O Estado de São Paulo, n. 45052, 21/02/2017. Política, p. A6
Para PF, Dilma, Lula e Mercadante agiram contra a Lava Jato
 
Fausto Macedo
Fabio Serapião

 

A Polícia Federal atribui aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff crime de obstrução de Justiça e ao ex-ministro Aloizio Mercadante os crimes de tráfico de influência e também por obstrução de Justiça.

Em relatório de 47 páginas, o delegado da PF Marlon Oliveira Cajado dos Santos, do Grupo de Inquéritos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, sugere que os três sejam denunciados criminalmente, mas na primeira instância – Justiça Federal no Distrito Federal – porque os petistas não detêm foro privilegiado na Corte.

O documento sobre a conclusão do inquérito foi encaminhado na sexta-feira passada ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, e ao procurador- geral da República, Rodrigo Janot. Formalmente, a PF não indiciou Lula, Dilma e Mercadante, mas sustenta que “o conjunto probatório é suficiente”. O teor do relatório foi antecipado pelo portal estadão.com.br.

Para a PF, ao nomear Lula ministro- chefe da Casa Civil, em março de 2016, a então presidente e seu antecessor – que com a medida ganharia foro privilegiado no Supremo e, na prática, escaparia de ser julgado pelo juiz federal Sérgio Moro – provocaram “embaraço ao avanço da investigação da Operação Lava Jato”.

A conclusão da PF ocorreu na mesma semana em que o ministro Celso de Mello, do STF, deu aval para a nomeação de Moreira Franco – citado na delação da Odebrecht – para a Secretaria- Geral da Presidência do governo Michel Temer. Na época, a nomeação de Lula, alvo da Lava Jato, foi barrada pelo ministro do STF Gilmar Mendes.

No caso de Mercadante, a investigação foi baseada na gravação de uma conversa dele com Eduardo Marzagão, ex-assessor do senador cassado Delcídio Amaral (ex-PT-MS). A PF sustenta que Mercadante provocou “embaraço à colaboração premiada do ex-senador”.

O inquérito concluído agora foi aberto para investigar simultaneamente três capítulos da operação: o teor da conversa gravada entre Mercadante e Marzagão, ocorrida em 28 de dezembro de 2015 – 33 dias após a prisão de Delcídio; a nomeação de Lula para o cargo de ministro- chefe da Casa Civil do governo Dilma; e a indicação do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para o Superior Tribunal de Justiça, episódio envolvendo o ex-presidente da corte Francisco Falcão.

Desmembramento. Com relação aos ministros do STJ, o delegado sugere desmembramento dos autos porque ambos desfrutam de foro no Supremo. A nomeação de Navarro para o STJ teria sido resultado de um plano, segundo a delação de Delcídio, para favorecer o empreiteiro Marcelo Odebrecht, preso desde 19 de junho de 2015.

Na parte da investigação que cita Navarro e Falcão, o delegado da PF pretendia ouvir Marcelo Odebrecht e o ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Azevedo, além de Delcídio e Diogo Ferreira, que trabalhou no gabinete do senador cassado.

Mas, com os desdobramentos da delação do ex-presidente da Odebrecht, Marlon Cajado considerou oportuno aguardar que se dê publicidade às revelações do empreiteiro. Ao se referir especificamente a Mercadante e à gravação, a PF diz: “Os conteúdos das conversas são reveladores”. Os diálogos foram gravados por Marzagão. Na ocasião, Delcídio já indicava que pretendia fazer uma delação premiada.

Prisão. O senador cassado foi preso em flagrante no dia 25 de novembro de 2015, por ordem do Supremo, sob acusação de tentar comprar o silêncio do exdiretor da Petrobrás Nestor Cerveró (Internacional). No relatório, o delegado Cajado afirma que Mercadante “atuou de forma consciente para prejudicar acordo de colaboração premiada de Delcídio do Amaral”. A PF é taxativa ao apontar a “existência da materialidade do crime de tráfico de influência”.

Sobre Lula e Dilma, o delegado fala em “indícios de materialidade e autoria”. “No tópico ‘embaraço à investigação mediante a nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil da Presidência da República’, também acreditamos haver suficientes indícios de materialidade e autoria do crime previsto no artigo 2.º, parágrafo 1.º, da Lei 12.850/2013 atribuível à Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que ambos, de forma consciente, impuseram embaraços ao avanço das investigações da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Lula em razão da sua nomeação para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República”, escreveu Marlon Cajado.

A PF diz que, com relação aos ex-presidentes, “a nomeação de Lula caracteriza obstrução de Justiça”. “O conjunto probatório (contra Dilma, Lula e Mercadante) foi suficiente.” O delegado sugere o declínio da competência dessa parte do inquérito para a Justiça Federal do Distrito Federal (primeira instância judicial). E recomenda, ainda, a continuação das investigações sobre os ministros do STJ Marcelo Navarro e Francisco Falcão, mas na alçada do STF.

 

‘Consciente’

“Ambos (Lula e Dilma), de forma consciente, impuseram embaraços ao avanço das investigações da Lava Jato contra o ex-presidente em razão da sua nomeação para o cargo de ministro da Casa Civil.”

Marlon Cajado dos Santos

DELEGADO DA PF

 

 

UM ANO DEPOIS

Dilma Rousseff

A petista foi derrotada no processo de impeachment, em 31 de agosto, por 61 votos a 20. O então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, decidiu desmembrar a votação no plenário do Senado e ela manteve seus direitos políticos. Dilma afirmou que pode se candidatar à Câmara ou ao Senado.

 

Luiz Inácio Lula da Silva

O ex-presidente é réu em cinco ações penais – duas delas referentes a inquéritos da Operação Lava Jato. Em diversos eventos públicos, o petista tem indicado que pretende entrar novamente na disputa presidencial. Segundo recente pesquisa CNT/MDA, Lula lidera em todos os cenários.

 

Aloizio Mercadante

Ministro da Ciência, da Educação (em dois períodos) e da Casa Civil durante a gestão Dilma, o petista, que já foi deputado federal, senador e professor da Unicamp, se aposentou em julho do ano passado. Atualmente, se dedica a montar uma fundação de estudos em Educação em Brasília.

 

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas

Então desembargador, o ministro do Superior Tribunal de Justiça foi indicado para a vaga por Dilma Rousseff em agosto de 2015, apesar de ter ficado em segundo lugar na votação interna para formação de lista tríplice encaminhada à então presidente. Navarro continua ministro do STJ.

 

Delcídio Amaral

Em março do ano passado, o Supremo homologou acordo de delação premiada de Delcídio, que teve o mandato de senador cassado por seus colegas em maio. Em julho, Delcídio se tornou réu por tentar obstruir a Lava Jato. Ele prestou depoimento em Brasília, na semana passada.

 

Nestor Cerveró

O ex-diretor da Petrobrás deixou a carceragem da PF em Curitiba em junho para cumprir prisão domiciliar no Rio. Em uma ação, já foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 12 anos, 3 meses e 10 dias. Teve a pena aumentada em dezembro para 27 anos e 4 meses.

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Defesas citam decisão de Celso de Mello

 

As defesas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente cassada Dilma Rousseff citaram a recente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello sobre a manutenção da nomeação de Moreira Franco como ministro para contestar o relatório da Polícia Federal que atribui aos petistas crime de obstrução de Justiça.

Para a advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, a conclusão da PF “é desprovida de qualquer fundamento jurídico e incompatível” com a decisão do decano do STF. “Celso de Mello foi claro em sua decisão ao afirmar que ‘a investidura de qualquer pessoa no cargo de ministro de Estado não representa obstáculo algum a atos de persecução penal que contra ela venham eventualmente a ser promovidos’”, declarou.

Segundo Martins, esse entendimento “não vale para Lula, que foi impedido de exercer o cargo de ministro de Estado a despeito de preencher todos os requisitos previstos no artigo 87 da Constituição Federal”.

“Agora, um agente policial pretende transformar em crime um ato de nomeação que cabia privativamente à então presidente Dilma Rousseff. Para chegar a tal conclusão, o agente público deixou de apresentar qualquer fundamento jurídico.” O advogado também questionou a acusação contra Lula relativa à suposta compra do silêncio do ex-diretor Nestor Cerveró.

“O próprio Cerveró desmentiu qualquer ação do ex-presidente no sentido de retardar sua delação”, afirmou. O criminalista Alberto Zacharias Toron, que representa Dilma, disse que “o ministro Celso de Mello proferiu uma decisão validando a nomeação do ministro Moreira Franco como ministro e nisso não se interpretou como obstrução de Justiça”. “Não se pode dizer que a nomeação de alguém ao cargo de ministro, dando-lhe prerrogativa de foro, representa obstrução de Justiça”, declarou Toron.

‘Opinião’. Para o advogado de Dilma, o relatório da PF “tem caráter burocrático-administrativo” e “apenas externa a opinião de um delegado”. “Vejamos o episódio onde se apura possível obstrução de Justiça da parte do ex-senador Aloizio Mercadante. Ele foi conversar com um assessor do ex-senador Delcídio. A presidente Dilma só soube depois dessa conversa.

Ou seja, ela não teve nenhuma participação, não pediu (para Mercadante falar com o assessor de Delcídio), não o encorajou, nada, e mesmo assim o delegado pede o indiciamento da presidente Dilma.” A defesa de Aloizio Mercadante disse que o ex-ministro “recebeu com surpresa a manifestação policial”. “Os diálogos não retratam qualquer tentativa de obstrução da Justiça, mas um gesto de apoio pessoal.” “Mercadante reafirma que jamais intercedeu junto a qualquer autoridade para tratar deste tema. Reitera que confia na Justiça e no Ministério Público Federal, colocando-se à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos necessários”, disse, em nota, o advogado Pierpaolo Bottini. A defesa do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas não foi localizada.