Valor econômico, v. 17, n. 4197, 16/02/2017. Brasil, p. A4

Serra e novo secretário de Estado dos EUA se reúnem na Alemanha

Setor privado brasileiro investiu US$ 24 bi na economia americana em anos recentes

Por: Assis Moreira

 

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, terá hoje o primeiro encontro com o novo secretário de Estado americano, Rex Tillerson, apoiado em peculiaridades brasileiras, incluindo investimentos privados brasileiros de US$ 24 bilhões em anos recentes nos EUA.

Enquanto o presidente Donald Trump não tem cessado de acusar bom número de países de se "aproveitarem"' dos EUA, exportando muito e destruindo empregos dos americanos, a análise de Brasília é que o país não é parte dos problemas que têm inflamado a Casa Branca e estima que Washington tem isso em mente.

Primeiro, o Brasil acumula déficit comercial com os EUA, ou seja, compra de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões por ano a mais do que vende para o mercado americano. Segundo, o setor privado brasileiro investiu US$ 24 bilhões em anos recentes no mercado americano que criaram pelo menos 100 mil empregos nos EUA, o que está longe de ser negligenciável.

Terceiro, os números da migração brasileira nos EUA não são relevantes - estimada entre 400 mil e mais de 1 milhão e considerada uma comunidade trabalhadora. E quarto, o país não é apontado na cena internacional por problema generalizado de tráfico de drogas ou terrorismo.

No encontro com Tillerson, previsto para durar minutos, Serra estará acompanhado do embaixador em Washington, Sérgio Amaral. "Nossa expectativa é positiva, mas estamos conscientes que é apenas o começo de um começo com o novo governo'', afirmou Serra ao Valor, pouco depois de desembarcar em Bonn para a reunião de ministros de Relações Exteriores do G-20.

Na agenda aberta do encontro, o ministro poderá avançar a ideia do estabelecimento de uma pauta prioritária nas relações econômicas bilaterais, limitada, mas factível, que possa ser realizada durante o governo Temer.

Na visão brasileira, isso passa por derrubada de inúmeras barreiras não tarifárias, por exemplo. Brasília também quer identificar mecanismos bilaterais que já existem, como o encontro de presidentes executivos (CEOs) dos dois países. Serra pretende impulsionar o retorno de negociações para um eventual acordo de uso da base de Alcântara, no Maranhão, onde o lançamento de foguetes usa 30% a menos de combustível do que em outras partes do mundo.

O plano é também aumentar a cooperação entre Brasil e EUA na prevenção e combate ao crime organizado e terrorismo, a exemplo da experiência considerada bem-sucedida na Olimpíada do Rio.

Temas regionais devem entrar na conversa, a começar pela Venezuela, onde a situação está cada vez mais inflamada. Na segunda-feira, a administração Trump anunciou sanções contra o vice-presidente venezuelano Tareck El Aissami, acusado de ter papel importante no tráfico internacional de drogas.

De seu lado, a diplomacia brasileira estima que tem feito o máximo que pode, por exemplo, com fortes colocações sobre respeito de direitos humanos. E, enquanto liderou a retirada da Venezuela do Mercosul, também ofereceu remédios àquele país, recusados pelo governo.

Tillerson tem sido um secretário invisível em seus primeiros dias. E na cena internacional, a questão é descobrir até que ponto o ex-presidente executivo da ExxonMobil terá influência real na Casa Branca, e como as relações poderão prosperar com o governo Trump. "É uma ocasião para os parceiros tentarem saber o que é retórica na administração Trump e o que é real, e ver a direção da política externa americana", diz Claudia Schmucker, especialista do German Council of Foreign Relations, em Berlim.

Em Bonn, Serra vai se encontrar também com seus colegas da China, Rússia, União Europeia, México e Vietnã. Com o México, a agenda é comercial, na tentativa de aproximar mais os mexicanos do Mercosul. O ministro mexicano de agricultura informou que irá proximamente ao Brasil.

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No G-20, país atacará protecionismo agrícola

Por: Assis Moreira

 

O Brasil fará uma forte ofensiva pela agricultura do país, hoje e amanhã, na reunião de ministros de Relações Exteriores do G-20, formada pelas maiores economias desenvolvidas e emergentes. Os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas estão entre os temas da agenda da reunião. A Alemanha quer ir adiante na cooperação internacional, enquanto os EUA parecem dispostos a fazer menos esforço nessa área.

Do lado brasileiro, o ministro José Serra pretende insistir na ideia de prevenção contra crises. Para o Brasil, isso passa, por exemplo, pelo desmonte do protecionismo no comércio mundial de alimentos. Para o representante brasileiro, esse é o tipo de barreira que fomenta migração, tema no centro de turbulências em várias partes do mundo.

Além disso, Serra vai procurar demonstrar que a agricultura brasileira é a mais sustentável do mundo, ao contrário de certas críticas sobre o uso da terra, sobretudo na Europa. O ministro apresentará dados mostrando que 61% das florestas nativas do país subsistem. Na média global, esse percentual é de apenas 3%.

Conforme o argumento do ministro, a agricultura brasileira deixou de usar 30 milhões de hectares, mas mesmo com menos uso de terra a produção está mais alta, ilustrando a eficiência no setor.

Outra questão acompanhada com atenção no G-20 é a aparente intenção dos EUA de cortar a ajuda a programas das Nações Unidas. Os EUA são o país que mais contribui para a ONU com 22% do orçamento, calculado por um acordo internacional que leva em conta a riqueza do país.

Essa contribuição paga despesas que vão de eletricidade na sede em Nova York a investigações sobre desrespeito aos direitos humanos. Além disso, Washington faz contribuições voluntárias para programas da ONU para alimentação e ajuda a refugiados. Um esboço de projeto, revelado pelo "The New York Times", indica que Trump quer cortar pelo menos 40% desses fundos voluntários.