Valor econômico, v. 17, n. 4194, 13/02/2017. Política, p. A6

Voto tucano consolida maioria de Michel Temer no Legislativo

Projetos de impacto popular serão grande teste do governo

Por: Raymundo Costa

 

O governo Temer dispõe de maioria sólida no Congresso, conta com o apoio predominante do PSDB e praticamente eliminou a disputa que havia no PMDB entre as bancadas da Câmara e do Senado. A forte coalizão governista, no entanto, ainda precisa ser testada em votações que envolvam direitos como o aumento da idade mínima para a aposentadoria. Até agora o governo foi vitorioso em matérias que parecem distante do dia a dia das pessoas, como a proposta que estabeleceu um teto para os gastos públicos ou a que tirou da Petrobras a exclusividade do controle de exploração de poços da camada pré-sal.
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Amplamente vitorioso, como revela um minucioso estudo da Secretaria de Governo da Presidência da República sobre a votação de 121 propostas votadas no governo Michel Temer, entre maio e dezembro de 2016. Levantamento feito a partir do monitoramento que o Palácio do Planalto faz de cada votação do Congresso, o que lhe permite saber tudo o que se passa na base aliada: como vota cada deputado ou senador ou se ele é ausente ou presente. Se um aliado constante de repente passa a votar contra, o Planalto detecta e tenta resolver o problema - seja a audiência com um ministro relutante, um cargo que demora a sair ou a liberação de emendas.

Neste quesito, o governo Temer fala a linguagem do Congresso. "Mesmo com restrição fiscal, o pagamento das emendas parlamentares está em dia", diz Antonio Augusto Queiroz, diretor de pesquisa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), órgão que dispõe de um sistema próprio de acompanhamento das votações. "O governo pagou os anos anteriores e está concluindo o pagamento das emendas aprovadas em 2016", disse. O esforço parece estar dando certo.

De acordo com o levantamento da Secretaria de Governo, ao qual O Valor teve acesso com exclusividade, 44,95% da base aliada na Câmara, no total de 196 deputados, apoiou o governo em mais de 70% das votações na Câmara dos Deputados, enquanto outros 34,86% (152 deputados) marcharam com o Palácio do Planalto em mais de 50% das votações. Na soma são 348 deputados (o levantamento considera todos os que votaram, inclusive suplentes eventualmente convocados), número mais que o suficiente (308 votos) para a aprovação de emenda constitucional, caso da reforma da Previdência.

O apoio é maior no Senado, onde 61,33% dos integrantes da base aliada (46 senadores) votaram com o governo em mais de 70% das propostas levadas ao plenário, no período. Outros 24% (18 senadores) disseram sim a Temer em mais de 50% das vezes. O que os números mostram é uma maioria bem mais consistente do que a divulgação do total de votos a favor, ao final de cada votação na Câmara ou no Senado.

Queiroz tem mais de uma explicação para o fenômeno. Atento observador da cena congressual desde a Constituinte, o diretor do Diap chama a atenção, em primeiro lugar, para o fato que, no governo Dilma Rousseff, a base era uma coalizão heterogênea do ponto de vista ideológico e havia muito mais disputa dentro do governo. Os deputados e senadores que hoje estão na base de Temer estavam na base de Dilma por conveniência. O apelo do governo é sempre muito forte.

"Hoje há mais identidade ideológica e a esquerda não tem expectativa de poder", diz Queiroz. "Então o cara não vai marchar contra um governo que lhe trata bem, não fere seus princípios". Dilma tratava de assuntos de difícil digestão para partidos de centro ou controlados por denominações cristãs, católicas ou evangélicas, como o aborto.

Por outro lado, diminuiu a tensão entre a Câmara e o Senado, tanto que Temer tem dado prioridade à nomeação de deputados para o ministério, sem grande reação dos senadores. Talvez porque grande parte dos senadores estejam envolvidos em processos, uma dezena deles na Lava-Jato, e por esse motivo, no momento, preferem não se expor. A Lava-Jato, na opinião de Queiroz, é outro motivo de aglutinação em torno do governo. "Hostilizados pela opinião pública, eles não tem nada a ganhar ficando contra o governo. Ficam até fiscalistas e liberais".

Neste aspecto, um dentre muitos detalhes registrados pelo levantamento da Secretaria de Governo chama a atenção: o PSDB é o partido mais afinado com as propostas reformistas do governo Temer. Basta verificar que, na Câmara dos Deputados, enquanto o PMDB contribuia com apenas 47% do apoio em mais de 70% das propostas, os tucanos entraram 52,8% do apoio. A cor do PSDB tinge também o Senado - resta saber reagirá a base do Senado ao avanço da Lava-Jato sobre a Casa. Esse é um desafio para a base. O outro é como deputados e senadores, num ano pré-eleitoral, responderão quando forem chamados a votar medidas que mexem com direitos objetivos.

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Fechada proposta para segunda rodada de repatriação

Por: Raphael Di Cunto

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), advogados e o relator do projeto, deputado Alexandre Baldy (PTN-GO), fecharam em reuniões ao longo da semana o texto que deve ser votado nos próximos dias com a abertura de uma segunda rodada do programa de regularização de bens e ativos mantidos ilegalmente no exterior.

A proposta, antecipada pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, na sexta-feira, prevê pontos polêmicos: permissão para que quem aderiu na primeira rodada, mas não declarou todos os bens ou não pagou o imposto, participe da segunda fase; possibilidade de retificação de omissões na declaração, sem exclusão automática do programa; manutenção da permissão para que parentes de políticos possam regularizar dinheiro mantido no exterior.

Caso aprovadas as alterações, o texto terá que voltar ao Senado, a quem caberá dar aval ou rejeitar as mudanças realizadas. Segundo Baldy, está se buscando mais segurança jurídica para garantir que quem aderir não correrá risco de acabar preso com base em brechas na lei. Esse medo, disse, fez com que muitos deixassem de participar da primeira rodada.

Na primeira fase, concluída em outubro, o governo arrecadou R$ 45 bilhões com a adesão de 25.011 pessoas físicas e 103 empresas, mas a meta era chegar a no mínimo R$ 50 bilhões. Com a segunda rodada, o Executivo já incluiu previsão de receita de R$ 10 bilhões no Orçamento de 2017, mesmo com o texto ainda em fase inicial de tramitação.

O programa, que ficou conhecido como "repatriação", embora a maioria dos participantes tenha optado por manter o dinheiro no exterior, permite a anistia de crimes como sonegação fiscal e correlatos para aqueles que admitirem possuir dinheiro ou bens fora do país que não estão declarados à Receita Federal. Em troca da regularização, a pessoa ou empresa pagará 35% de imposto de renda e multa, que será destinada ao caixa da União, Estados e municípios.

O parecer acertado esta semana tentará resolver o problema de 161 pessoas físicas e 7 empresas que informaram possuir recursos não declarados no exterior, mas não completaram todo o procedimento e deixaram de pagar R$ 4,1 bilhões em impostos e multas. Como a lei original não previa essa situação, esse grupo ficou sem a anistia e está sujeito a procedimentos de fiscalização e sanções criminais no futuro.

"Vamos permitir que quem participou da primeira fase possa aderir novamente, e, pagando imposto e multa, ficará anistiado dos crimes", informou o relator. Isso valerá, disse, para quem deixou algum bem de fora da primeira rodada ou para quem informou os ativos, mas não concluiu o processo da primeira vez.

Para dar mais segurança a quem aderir, o relator fará uma mudança que provocou polêmica com a Receita Federal na primeira rodada da repatriação: impedir que erros na declaração identificados pelos auditores levem à exclusão automática do programa, o que faria a pessoa ou empresa perder a imunidade e poderia até levar a prisão.

A Receita defendeu na primeira versão da lei que a possibilidade de retificação estimula a impunidade, na medida em que omissões, propositais ou não, não teriam maiores punições.

O projeto agora dirá que a Receita poderá cobrar o participante pela omissão, com as mesmas multas previstas para quem cometer irregularidades na declaração do Imposto de Renda. Caso o valor seja quitado, será extinta a punibilidade dos crimes cometidos pela sonegação dessas informações adicionais. Do contrário, a pessoa ou empresa ficará sujeita a outras punições.

A retificação é necessária, afirma Baldy, porque o parecer manterá a movimentação financeira dos cinco anos anteriores como a regra para cobrança. Esse modelo, conhecido como "filme", pode levar a divergências entre a declaração e a Receita, e a exclusão automática impediria a correção. O relator e Maia chegaram a defender, na primeira rodada, que fosse usada a "foto" - o saldo dos bens em um dia específico -, mas optaram por manter a versão da Receita.

O texto também será modificado para deixar explícito que haverá anistia penal, tributária e regulatória para quem fizer a declaração e impedir que ocorra a bitributação de doações e heranças. Na primeira rodada, a Receita cobrou imposto e multa de quem doou e de quem recebeu. Agora, só um dos dois será obrigado a pagar.

Por outro lado, o parecer manterá a permissão para que parentes de políticos com mandato eletivo regularizem bens e ativos mantidos no exterior. A vedação inicial foi aprovada, excluindo detentores de cargos eletivos e seus parentes do programa, quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso, presidia a Câmara e era suspeito de receber propina no exterior.

Relator do projeto no Senado e também investigado na operação Lava-Jato, o líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), articulou para que políticos continuassem vedados, mas que a participação dos parentes fosse liberada. Baldy diz que esse ponto terá que ser discutido melhor com os líderes, mas que, a princípio, permanecerá o texto do Senado.

Também permanecerão iguais o prazo de adesão de 120 dias, aberto um mês após a publicação da lei, o valor do imposto e multa cobrado, de 35%, e a data de corte (será aceito na declaração o patrimônio que estava mantido ilegalmente no exterior até 30 de junho de 2016). Essa data também servirá como referência para o câmbio da operação, de R$ 3,21.

Embora o relatório esteja pronto para escrutínio do plenário, a votação dependerá de fatores mais políticos. Conforme relevou o Valor, o presidente da Câmara pressiona o presidente Michel Temer a tirar André Moura (PSC-SE), seu desafeto, da função de líder do governo na Câmara para colocar no lugar o líder do PP, Aguinaldo Ribeiro (PB). Até a mudança, pouca coisa de interesse do Palácio do Planalto deve andar em plenário.