Valor econômico, v. 17, n. 4194, 13/02/2017. Política, p. A8

'Saudade de Lula' pode ser componente eleitoral de 2018, sugere pesquisa

Por: Ricardo Mendonça

 

Com a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concorrer novamente à Presidência da República, a disputa pelo cargo em 2018 poderá ter um componente eleitoral inédito, sugere uma pesquisa qualitativa feita pela empresa Ideia Inteligência com exclusividade para o Valor: saudades. Ao explorar os argumentos e as justificativas de um grupo selecionado de eleitores que andam afastados do PT, mas declaram intenção de votar no petista, o levantamento identificou reiterados sinais de um sentimento de nostalgia em relação à sua gestão, de 2003 a 2010. Eleitores não ideológicos que estariam dispostos a guiar a escolha baseados em boas lembranças daquele governo. Lembranças associadas, principalmente, a aspectos econômicos.

O estudo qualitativo não tem valor estatístico. Seus resultados não podem ser projetados para o conjunto do eleitorado ou interpretados como síntese de opiniões do grupo social investigado. Mas dão pistas a respeito do que pode estar passando pela cabeça de uma parcela dos brasileiros que tem alimentado o crescimento do petista nas pesquisas quantitativas.

Em dezembro, num levantamento quantitativo com 2.828 entrevistas e margem de erro de dois pontos, o Datafolha mostrou que Lula é líder isolado em todos os cenários de primeiro turno. Apesar do noticiário francamente desfavorável em 2016, com a Lava-Jato em seu encalço, impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e derrota do PT nas eleições municipais, as intenções de voto no ex-presidente cresceram, enquanto a taxa de rejeição ao seu nome apresentou tendência de recuo. Em seu melhor cenário, Lula pulou de 17% em março para 26% em dezembro (confira nos gráficos abaixo). Em simulações de segundo turno, só perdeu para a sua ex-ministra Marina Silva (Rede).

Para tentar entender que tipo de fenômeno pode estar sustentando esse desempenho, a empresa Ideia reuniu um grupo específico de eleitores declarados do petista e promoveu uma discussão de uma hora e meia, estimulada por um profissional habilitado. Trata-se de uma técnica muito usada por marqueteiros para captar motivações subjetivas de segmentos de eleitores e orientar rumos publicitários de campanhas eleitorais.

O grupo era composto por dez pessoas, que receberam uma gratificação em dinheiro pela participação, lanche e refrigerante. Optou-se por eleitores das classes C e D de regiões periféricas de São Paulo, de 25 a 55 anos, que não são filiados ou militantes do PT, mas que, embora possam ter restrições ao partido, declaram intenção de votar em Lula numa nova eleição presidencial.

Os eleitores selecionados, conforme ficou demonstrado na sessão, têm interesse por política, mas são pouco informados e nutrem forte rejeição a partidos. Usam como fontes de informação o Facebook e a televisão, principalmente Globo e Record. Todos já votaram em Lula pelo menos uma vez, mas nenhum votou pela reeleição do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) no ano passado. Mais da metade declarou voto no tucano João Doria, três anularam, um foi de Celso Russomanno (PRB). O nome do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que ensaia o lançamento de uma candidatura presidencial, despertou visível interesse nos homens, mas também imediata rejeição entre as mulheres.

No grupo em que só um disse não ter apoiado o impeachment de Dilma, a figura política de Lula foi reverenciada. A discussão em torno de seu nome, conforme assinalam os pesquisadores, é embalada por "forte apelo emocional", movida por um sentimento de "gratidão extrema, ligada à sensação de boa situação financeira (...) que marcou os governos Lula na memória dos entrevistados". A pesquisa ocorreu uma semana antes da morte da mulher de Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia.

Um dos aspectos mais destacados pelos participantes foi o do trabalho, realçado várias vezes durante a sessão. "Havia um equilíbrio entre as coisas, a taxa de desemprego era muito baixa. No governo dele eu arrumava emprego fácil, mesmo sendo menor de idade", afirmou um dos participantes. "Antes eu escolhia a empresa que eu queria trabalhar", completou outro. "Era um governo que todo mundo gostava, você não via ninguém fazer baderna", resumiu mais um. "Só quem não gostou da administração dele foi o pessoal da classe A. Muita gente começou a ter opção e salário melhor e parou de se sujeitar para os patrões."

Também chama a atenção o aspecto do consumo, em especial o associado à alimentação. "No governo dele dava para fazer um mercado bom", "Eu comia picanha", "Um saco de arroz era oito reais", foram algumas das manifestações extraídas. A ideia ascensão social sob as gestões Lula parece enraizada. "O cara da classe E passou para a D, o da D passou para a C, e o da C passou para a B", explicou um participante. "Ele [Lula] segurou muito a inflação. Ajudou a diminuir muito a miséria", disse outro.

Para o diretor da Ideia Inteligência, Mauricio Moura, a boa lembrança do governo Lula na área econômica será o principal ativo eleitoral do petista, caso resolva disputar a Presidência novamente no ano que vem. "As pessoas reconhecem que a vida era melhor quando ele era presidente", diz. "E gratidão parece ser uma coisa muito forte nesse grupo." O relatório produzido por sua empresa afirma que os brasileiros com esse perfil parecem buscar "um sentimento de plenitude que sentiram nos antigos governos de Lula".

Esta é a segunda vez que a Ideia Inteligência faz pesquisa qualitativa por sugestão do Valor. Na primeira, em julho de 2016, o que estava em pauta era a eleição para prefeito de São Paulo. O objetivo era tentar identificar quem ganharia com a possível exclusão de Russomanno da disputa, líder isolado que corria o risco de ter a candidatura vetada em decorrência de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O estudo sugeriu que Doria, na época empatado em quarto lugar com 8%, era quem tinha o maior potencial. Embora a decisão do STF não tenha resultado na retirada de Russomanno, a avaliação acabou sendo confirmada. Quando sua candidatura murchou, quem cresceu foi Doria, que atropelou os rivais e acabou eleito no primeiro turno.

O estudo feito agora com um grupo selecionado de eleitores de Lula também investigou as opiniões sobre a ex-presidente Dilma. A simpatia foi mínima. Entre os participantes, ela foi considerada arrogante, despreparada e, principalmente, inábil. Mas, diferentemente do que pode sugerir o senso comum, isso não parece afetar a imagem do ex-presidente. Foi consensual no grupo que os atuais problemas políticos e econômicos do país surgiram após a saída de Lula da Presidência. Todos os males são atribuídos à inabilidade ou à incapacidade de Dilma.

Algumas frases repetidas expressam bem essa ideia: "A pressão fez ela [Dilma] sair do rumo do governo", disse um participante. "Ela não passava credibilidade, perdeu os aliados e não conseguia passar uma informação", opinou outro. Em outros momentos, a tentativa de apartá-la do ex-presidente ficou nítida. "O primeiro governo dela foi bom, ela manteve muitas coisas do Lula", afirmou uma mulher. "Ela começou a não ouvir o partido, é como eu vejo", disse outra.

A carga de responsabilidade colocada exclusivamente sobre Dilma é um aspecto que impressionou Renato Dorgan Filho, o profissional que coordenou e conduziu os 90 minutos de discussão entre os eleitores recrutados. "É incrível: eles colocam a culpa de tudo nas costas da Dilma. Tudo de ruim vem da falta de habilidade dela", disse.

Apesar da repulsa à presidente afastada, não foi detectado qualquer sinal de satisfação com o governo Michel Temer, o vice que trabalhou e acabou beneficiado pelo afastamento. "Eu fui a favor [do impeachment], mas não queria que entrasse o vice", disparou um participante. "Para mim não mudou nada", disse outro. "E só vai piorar."

A agenda de reformas conduzida por Temer não é percebida com nitidez. Apesar do apoio genérico à ideia de corte de gastos, ninguém pareceu seguro para explicar o que foi a emenda constitucional que congelou os gastos públicos. E alguns apresentaram aversão quando informados pelo mediador que a medida poderia afetar as áreas de saúde e educação. "Tinha que limitar gastos deles [dos políticos]", protestou uma participante. "Eles ganham casa, carro. Eles ganham mais do que eu e querem um monte de coisas?", completou.

Já a reforma da Previdência é recebida com mais desconfiança, embora também não tenham informações precisas sobre o conteúdo da proposta. Chamou a atenção a associação imediata de alguns com a saúde e a expectativa de vida. "A gente não tem saúde para isso", destacou um participante, falando sobre a possibilidade de aumento da idade mínima. "Para poder trabalhar mais, a gente precisa ter mais saúde", alguém reforçou.

O aspecto que se mostra mais desfavorável para Lula, segundo Mauricio Moura, é a Lava-Jato. Isso porque há visível apoio à operação, entendida no grupo como uma coisa boa para o país. O juiz Sergio Moro é percebido de forma muito positiva, com respeito. E ninguém parece acreditar na tese segundo a qual o magistrado estaria perseguindo Lula, embora quase todos enxerguem o petista como vítima de algumas perseguições. "Esse eleitorado não se sente bem quando Lula fala mal da Lava-Jato", diz o pesquisador. "Lula vai ter de equalizar isso, não será fácil".

Até agora, porém, o ex-presidente é preservado. As citações das prisões de auxiliares muito próximos, como os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci, não impressionaram os participantes. Nem as acusações diretas contra Lula, envolvendo um apartamento no Guarujá e um sítio em Atibaia.

"Ele [Lula] fechou o olho para alguma coisa e ganhou um presentinho", minimizou um dos participantes. "O Lula ganhou pelo trabalho dele", afirmou um rapaz. A ideia de desproporcionalidade é forte. "Pega um vereador, tem muito mais poder aquisitivo que um sítio em Atibaia ou um apartamento no Guarujá", disse alguém. "Atibaia nem é tudo isso", completou uma mulher. "Não tem provas concretas", decretou outro.