Valor econômico, v. 17, n. 4195, 14/02/2017. Política, p. A8

À moda Trump, mas nem tanto

Por: Raymundo Costa

 

Dizem auxiliares diretos de Temer que a "entrevista" do presidente, ontem, no Palácio do Planalto, é o novo padrão da comunicação social, no qual o chefe do governo vai falar mais e se posicionar sobre os assuntos relevantes da conjuntura.

Afirmam que o presidente vai falar sempre "para definir as regras e defender o que for necessário para a retomada do crescimento econômico". A ideia é que o governo precisa "trabalhar, mobilizar toda a sua energia para as questões econômicas capazes de produzirem aumento do emprego e renda".
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Ontem o assunto foi a Lava-Jato, diante de notícias de que o governo articula uma operação-abafa. O presidente precisava vir a público e "defender a continuidade da Lava-Jato, como procedeu no caso do mensalão, mas sem perder de vista que a tarefa do executivo é governar, tirar o Brasil da maior crise econômica da nossa história".(...)

Há meses auxiliares de Temer discutem uma nova forma de o presidente se comunicar. A intervenção no debate de assuntos quentes da conjuntura seria uma tendência mundial, exigência dos novos tempos, quando a rápida propagação de notícias requer o posicionamento do presidente sobre assuntos que mobilizam a sociedade. Diretamente ou por outros meios, como as redes sociais. O porta-voz só já não bastaria.

Nessas discussões, o estilo do presidente de Donald Trump entrou na roda. Mas não se pensa em nada parecido às suas intervenções no Twitter para Temer. Longe disso. As redes sociais devem sim ser usadas, "se necessário" e com muito mais parcimônia.

Entre os auxiliares que discutiram a comunicação do governo antes das recentes mudanças na configuração do Planalto está Moreira Franco, atualmente na Secretaria-Geral da Presidência, o sujeito não tão oculto da primeira manifestação presidencial de ontem. Não por acaso, o presidente falou sobre a situação no governo dos ministros citados na Lava-Jato, antes de o ministro Celso de Mello anunciar sua decisão sobre o pedido de afastamento de Moreira do cargo.

Bem ou mal, Temer estabeleceu um critério para a permanência ou demissão dos ministros delatados na Lava-Jato. Grosso modo, sai apenas quem virar réu. Não basta ser citado por um delator, nem a denúncia ser oferecida pelo Ministério Público ao Supremo, caso em que o ministro em questão será afastado temporariamente. Como não respondeu a perguntas, o presidente deixou dúvidas no ar.

Uma delas diz respeito a ministros ou eventuais candidatos a ministro processados por outros motivos. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, por exemplo, já está indiciado em inquérito da Lava-Jato, o que não bastaria para impedi-lo de ser ministro de Temer. Mas também já é réu em um processo que não tem origem nas investigações de Curitiba. Poderia ser ministro?

A condição de mencionado nas delações, de fato, não tira da pessoa nenhum direito. Para apresentar uma denúncia o Ministério Público analisa se a delação tem outros elementos de prova. Há um longo caminho até o indiciamento. Se a pessoa se torna réu, evidentemente é um inconveniente para o governo, deve sair mesmo que não venha a ser mais tarde condenado.

O Supremo Tribunal Federal não aceita denúncias levianamente, o que é raro mesmo nas instâncias inferiores. No caso de Moreira Franco há muita fumaça e pouco fogo. Se for denunciado - e afastado do cargo -, perde imediatamente o foro privilegiado. O ministro sai e o STF remete os autos para o juiz de primeira instância.

O foro de ministros sem mandato parlamentar não parece ser o verdadeiro problema. O grande instrumento da impunidade é o foro privilegiado de deputados e senadores. O ministro sem mandato que é denunciado sai e é julgado na primeira instância; já o parlamentar não perde o privilégio. Só quando expira o mandato. E antes disso ainda pode ser candidato novamente, a menos que seja condenado por um colegiado e cair na Lei da Ficha Limpa.

Para efeito de raciocínio, aceitando-se que o Supremo deva efetivamente julgar algo em torno de 50 parlamentares, entre os mais de uma centena dos citados nas delações, os processos só estarão em condições de ser julgados em dez anos ou mais. Isso se um bom numero de juízes-auxiliares for chamado para ajudar na empreitada. A ameaça à Lava-Jato mora ao lado, bem ao lado

Temer poderia ter esclarecido muitas dúvidas sobre suas posições, não apenas sobre a Lava-Jato, se não tivesse adotado o tom imperial de Dilma Rousseff, sem direito a perguntas. Poderia até ter se antecipado a um tema que vai incomodar seu governo nos próximos dias: censura!

O aumento da tensão entre a área política do governo e a equipe econômica é mais visível no Congresso. Na semana passada, por exemplo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fechou o acordo em torno do texto a ser apresentado pelo relator Alexandre Baldy (PTN-GO) que permitirá a abertura de uma segunda rodada da repatriação. Além dos deputados, participaram da reunião advogados de clientes interessados na matéria. Mas nenhum representante do Ministério da Fazenda ou da Secretaria da Receita Federal, partes interessadas no texto, esteve presente. O acordo em curso na Câmara tem o pressuposto da sanção do presidente da República, Michel Temer. Também não é a primeira vez que a área econômica sente-se excluída das negociações parlamentares, principalmente quando se trata de fazer bondades na área tributária.

Registro feito no Palácio do Planalto: o déficit das contas públicas bateu em R$ 150 bilhões; o da Previdência, em R$ 147 bilhões. Ou seja, o déficit seria administrável, não fosse o buraco da Previdência. São déficits gêmeos. É argumento a ser usado em favor da reforma previdenciária, que a cada dia parece de mais difícil aprovação pelo Congresso que a reforma trabalhista.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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ISENÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A ENTIDADES FILANTRÓPICAS É ALVO DE RELATOR

Por: Raphael Di Cunto e Edna Simão

 

O relator da PEC da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Arthur Maia (PPS-BA), quer retirar ou, pelo menos, diminuir a isenção das entidades filantrópicas sobre as contribuições previdenciárias. O alvo é principalmente a imunidade para instituições de ensino, que somará R$ 4,5 bilhões em 2017.

Em troca da concessão de bolsas e serviços à população - nem sempre comprovados -, essas entidades não pagam a parte do empregador referente as contribuições previdenciárias, diminuindo o volume de receitas do sistema. São beneficiadas por esse instrumento desde creches até institutos de ensino superior.

O mesmo vale para filantrópicas de saúde (R$ 6,8 bilhões) e de assistência social (R$ 1 bilhão), que também terão o benefício rediscutido - embora, neste caso, o relator veja maior dificuldade de cortar completamente e avaliará um calendário mais gradual. Ele preparou requerimentos de informação e solicitará hoje audiências públicas para debater o assunto e tentar ganhar o apoio dos deputados a proposta.

Esses ajustes devem ser inseridos no relatório que será apresentado à comissão especial da Câmara até o fim de março e votadoem abril. O governo pretende aprovar a reforma ainda no primeiro semestre, mas internamente já considera a possibilidade de todo o processo ser finalizado em agosto ou setembro.

Encaminhada em dezembro, a proposta já prevê o fim da isenção para empresas exportadoras de produtos agrícolas. Essa ideia enfrenta resistência dos ruralistas. Maia, no entanto, quer ir além e defende uma restrição também para as filantrópicas.

Segundo estimativas da área econômica, em 2016, o governo deixou de arrecadar R$ 55,1 bilhões de contribuição previdenciária. Somente com as filantrópicas, a renúncia foi de R$ 11 bilhões - a estimativa é de R$ 12,5 bilhões para este ano. No caso das exportadoras, foi de R$ 6,5 bilhões no ano passado.

"É verdade que a Previdência é deficitária, porque o que é arrecadado não cobre todos os pagamentos. Mas, por outro lado, há muitas bondades que precisam ser discutidas", afirma Maia. Para o relator, existem instituições sérias, mas muitas filantrópicas na verdade atuam com finalidades políticas - como entidades que prestam serviço assistencial e que servem como cabos eleitorais de parlamentares. "É uma questão que vamos enfrentar."

A ideia é que a PEC vede esses benefícios, segundo Maia, e que o governo edite medida provisória ou encaminhe um projeto de lei complementar - o modelo ainda é estudado - para regulamentar como se daria o fim das isenções.

O relator também avalia a possibilidade de rever o patamar das isenções do Simples Nacional, cuja renúncia do governo em 2016 chegou a R$ 20,627 bilhões, e de associações de desporto e culturais - estes, porém, precisam ser tratados por projetos de lei. Com essas mudanças no campo da receita, seria possível flexibilizar pontos da proposta do governo, embora assuntos como aidade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres sejam tratados "inegociáveis" no Executivo.

Uma das mudanças estudadas pelo relator é instituir regra especial para aposentadoria de quem exerce atividade de risco, como policiais civis e federais que atuam em ações externas. Seria diferente da regra que vigora hoje, em que os benefícios valem para toda a categoria, mesmo para aqueles em funções burocráticas. O diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, se reuniu com Maia na sexta-feira e ficou de encaminhar uma proposta.

Para o governo, esses ajustes nas imunidades tributárias ajudariam na melhora da arrecadação da previdência. Mas a preocupação é evitar mudanças na estrutura do projeto como, por exemplo, a redução da idade mínima. Até porque técnicos da equipe econômica têm passado a mensagem de que, independente de medidas que alavanquem receitas, é preciso iniciativas que reduzam o gasto para que a despesa previdenciária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) se estabilize em 8%, garantindosustentabilidade no pagamento de aposentadorias e pensões no médio e longo prazos. O déficit da Previdência somou R$ 151,9 bilhões em 2016 e a estimativa para 2017 é que ultrapasse R$ 180 bilhões.

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Nomeação de defensora de pedaladas divide Senado

Por: Vandson Lima

 

Criada para ser um órgão fiscalizador das contas públicas, que alerte o Congresso Nacional sobre manobras como as pedaladas fiscais, a Instituição Fiscal Independente (IFI) vive um impasse: ainda incompleta, a IFI pode vir a ter em sua composição justamente uma das maiores defensoras da política econômica do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, cujas práticas levaram ao impeachment.

Tendo seu diretor-executivo, Felipe Salto, nomeado em novembro pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a IFI já está funcionando - seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) divulgado no início do mês apontou que o governo terá que fazer um corte de gastos da ordem de R$ 38,9 bilhões, equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), para atingir a metafiscal de 2017.

As outras duas vagas no Conselho-Diretor, no entanto, ainda não foram preenchidas. Cabe às comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Meio Ambiente e Fiscalização e Controle (CMA) as indicações. O PT, que comandava a CAE no ano passado, alega ter feito um acordo com Renan para que Esther Dweck, que chefiou a Secretaria de Orçamento Federal (SOF), fique com uma delas.

Só que Esther foi uma das maiores defensoras da contabilidade criativa engendrada pelo governo Dilma, inclusive sendo testemunha de defesa da ex-presidente no processo de impeachment. A possível nomeação causa apreensão em parlamentares e técnicos do Senado. Em que pese a boa qualificação de Esther, doutora em economia, sua ligação à equipe econômica responsável pelas pedaladas é vista como um risco aos princípios formadores da instituição.

O problema ganhou tal volume que até José Serra, atual ministro de Relações Exteriores e entusiasta da IFI, foi acionado para buscar uma solução. Aos tucanos, Renan garante que não há acordo algum com os petistas, apurou o Valor. A CAE e a CMA estarão este ano sob o comando, respectivamente, de Tasso Jereissati (CE) e Ataídes Oliveira (TO), ambos do PSDB. Procurado,Renan e sua assessoria não atenderam ou retornaram os contatos.

"Nós poderíamos ter indicado a Esther ainda no ano passado, mas acreditamos na palavra do Renan e deixamos para este ano. Para nós, o acordo está de pé", afirmou a líder do PT e ex-presidente da CAE, Gleisi Hoffmann (PR).

Se não conseguir indicar Esther para a IFI, o PT sofrerá seu terceiro revés seguido só neste início de ano no Senado. Após fazer um acordo e liberar sua bancada para votar em Eunício Oliveira (PMDB-CE) para a presidência da Casa - o que permitiu à sigla compor a Mesa-Diretora, ocupando a primeira-secretaria - o PT vislumbrava comandar a Comissão de Assuntos Sociais (CAS), por onde tramitará, entre outras propostas, a Reforma da Previdência encaminhada pelo presidente Michel Temer.

Mas Renan, líder do PMDB, prometeu o cargo a Marta Suplicy (SP) para tirá-la da disputa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que fará a sabatina de Alexandre de Moraes, indicado a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Aliado de Renan, Edison Lobão (PMDB-MA) venceu a disputa interna pela CCJ.

Sem a CAS, o PT pediu a presidência da Comissão de Relações Exteriores (CRE), na qual poderia questionar indicados por Serra às embaixadas. "Fomos avisados que a base governista apresentaria uma candidatura alternativa. Como eles são maioria, fatalmente seríamos derrotados", conta Gleisi.

Serra esteve na semana passada no Senado, em visita a Eunício. Fernando Collor (PTC-AL), representando o bloco moderador (PR, PTB, PSC e PRB), é o mais cotado para estar à frente da CRE.

Restou ao PT o comando de duas comissões de menor capilaridade: Direitos Humanos (CDH) e Desenvolvimento Regional (CDR).

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Segunda rodada da repatriação tem alta chance de aprovação

Por: Raphael Di Cunto

 

A Câmara dos Deputados pautou quatro projetos com alta ou muita alta chance de aprovação nos próximos 180 dias, segundo levantamento do grupo Estudos Legislativos e Análise Política do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap/Ello) para oValor Política. O Senado também tem agenda, mas nenhuma das propostas aparece com maior probabilidade de se tornar uma lei em seis meses.

Um dos destaques é o projeto do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) que altera as normas para contratação de consórcios públicos. Se a lei, que tem alta chance de aprovação, for sancionada, essas entidades terão que observar a legislação sobre licitações, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regida pela CLT. Hoje, apenasconsórcios de direito privado têm que respeitar essas regras.

Também com alta probabilidade de aprovação estão o projeto que abre uma segunda rodada do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), conhecida como repatriação, e a proposta de aprimoramento das regras de governança dasentidades fechadas de previdência complementar, dando aos trabalhadores mais controle sobre a gestão dos investimentos feitos por seus fundos de pensão de órgãos públicos.

Na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) consta ainda o projeto de lei que proíbe a Anvisa de vetar a produção e comercialização de inibidores de apetite. A matéria tem probabilidade de aprovação muito alta, mas, para ser votada, depende ainda da instalação das comissões, o que só deve ocorrer em março.

Ao todo, 14 projetos com impacto econômico estão na pauta do Legislativo desta semana para votação em plenário ou conclusiva nas comissões (quando dispensa análise pelo plenário). A projeção sobre o potencial de virarem leis é feita com base em um modelo estatístico que considera o histórico de votações do Legislativo desde 1988.

Decisão Legislativa é um serviço exclusivo, desenvolvido em parceria com o Cebrap/Ello, para acompanhar o processodecisório no Congresso Nacional sobre temas relevantes para a economia.