O Estado de São Paulo, n. 45052, 21/02/2017. Política, p. A8

Moraes ‘esqueceu’ tese de veto à indicação pelo presidente

 

Luiz Maklouf Carvalho

 

O ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, indicado ao STF, elogiou a presidente Dilma Rousseff, em maio de 2013, por ter indicado o advogado Luís Roberto Barroso para o Supremo.

“A presidente Dilma Rousseff merece todo o agradecimento da sociedade e o respeito das instituições republicanas pela escolha do professor Luís Roberto Barroso, pois concedeu objetividade ao requisito constitucional de ‘notável saber jurídico’, optando por critérios objetivos de competência e ética”, escreveu Moraes em artigo publicado no site Conjur.

No artigo citado – Relevância fundamental da escolha de membro do STF, como outros do mesmo período, todos disponíveis na internet – Moraes defende, para a indicação de ministros à Corte maior, quase todos os critérios que arguiu em sua tese de doutorado, Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da Constituição (USP/2000). O quase fica por conta do silêncio sobre o veto à indicação de ministros “pelo presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência da Corte” – defendida com ênfase na tese de 13 anos atrás.

Teria o quase futuro ministro mudado de ideia quanto a esse veto específico? Seria um caso pontual de “esqueci o que escrevi”? Não se sabe – e o iminente ministro não quis dar entrevista sobre essa obscuridade.

O que se sabe, porque os recentes artigos citados deixam claro, é que os demais pontos defendidos na tese foram reiterados. Como a exigência de maiores “requisitos capacitários objetivos” e de menor discricionariedade na escolha, além de mandatos temporários e indicações pelos três Poderes.

No artigo em que elogiou Dilma, Moraes escreveu: “Essa ampla discricionariedade constitucionalmente consagrada é constantemente criticada, jurídica e politicamente”.

E explanou: “Isso porque esse método acaba por permitir a escolha de um candidato à Corte Suprema tanto por critérios objetivos de competência e ética, como também por preferências políticas, recompensa a associados políticos e pessoais, e busca de futuro apoio político”. Registrou, também, que essa ampla discricionariedade na escolha dos membros da Corte “garantirá forte influência indireta do presidente da República nos rumos da interpretação constitucional”.

À época, o hoje indicado ao Supremo assinava como advogado e chefe do Departamento de Direito de Estado da USP, sem menção a cargo público.

Não o tinha, também, um ano depois, julho de 2014, quando escreveu, para o mesmo site, o ainda mais explícito Escolha de ministros do STF precisa de mais participação de todos os poderes. Todas as sugestões de sua tese estão lá – à exceção do veto à escolha de ministros por presidente.

Moraes informa, neste artigo, seu entusiasmo com a “salutar discussão”, no Congresso, de Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) que estabelecem “alterações no processo de escolha dos ministros do Supremo e prevendo a existência de mandatos temporários”. Cita como exemplos a PEC 50/2013, do senador Antônio Carlos Rodrigues (PR/SP), e a PEC 58/2013, do senador Roberto Requião (PMDB/PR). A de Rodrigues propõe lista sêxtupla por órgãos e entidades da área jurídica, cinco indicados pelo presidente da República, três pela Câmara e três pelo Senado. A de Requião prevê mandato de oito anos.

Na proposta de Moraes, quatro ministros deveriam ser escolhidos pelo presidente, quatro pelo Congresso e três pelo STF.

No pacote completo de propostas para o Supremo, ele incluiu, em 2000 como em 2014, a sugestão, para antes da sabatina, de manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, “sem caráter vinculativo”, a exemplo do que acontece nas indica- ções para a Suprema Corte americana. Ou seja: Moraes está perto de ser o primeiro ministro do STF explicitamente discordante de todas as regras constitucionais que nortearam a sua escolha. Tirante a do veto – que ninguém sabe onde foi parar.

Conhecedor da história da Corte americana, o provável novo ministro do STF é capaz de lembrar de uma frase do juiz Oliver Wendell Holmes. Indicado pelo presidente Theodore Roosevelt, Holmes esteve lá por 30 anos (1902-1932). Historiador da Corte, Laurence Baum conta que certa vez, ao ser instado por um amigo a “fazer justiça”, Holmes respondeu: “Isto não é minha tarefa.

Minha tarefa é jogar o jogo de acordo com as regras”. Favas contadas, e Moraes com a toga, uma outra frase de Holmes ilumina o que ele vai encontrar no STF: “Aqui na Corte é muito quieto, mas é a quietude do centro de um furacão”.