Valor econômico, v. 17, n. 4194, 13/02/2017. Política, p. A7

AGU quer 'encontro de contas' com Ministério Público

Após acordo de leniência da Odebrecht, força-tarefa pediu desbloqueio dos bens da empreiteira

Por: Murillo Camarotto

 

A Advocacia-Geral da União (AGU) quer fazer um "encontro de contas" com o Ministério Público Federal (MPF) acerca dos valores que a Odebrecht terá que devolver aos cofres públicos a título de ressarcimento pelos desvios identificados na Operação Lava-Jato. O objetivo é que o acordo de leniência firmado pela empreiteira com o MPF contemple a quantia que a AGU cobra da Odebrecht em uma ação civil de improbidade administrativa.
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Em novembro do ano passado, a AGU obteve uma liminar judicial que bloqueou R$ 2,1 bilhões da Odebrecht, da OAS e dos ex-executivos Léo Pinheiro (OAS) e Renato Duque (Petrobras). Principais afetadas, as duas empreiteiras foram condenadas a depositar judicialmente o valor correspondente a 3% de suas receitas mensais. Imóveis, pedras preciosas, obras de arte e carros de luxo também ficaram indisponíveis.

No fim de janeiro, no entanto, a decisão sobre o bloqueio da Odebrecht foi suspensa a pedido do MPF. Os procuradores que integram a força-tarefa da Lava-Jato encaminharam uma petição ao juiz Friedmann Anderson Wendap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, argumentando que a manutenção do bloqueio patrimonial poderia prejudicar o acordo de leniência assinado com a Odebrecht, no qual a empresa se comprometeu a pagar R$ 6,8 bilhões em 20 anos.

O bloqueio dos bens da OAS, no entanto, foi mantido, já que a empresa ainda não chegou aos termos de um acordo de leniência com o Ministério Público.

A suspensão do bloqueio da Odebrecht pegou de surpresa os membros da AGU dedicados aos processos da Lava-Jato. Houve um princípio de mal-estar com os procuradores, mas a crise foi debelada com relativa rapidez. A AGU, no entanto, ainda irá se manifestar formalmente a respeito da suspensão, o que deve acontecer somente após o Carnaval.

Integrantes do órgão até concordam que a manutenção do bloqueio pode atrapalhar o processo de recuperação financeira da Odebrecht e, consequentemente, o cumprimento do acordo de leniência. Sustentam, entretanto, que os valores cobrados na ação da AGU devem estar contemplados dentro dos R$ 6,8 bilhões firmados com o MPF.

A possibilidade de isso acontecer, porém, é muito pequena, já que os R$ 2,1 bilhões pedidos pela AGU referem-se a somente dois contratos da Odebrecht com a Petrobras, ambos para as obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Já o montante acertado com o MPF contempla "o conjunto da obra" da Odebrecht nos desvios revelados pela Lava-Jato.

Diante disso, a AGU pretende fazer o encontro de contas e, a depender do resultado, seguir com a ação de improbidade para cobrar a quantia remanescente. A definição da estratégia, entretanto, ainda não está decidida.

Integrante da força-tarefa do MPF, o procurador Paulo Roberto Galvão explicou ao Valor que o ressarcimento não é a finalidade principal dos acordos de leniência, que visam principalmente a elucidação de novos e maiores crimes. De acordo com ele, o trabalho com a AGU acontece em um ambiente de cooperação e que os procuradores são favoráveis à continuidade das ações de cobrança dos valores pendentes.

Galvão avalia, no entanto, que o bloqueio feito a pedido da AGU pode ser desvantajoso para as vítimas - no caso a União e a Petrobras - porque os valores depositados em juízo pelas empresas só podem ser transferidos depois do trânsito em julgado dos processos, o que pode levar mais de uma década. "No acordo de leniência, a transferência é praticamente automática", explicou.

O MPF também solicitou recentemente o desbloqueio dos bens da Camargo Corrêa. O congelamento, nesse caso, havia sido solicitado pela própria força-tarefa, antes de a empreiteira firmar seu acordo de leniência.

O bloqueio de R$ 2,1 bilhões foi calculado com base em uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que em outubro do ano passado chegou a decretar o bloqueio dos bens da OAS, da Odebrecht e de vários executivos. A decisão, no entanto, foi derrubada dias depois pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que questionou a competência do TCU para tal medida.

A AGU, então, entrou em cena e, com base nas estimativas de desvios feitas pelo tribunal de contas, ingressou com a ação na Justiça Federal. Ao deferir o pedido de liminar, o juiz decidiu aplicar a "taxa" de 3% ao mês para as duas empreiteiras. Friedmann argumentou que usaria a mesma métrica posta em prática na distribuição da propina com dinheiro desviado da Petrobras.

"Ora, se para custear a imoralidade, 3% sobre o valor dos contratos não lhes tolhia a libido empresarial, idêntico percentual para restaurar a honra há de ser motivo de júbilo na purgação das condutas deletérias que privatizaram ilegitimamente os bens públicos", disse o juiz. "Devolverão a César o que é de César em demorada penitência para que se grave na memória empresarial o custo moral e financeiro da promiscuidade entre o poder político e o econômico", completou.

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Terreno para Instituto Lula foi comprado por terceiro, diz delator

Por: Maíra Magro

 

Em delação premiada na Operação Lava-Jato, o ex-diretor superintendente da Odebrecht Realizações Imobiliárias (OR) Paulo Ricardo Baqueiro de Melo ajuda a esclarecer as idas e vindas em torno da operação para compra de imóvel para abrigar uma nova sede do Instituto Lula, em São Paulo. Na delação sigilosa, uma das 77 fechadas pela Odebrecht com a Procuradoria-Geral da República, Melo diz ter sido informado por Marcelo Odebrecht de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava interessado em um terreno para construir o instituto. E relata que a compra foi feita por um terceiro para evitar publicidade.

Sobre o terreno para o Instituto Lula, Melo reafirma que as tratativas iniciais sobre a localização foram feitas com o advogado Roberto Teixeira, que indicou um imóvel que agradaria o ex-presidente. Ele conta que, para fugir de insinuações na mídia, Marcelo determinou que a compra fosse feita pelo empresário Demerval de Souza Gusmão Filho, sócio da DAG Construtora, que não era politicamente exposto e figurava como antigo prestador de serviços para a construtora Odebrecht, além de ser amigo de Marcelo. O terreno, comprado em 2010, fica na rua Doutor Haberbeck Brandão, 178, na Vila Clementino, em São Paulo.

A construção do Instituto Lula é alvo de ação penal conduzida pelo juiz Sergio Moro na 13ª Vara Federal em Curitiba, em que figuram como acusados o próprio Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta recentemente, o ex-ministro Antonio Palocci, Marcelo Odebrecht, Roberto Teixeira, o próprio Paulo Melo e outras três pessoas. Eles respondem por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro por meio da transação em torno do terreno. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Marcelo Odebrecht ofereceu e prometeu propina a Lula equivalente, à época, a R$ 12,4 milhões, "consistente em um imóvel para a instalação do Instituto Lula". O objetivo seria obter favorecimento em contratos com a Petrobras.

Paulo Melo diz não ter presenciado ou participado de atos criminosos como tratativas sobre propina ou lavagem, pois estaria apenas executando ordens da diretoria do grupo. Também afirma ter acreditado que a construção do instituto seria devidamente paga e relata que, para a OR, construir a sede seria um orgulho para o portfólio institucional.

Nesta semana, o juiz Sergio Moro deve ouvir testemunhas no processo, como funcionários e ex-funcionários da OR. O Valor apurou que algumas delas vão relatar que o terreno foi visitado por Lula, Marisa Letícia e diversas pessoas próximas ao ex-presidente, como Roberto Teixeira, Paulo Okamotto e o pecuarista José Carlos Bumlai. Segundo funcionários que acompanharam a visita de Bumlai, o objetivo teria sido tratar da reforma do imóvel, onde funcionava uma agência de publicidade.

Testemunhas também devem dizer que o negócio não foi pra frente porque, durante sua visita, Marisa Letícia demonstrou restrições ao entorno do imóvel, enquanto Lula não gostou da construção. A partir daí, a empresa teria começado a prospectar outros terrenos, chegando a 13 novos locais.

Marcelo Odebrecht teria sugerido então que a OR comprasse formalmente o terreno para desenvolver um novo projeto. A primeira ideia, de construir um condomínio, teria falhado devido a exigências do plano diretor. Então, a OR teria acabado decidindo vender o terreno, hoje ocupado por uma concessionária.

Procurado pelo Valor, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou que "qualquer especulação de delação não merece qualquer crédito", pois "o que tem valor são depoimentos colhidos em juízo". De acordo com ele, "a prática vem demonstrando, após inúmeras audiências, que ninguém e nem mesmo os notórios delatores, quando ouvidos em juízo, sustentaram qualquer imputação contra Lula".