Cármen Lúcia homologa delações sem retirar sigilo

Fabio Murakawa, Maíra Magro e André Guilherme Vieira

31/01/2017

 

 

Depois de homologar ontem as 77 delações premiadas de executivos da Odebrecht, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, deve anunciar amanhã o método de escolha do novo relator da Operação Lava-Jato. O ato, que deve se tornar público na primeira sessão do ano na Corte, será decisivo para o futuro da operação. O novo relator ocupará o espaço deixado pelo ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo no litoral fluminense.

Ao homologar as delações, Cármen Lúcia manteve o sigilo sobre as informações prestadas pelos delatores. Com a delação homologada, os depoimentos ganham validade jurídica e podem gerar novas investigações envolvendo dezenas de políticos de diversos partidos. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, esteve ontem pessoalmente no gabinete de Cármen Lúcia para levar os documentos à Procuradoria-Geral da República (PGR). Com base nesses depoimentos, ele pedirá a abertura de novos inquéritos.

Momentos antes de reunir-se com a presidente do Supremo, Janot esquivou-se quando questionado sobre a decisão de Cármen Lúcia de homologar as delações. "Não é hora de falar nada", limitou-se a dizer, ao ser abordado por jornalistas ao sair de reunião no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em Brasília.

Também a partir de agora, os delatores poderão começar a cumprir suas penas. Os acordos de delação da Odebrecht preveem que as punições serão aplicadas "imediatamente após a homologação". Porém, na decisão de homologar os acordos, Cármen Lúcia nada disse a respeito do cumprimento das penas, gerando incerteza entre advogados.

A defesa dos delatores deve apresentar petição solicitando esclarecimento sobre esse ponto à Procuradoria-Geral da República. Em tese, os advogados entendem que os colaboradores deveriam começar a cumprir as penas já nesta semana. Mas como havia incerteza sobre a homologação, alguns executivos decidiram viajar, inclusive para fora do país, para aproveitar as últimas férias antes do período de prisão domiciliar.

Cármen Lúcia homologou as delações na qualidade de plantonista no recesso do Supremo, após um pedido de urgência do procurador-geral da República. O ato acabou antecipando a decisão sobre as delações - Teori havia sinalizado que aguardaria a volta do recesso para anunciar a decisão sobre o assunto.

Para viabilizar a execução das penas, o STF precisa expedir uma guia de recolhimento. A maioria dos delatores cumprirá um período de prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica. Depois eles passarão ao regime domiciliar semiaberto, com recolhimento apenas à noite e nos fins de semana, e em seguida para o regime aberto, quando o recolhimento se dá só nos sábados e domingos.

Amanhã, o STF retomará os trabalhos após o recesso do Judiciário. A primeira sessão contará com uma homenagem ao ministro Teori, que deve começar com a fala do decano da Corte, o ministro Celso de Mello.

A expectativa é que o nome do novo relator da Operação Lava-Jato seja escolhido por sorteio. A tendência que se traçava ontem era de fazer o sorteio apenas entre os integrantes da 2ª Turma do STF - composta pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Entre investigadores, há um temor de que esse método possa significar o sepultamento da Lava-Jato. Isso porque a maioria dos integrantes da 2ª Turma já manifestou algum desconforto sobre os rumos da operação.

Mas o martelo ainda não foi batido. Também existe a possibilidade de que um ministro peça para trocar da 1ª para a 2ª turma, ocupando o lugar deixado por Teori. O nome mais cogitado para essa mudança é o do ministro Edson Fachin. Mesmo com essa possível mudança, a percepção é que a maioria da turma seria contrária aos atuais rumos da Lava-Jato.

A estratégia de escolha do novo relator vem sendo discutida diariamente por Cármen Lúcia com outros ministros do STF. Na semana passada, a opção tida como mais provável era sortear o novo relator da Lava-Jato entre os dez integrantes do plenário. A justificativa para isso seria a menção, nas delações da Odebrecht, de pessoas que só podem ser julgadas pelo plenário do STF - como o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e possivelmente o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), caso vença a eleição de amanhã.

Essa estratégia justificaria a necessidade de homologar a delação premiada no recesso, garantindo a ela validade jurídica, e lançando entre os atingidos pelos depoimentos pessoas com foro no plenário do Supremo.

Após a experiência traumática do mensalão, em que o plenário passou meses julgando um processo só, os ministros mudaram o regimento interno da Corte para transferir o julgamento de parlamentares para as turmas, compostas cada uma por cinco ministros. Mas os chefes de cada poder, como os presidentes da República, da Câmara e do Senado, mantiveram o foro no plenário do STF.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4183, 31/01/2017. Especial, p. A16.