo Broadcast Político indica que há nas duas Casas Legislativas 18 iniciativas em tramitação que discutem mudanças no foro especial, 12 delas na Câmara e seis no Senado. Entre as propostas há as que extinguem o foro privilegiado para todas as autoridades, as que acabam com a prerrogativa para parlamentares e ainda as que sugerem mudanças na forma de julgamentos.
Álvaro Dias conversou com Eunício sobre a possibilidade de incluir a matéria na pauta do plenário. Nos bastidores, no entanto, o presidente do Senado tem tido dificuldades para colocar o assunto em análise por causa da “pressão interna”.
A avaliação reservada na Casa é de que, se o tema for pautado, dificilmente deixará de ser aprovado numa votação aberta. “Mesmo sendo contra, ninguém terá coragem de votar assim”, afirmou um senador.