Perdida mas registrada

Joana Monteiro 

06/02/2017

 

 

A violência letal é uma tragédia do Rio de Janeiro e do Brasil. Foram 5.647 vítimas no estado em 2016, o equivalente a 15 por dia. No Brasil, são sete mortes a cada hora.

O Instituto de Segurança Pública (ISP) tem focado esforços no estudo da letalidade violenta e dos crimes com uso de arma de fogo no estado. Passamos a georreferenciar todos os crimes registrados pela Polícia Civil e construímos, com a doação de empresários, a plataforma ISPGeo, que disponibiliza diariamente essas informações para as polícias Civil e Militar, de modo a subsidiar a definição das melhores estratégias de combate ao problema. No ISP, há ainda o Núcleo de Qualificação de Estatísticas de Mortes Por Causas Externas, iniciativa pioneira no país para equalizar dados da Saúde e da Segurança Pública e garantir que todas as mortes violentas sejam contabilizadas.

No meio desses esforços, há a demanda recorrente para que seja contabilizado o número de casos de bala perdida. O desafio é que muitas vezes não é trivial identificar se dado evento foi ou não um caso de bala perdida, dependendo de posteriores investigações policiais. No passado, o ISP fazia um levantamento sobre o assunto baseado no uso da palavra-chave “bala perdida” na descrição do evento, o que não é capaz de identificar corretamente a ocorrência desses casos. Em texto de Opinião publicado pelo GLOBO em 26 de janeiro, sugere-se que o fim dessa contabilização indica uma ação deliberada para encobrir o problema. Não é disso que se trata. Não estamos escondendo os casos. Todas as vítimas fatais de balas perdidas são contabilizadas pelo ISP entre os casos de homicídio.

O ISP também não deixou de priorizar o problema, e entende que a melhor forma de combatê-lo é conhecer a dinâmica da violência armada em cada região, tenha sido ou não uma bala perdida a causa do óbito ou da lesão da vítima.

Assim, avançamos na resposta a algumas perguntas. Quais locais concentram o maior número de mortes no estado? Quais as principais causas desses crimes? Um primeiro estudo realizado por analistas do instituto indica que o envolvimento com o tráfico, a intervenção legal e os motivos fúteis (brigas, discussões, cobranças de dívidas), somados, foram responsáveis por metade das mortes violentas na Região Metropolitana do estado em 2014. Latrocínio representou cerca de 5% dos casos, e as balas perdidas, 1%. Cerca de 80% das vítimas foram mortas por arma de fogo. Sobre os locais onde ocorrem mais mortes, outro estudo do ISP mostra que 50% dos homicídios na região metropolitana em 2015 ocorreram em apenas 1,2% do território da região, revelando um padrão de concentração similar a outras cidades do mundo e indicando áreas que devem ser priorizadas em uma política de prevenção.

Instituição reconhecida por sua seriedade e pela credibilidade de suas estatísticas, o ISP está atento à justa preocupação da população fluminense com o grave problema das balas perdidas e continuará a desenvolver esforços para ajudar os órgãos de segurança a alcançar seu objetivo primordial: a preservação da vida.

*Joana Monteiro é diretora-presidente do Instituto de Segurança Pública

 

O globo, n. 30499, 06/02/2017. Artigos, p. 15