Valor econômico, v. 17, n. 4197, 16/02/2017. Política, p. A6

Carlos Velloso aceita convite de Temer para o Ministério da Justiça

Por: Andrea Jubé / Juliano Basile

 

O presidente Michel Temer formalizou o convite para que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso assuma o Ministério da Justiça, que foi aceito, embora o anúncio oficial esteja programado para a próxima semana, após a sabatina de Alexandre de Moraes. Simultaneamente, o advogado criminalista Antônio Claudio Mariz, amigo de Temer, agora é cotado para a Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Além da proximidade de Temer - é um dos conselheiros mais frequentes do presidente -, Mariz foi secretário de Justiça de São Paulo. Ele já foi cotado para o ministério, mas como seu perfil foi considerado muito combativo para o cargo, ele pode assumir a secretaria. Perdeu força o nome de José Mariano Beltrame para a secretaria.

A escolha de Velloso, consolidada na terça-feira, gerou desconforto no PMDB, porque o ex-ministro chegou ao Planalto para a conversa com Temer acompanhado do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Desde então, o PMDB mudou a discurso e líderes da sigla passaram a dar declarações de que não teriam efetivo interesse na pasta: o deputado federal Rodrigo Pacheco (PMDB-MG) foi indicado pela bancada da Câmara para assumir o lugar de Moraes.

Ontem uma importante liderança do PMDB disse ao Valor PRO, serviço de tempo real do Valor, que o Ministério da Justiça "traz mais problema que prestígio". A Polícia Federal, que conduz a Lava-Jato, está subordinada à pasta. Os pemedebistas alegam, ainda, que a bancada está bem representada no governo, porque há três deputados federais no comando de ministérios: Marx Beltrão (AL), no Turismo, Osmar Terra (RS), no Desenvolvimento Social, e Leonardo Picciani (RJ), no Esporte.

O Palácio do Planalto não confirma nem nega a escolha de Velloso. Temer falou sobre o encontro no Twitter. "Estive com Carlos Velloso ontem [terça-feira]. Conversamos privadamente por mais de uma hora. Meu amigo há mais de 35 anos. Marcamos esse encontro diretamente. Continuaremos a conversar nos próximos dias. A escolha do novo ministro da Justiça será minha, pessoal, sem conotações partidárias", afirmou.

Velloso integrou o STF de 1990 até 2006, quando deixou a Corte ao completar 70 anos. Velloso é essencialmente mineiro: gentil, cordato e ouve a todos. Chega com a chancela do PSDB, mas terá bom trânsito com todos os partidos, além de uma qualidade de que Moraes não desfrutava: é querido da velha guarda do STF, próxima a Temer, como Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso.

Ele retorna ao cenário político em um período diferente, marcado pelas prisões, investigações e condenações de autoridades. Quando integrou o STF, a Corte distinguia-se por não julgar nem condenar políticos. Ele sequer participou do julgamento em que o STF recebeu a denúncia do mensalão, em agosto de 2007.

Pode-se dizer que Velloso é um "outsider" da fase mais atuante do STF, em que a Corte julgou e condenou políticos. Em contrapartida, ele atuou em alguns casos penais relevantes, um deles de grande repercussão: coube a ele liberar o deputado federal e ex-governador Paulo Maluf da prisão em 2005.

Relator do habeas corpus de Maluf e do filho dele, Flávio Maluf - que estavam presos havia 40 dias -, Velloso não verificou tentativa de interferência dos acusados na colheita de provas. Eles eram acusados de corrupção, formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

A decisão foi polêmica porque Velloso não observou uma súmula do STF, que impedia o exame de processos que não tiveram a análise do mérito na instância inferior. "Realmente imagino o sofrimento de um pai preso na mesma cela que o filho", declarou na ocasião.

Se não fosse a compulsória, Velloso não teria se aposentado. Jobim disse a ele: "Não vamos nos aposentar em casa de pijamas". De fato, ambos prosseguiram atuantes. Jobim e Velloso destacam-se como autores de pareceres, e ambos pilotam escritórios com larga atuação nos tribunais superiores.

Em suma, Velloso é um jurista que deverá zelar pelo cumprimento da lei, mas retorna à cena política num contexto distinto de quando deixou os holofotes: agora o direito "pro societatis" (a favor da sociedade), inaugurado pela Lava-Jato, sobressai-se sobre o "in dubio pro reu". (Colaborou Cristiane Agostine)

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"Lava-Jato não terá interferência"

Por: Cristiane Agostine

 

Provável futuro ministro da Justiça, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso afirmou ontem ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, que, se assumir o cargo, não interferirá "de forma alguma" na Operação Lava-Jato. Velloso discutiu sua nomeação com o presidente Michel Temer na terça-feira e afirmou estar com o "coração aberto" para assumir o cargo. Com 81 anos, o ex-ministro disse que a Lava-Jato deu projeção positiva ao Brasil no exterior, com a bandeira do combate à corrupção, e que tanto o Ministério Público quanto a Polícia Federal - subordinada ao Ministério da Justiça - devem agir de forma independente.

"A minha posição sobre a Lava-Jato já é conhecida há tempos. Ela é intocável. Não haveria interferência de forma alguma", afirmou Velloso, em relação a sua possível nomeação para o Ministério da Justiça. "A sociedade pode estar certa da minha opinião", disse. "A Lava-Jato colocou o nome do Brasil muito bem no exterior, repercutiu no continente americano, nos Estados Unidos, na África, na Europa. Ela só é 'tocável' no sentido de estimular para que continue. Precisa continuar".

Para Velloso, a atuação da PF e do MPF é acompanhada pelo Judiciário, que deve coibir possíveis excessos. O ex-ministro, no entanto, disse não ver abusos.

Questionado sobre as denúncias apresentadas pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo da Lava-Jato, sobre excessos da força-tarefa da operação, o ex-ministro evitou comentar. "Lula está recorrendo e a palavra está com os tribunais. A supervisão desse caso está no Judiciário e o inconformismo dele deve ser levado aos tribunais", disse, afirmando em seguida que prefere não se manifestar.

Velloso afirmou considerar o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato, como um magistrado "rigoroso, porém justo".

Em meio a elogios à atuação de Temer - "somos amigos há mais de 40 anos", Velloso defendeu a manutenção do sigilo das delações e disse que os vazamentos "são incompreensíveis, já que a lei proíbe". "Sobre o sigilo das delações, eu estou com a lei. A lei estabelece que só quem pode quebrar o sigilo é o Ministério Público, ao apresentar a denúncia ou ao pedir o arquivamento", afirmou. "Se o sigilo é quebrado antes, pode prejudicar as investigações. Se é quebrado e depois se prova que a pessoa é inocente, é feito um julgamento antecipado. A pessoa é jogada na rua da amargura. É um descabimento", disse. Ao falar sobre os vazamentos, disse apenas que "quem deve se pronunciar é o Ministério Público".

Nomeado em 1990 pelo então presidente Fernando Collor de Mello para o Supremo Tribunal Federal, Velloso tem em seu currículo a atuação no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal Superior Eleitoral.

O ex-ministro afirmou que a filiação partidária "não interfere" na atuação dos magistrados no STF e que o fato de o ministro da Justiça licenciado Alexandre de Moraes ter sido integrante do PSDB não pode ser visto como uma possível influência nas decisões que ele tomará no Supremo, caso sua indicação seja aprovada em sabatina pelo Senado. "Desde que se desfilie antes da nomeação, não tem problema. Grandes ministros do Supremo já tiveram filiação a partidos", disse. "Alexandre de Moraes tem todos os predicamentos para assumir a vaga".

Velloso evitou comentar sobre graves problemas que a área de segurança pública enfrenta no país, como a crise no sistema penitenciário, com recentes rebeliões e centenas de mortes desde o começo do ano, e com a greve de policiais no Espírito Santo e motim no Rio de Janeiro.

Apesar de falar publicamente que "não teve ainda um convite formal" de Temer para o ministério, Velloso disse que está pronto para assumir o cargo. "Estou com o coração aberto".

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Atender pedido de Lula foi 'sandice', diz Delcídio

Por: Murillo Camarotto

 

O ex-senador Delcídio Amaral disse ontem ter cometido uma "sandice" ao atender um pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para evitar que o empresário José Carlos Bumlai fosse citado na Operação Lava-Jato. A afirmação foi feita em depoimento à Justiça Federal de Brasília, em processo no qual Delcídio, Lula, Bumlai e outras quatro pessoas são acusados de obstrução de Justiça.

Em quase quatro horas, o ex-senador repetiu o que já disse em seu acordo delação premiada, no qual confessou ter atuado para evitar que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró firmasse acordo com a Lava-Jato. O ex-senador respondeu a perguntas do Ministério Público, do juiz Ricardo Augusto Leite e dos advogados dos demais réus.

O maior embate deu-se com os defensores de Lula e de Mauricio Bumlai, filho do empresário, acusado de ter feito pagamentos de R$ 50 mil mensais para calar Cerveró. O ex-senador foi acusado pelos advogados de não ter provas dos relatos. "É uma versão unilateral e sem respaldo", afirmou Cristiano Zanin, integrante da defesa de Lula.

De acordo com Delcídio, em uma reunião com Lula, ocorrida em maio de 2015, o ex-presidente teria pedido a ele que buscasse uma solução para Bumlai, que andava preocupado com o andamento da Lava-Jato. O ex-senador, entretanto, admitiu que Lula não sugeriu qualquer estratégia para blindar o amigo, e que a ideia de pagar uma mesada à família de Cerveró foi de Delcídio.

O ex-senador afirmou, no entanto, que Lula estava aflito com os efeitos bombásticos da Lava-Jato, mas que não encontrava no Palácio do Planalto, então ocupado por Dilma Rousseff, ambiente de diálogo para tratar do tema. Segundo Delcídio, o núcleo duro de Dilma avaliava que a presidente e seu governo sairiam ilesos, enquanto Lula tinha visão muito mais clara do estrago que estava por vir.

O ex-presidente, então, optou por tratar do assunto em uma reunião com Delcídio e os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Edison Lobão (PMDB-MA). "Ali ficou claro para mim que o ex-presidente já não tinha mais canal para tratar disso com o Palácio do Planalto", relembrou Delcídio.

Além dele, de Lula e dos Bumlai, são réus na ação o banqueiro André Esteves, o advogado Edson Ribeiro e o ex-chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Rodrigues. As próximas audiências acontecem amanhã na 10ª Vara Federal de Brasília. Lula será ouvido em 14 de março.