Valor econômico, v. 17, n. 4193, 10/02/2017. Política, p. A0

Relator de mudança trabalhista afirma que CLT tem inspiração no fascismo

Por: Fabio Murakawa / Raphael Di Cunto

 

Sob protestos da oposição, a Câmara instalou ontem a comissão especial que analisará a proposta de reforma trabalhista encaminhada ao Congresso Nacional pelo presidente Michel Temer. Conforme acordado, os deputados elegeram presidente da comissão Daniel Vilela (PMDB-GO), que designou Rogério Marinho (PSDB-RN) relator da matéria.

Logo em seu primeiro discurso como relator, o tucano afirmou que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que a reforma visa flexibilizar, tem inspiração fascista. "Essa legislação tem um origem num documento chamado carta ao trabalhador, que data de 1927, expedida por Benito Mussolini, na época ditador da Itália e criador do partido fascista", disse. "Essa é a inspiração da legislação trabalhista que está em vigor no país."

Marinho prosseguiu: "Na época, levando-se em consideração o que pensavam Lênin, Marx, Engels, tinha-se a ideia de que os interesses do trabalho tinham que estar à disposição do Estado, não da sociedade. A única alteração mais visível é que Benito Mussolini não reprimia a iniciativa privada. Mas a atrelava ao governo, ao aparelho estatal".

A jornalistas, o relator disse que pretende trabalhar para que a reforma tenha sua tramitação encerrada na comissão antes do recesso parlamentar, em junho. A comissão tem caráter terminativo. Ou seja, o que for decidido por ela não terá que passar pelo plenário. Mas qualquer deputado pode apresentar recurso para que o texto passe pelo crivo de todos os 513 deputados. Para isso, terá que contar com a aprovação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Durante e após a votação para a composição da mesa, o deputado Helder Salomão (PT-ES) apresentou duas questões de ordem pedindo que a sessão fosse suspensa. Em uma, alegava que o regimento prevê, em seu artigo 34, que metade dos integrantes das comissões especiais tem que ser composta por deputados de comissões permanentes com trabalhos correlatos ao tema. Mas as comissões permanentes ainda não foram instaladas. O deputado Gilberto Nascimento (PSC-SP), que presidia a sessão naquele momento, indeferiu o pedido.

Na segunda questão de ordem, alegou que os integrantes da comissão teriam que ser indicados pelos líderes dos blocos formados para a eleição da Mesa Diretora da Câmara, não pelos líderes partidários, como ocorrera. O pedido foi negado por Vilela, já eleito.

"Fica claro que há uma pressa da base aliada em acelerar a reforma. Não estamos falando de uma proposta qualquer", afirmou. "Vejo que há intenção de acelerar. Precisamos discutir esse tema sem açodamento, sem acelerar o debate."

Outros opositores, como Assis Melo (PCdoB-RS) e Luiza Erundina (Psol-SP) também protestaram contra a reforma, alegando que ela retira direitos dos trabalhadores.

Marinho rebateu essas alegações. "É uma modernização da legislação do trabalho, muito mais do que uma reforma", afirmou. "O que o governo pretende é, diante da grave crise que estamos passando, dar segurança jurídica ao investidor adequando a legislação à modernidade."

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Para Arthur Maia, reforma da Previdência é mutável

Por: Raphael Di Cunto

 

Relator da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Arthur Maia (PPS-BA) defendeu ontem, após ser confirmado na função, a proposta do governo de igualar a aposentadoria de homens e mulheres - embora possa diferenciar as que têm filhos - e dos trabalhadores rurais e urbanos.

O relator, a quem caberá negociar o texto e acatar ou rejeitar emendas propostas pelos deputados, disse que nada é imutável no projeto, nem mesmo a idade mínima de 65 anos, mas que precisará ser convencido sobre a necessidade de alterações. "Nessa de convencer e ser convencido, estou até disposto a ser uma metamorfose ambulante", afirmou.

A comissão elegeu o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), nome do governo, para a presidência. O pemedebista recebeu o voto de 22 dos 36 integrantes em escrutínio secreto, mostrando que o Palácio tem razoável maioria. A oposição somou 12 votos.

Maia defendeu a idade mínima de 65 anos, dizendo que a grande maioria da população já se aposenta por idade, aos 60 anos. "Quem recebe o benefício antes é o trabalhador melhor remunerado", disse. Ele ressaltou que também favorável a que o trabalhador contribua por 49 anos para conseguir a aposentadoria integral com o argumento de que a maioria dos aposentados recebe um salário mínimo.

O processo de convencimento ocorrerá nas audiências públicas que a comissão especial fará em fevereiro e março. O relator pretende apresentar seu parecer na segunda quinzena de março, após ouvir cerca de 40 pessoas. A votação deve ocorrer em abril.

Outros pontos polêmicos que o relator sinalizou ser favorável são igualar as regras de aposentadoria rural às dos trabalhadores urbanos e das mulheres às dos homens. Na avaliação dele, há atividades urbanas piores que as de agricultores, como os garis, e que não têm tratamento diferenciado.

No caso das mulheres, que se aposentam antes - o que acabará se a proposta do governo for aprovada - o relator disse que os dados do IBGE mostram aumento no número de solteiras e sem filhos no mercado de trabalho e que as atividades domésticas são cada vez mais compartilhadas entre os dois sexos.

"Se uma mulher tiver filhos e uma dupla ou tripla rotina, aí pode justificar o benefício. Mas porque uma mulher solteira e sem filhos deve ter tratamento diferente dos homens?", questionou.

Segundo Maia, bombeiros militares, policiais militares e integrantes das Forças Armadas serão tratados em outro projeto e ficarão de fora da proposta de emenda à Constituição (PEC). Ressaltou, contudo, que outras carreiras da área de segurança, como policiais civis, não terão garantia de aposentadoria especial se não exercerem funções de risco. Aqueles deslocados para atividades administrativas, defendeu, não devem ter o mesmo benefício de agentes que estão na rua combatendo quadrilhas.

O Ivan Valente (Psol-SP) protestou na comissão sobre as doações recebidas pelo relator na eleição de 2014, quando instituições financeiras e de seguros doaram R$ 1,2 milhão para a campanha. "Ele tem que se declarar suspeito", disse. Maia rebateu que as doações são legais e já disputou dez eleições sem nunca mudar suas posições por causa delas.

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FHC diz a Moro que presidente 'não sabe de tudo'

Por: Fernando Taquari

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso negou ontem ter conhecimento de um suposto cartel de empresas durante seu período à frente da Presidência da República (1995-2003) e disse que o instituto que leva seu nome, criado após sua saída do governo federal, nunca recebeu doações "por fora".

O tucano depôs ao juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara de Curitiba, como testemunha de defesa do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Alvo da força-tarefa da Lava-Jato, Okamotto é réu em ação penal por lavagem de dinheiro. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também virou réu na mesma ação por corrupção passiva. Os investigadores apuram um eventual pagamento de propina da empreiteira OAS ao petista no valor de R$ 3,8 milhões, além da origem dos recursos obtidos pelo instituto.

"Não, nunca chegou até a mim. Nunca soube e não conheço as pessoas da OAS. Não me lembro de ter visto", disse FHC ao reiterar que não tinha consciência da existência de um cartel em seu governo. Segundo ele, o que se ouvia eram alegações, mas nenhuma afirmação efetiva de cartelização. "O presidente da República não sabe de tudo. Pode ter havido. Agora, sem a minha aprovação", acrescentou o tucano ao responder ao advogado Cristiano Zanin, que defende Lula e Okamotto.

Em outro momento, o ex-presidente afirmou ao advogado que nunca conheceu o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que em sua delação premiada declarou que o cartel e o pagamento de propina tiveram início no governo do PSDB: "Nunca ouvi falar dele. O presidente da República não pode saber o que está ocorrendo no convívio das pessoas", disse.

FHC prestou depoimento por videoconferência. Questionado por Moro sobre eventuais doações não registradas à Fundação FHC, o tucano respondeu que essa possibilidade era "absolutamente impossível". "Nada por fora, zero, não existe tal hipótese", afirmou FHC. "Está tudo registrado. O conselho fiscal vai lá. Eles sabem mais". As fontes de renda da fundação, de acordo com FHC, são compostas por doações, patrocínios e recursos da Lei Rouanet para fins específicos.

Em nota, Zanin disse que o relato de FHC mostra que a denúncia contra Lula e Okamotto não "passa de um enredo de ficção".

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MPF oferece nova denúncia na Operação Zelotes

Por: André Guilherme Vieira / Murillo Camarotto

 

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou ontem, na Operação Zelotes, o diretor de Operações da MMC Automotores do Brasil (empresa que detém licença técnica para comercializar automóveis da marca Mitsubishi), Robert Rittscher, o ex-presidente da MMC Paulo Arantes Ferraz, o ex-presidente do Conselho Administrativo de Recursos Financeiros (Carf) Edison Rodrigues Pereira e outras 11 pessoas por supostos crimes de corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Entre os acusados estão também ex-conselheiros do Carf, advogados e lobistas. Procurada, a empresa informou "que não irá se manifestar neste momento sobre o assunto".

A denúncia refere-se a julgamento de recurso apresentado pela MMC Automotores do Brasil, além de articulações supostamente ilegais para garantir a aprovação da Medida Provisória 512/10, que estabelecia incentivos fiscais para o desenvolvimento da indústria automotiva.

Segundo a investigação, após pagar R$ 33,8 milhões a integrantes do que seria um esquema criminoso estabelecido no Carf, de acordo com o MPF, a empresa conseguiu se livrar de débito de R$ 266 milhões, que correspondem a aproximadamente R$ 600 milhões em valores atuais.

A origem da dívida tributária questionada no Carf pela MMC, por meio de Procedimento Administrativo Fiscal (PAF), foi uma autuação da Receita realizada após a constatação de que a montadora recebeu de forma cumulativa dois benefícios fiscais, contrariando a legislação vigente à época, segundo o MPF.

Segundo o MPF, o esquema criminoso foi semelhante ao verificado em outros episódios investigados na Zelotes: integrantes do esquema procuraram contribuintes com recursos em andamento no Carf para oferecer os "serviços". No caso da MMC, os supostos atos ilegais foram praticados entre 2009 e 2012 e contaram com a participação de ao menos quatro núcleos: o de empresários contratantes; dos lobistas; dos intermediários e dos servidores públicos que atuaram para viabilizar a manipulação do julgamento.

O material entregue à Justiça aponta que teria sido o casal Mauro Marcondes e Cristina Mautoni que apresentou a proposta à MMC. Contratados, Mauro e Cristina subcontrataram a empresa SGR Consultoria Empresarial, diz o MPF. A empresa tem como principais nomes José Ricardo Silva, ex-conselheiro do Carf, Alexandre Paes dos Santos e Eduardo Valadão.