Valor econômico, v. 17, n. 4197, 16/02/2017. Política, p. A7

Supremo rejeita pedido de liberdade de Cunha por 8 a 1

Novo relator da Lava-Jato manteve em seu voto a decisão do antecessor Teori Zavascki

Por: Maíra Magro / Luísa Martin

 

Por oito votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem pedido de liberdade do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ao estrear no plenário como relator da Operação Lava-Jato, o ministro Edson Fachin liderou os votos pela manutenção da prisão, determinada em outubro de 2016 pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba.

A defesa de Cunha entrou com duas medidas no STF para tentar reverter a prisão. A primeira foi uma reclamação - usada para fazer valer decisão do STF nos demais tribunais do país. A segunda foi um pedido de habeas corpus, com a justificativa de que não haveria motivos para a prisão. Em ambos os casos, a análise do STF baseou-se principalmente em argumentos processuais, com a conclusão de que os recursos não eram adequados. Os ministros não chegaram a discutir os fundamentos da prisão.

Na reclamação a defesa alegou que Moro, ao ordenar a prisão de Cunha, teria "usurpado a competência do STF". O advogado Ticiano Figueiredo apontou que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a prisão do ex-deputado ao Supremo, que no entanto limitou-se a afastá-lo do mandato e da presidência da Câmara. Para Figueiredo, o STF reconheceu assim, tacitamente, que não havia motivos para a prisão.

Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) argumentou que o fato de o STF não ter analisado o pedido de prisão não significa que indicou ser contrário a ela. Também apontou que parlamentares só podem ser presos em flagrante, por isso o STF (que julga pessoas com foro privilegiado) não teria agido contra Cunha. No momento da decisão de Moro, o ex-deputado já não contava com foro privilegiado e, por isso, o requisito do flagrante já não era presente.

Fachin manteve em seu voto decisão anterior do ministro Teori Zavascki, antigo relator da Lava-Jato, morto em acidente aéreo. Para Fachin, "a ausência de análise de um pedido [de prisão de Cunha pelo STF] não se confunde com a ausência de motivos justificadores desse pedido". De acordo com ele, como não houve decisão do Supremo sobre o assunto, não há que se falar em usurpação da competência da corte por parte de Moro.

A decisão na reclamação foi acompanhada por unanimidade pelos nove ministros presentes à sessão. Ricardo Lewandowski estava ausente por motivo de viagem.

O segundo pedido, um habeas corpus, foi rejeitado por oito votos a um. Para a maioria dos ministros, antes de decidir sobre esse pedido, o STF tem que aguardar que a instância inferior se posicione - ou seja, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O pedido de habeas corpus de Cunha no STJ é relatado pelo ministro Felix Fischer, que já deu liminar negando a liberdade. O recurso da defesa precisa agora ser analisado pela 5ª Turma do STJ.

O único voto destoante da maioria, no caso do habeas corpus, foi o do ministro Marco Aurélio Mello. Para ele, o STF pode se manifestar por iniciativa própria, sem aguardar outras instâncias, se for em benefício do réu. Marco Aurélio observou que Cunha está preso há três meses e 26 dias sem condenação. "Não posso dizer que esse ato de constrição extrema, que é a prisão antes de ter-se a culpa selada, seja harmônico com as regras processuais", declarou. "Não cabe, permita-me Chico Buarque, tomá-lo simplesmente como Geni e partir para o justiçamento. O que cabe é apreciar com desassombro."

Além de Fachin, os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e a presidente da corte, Cármen Lúcia, rejeitaram a liberdade. Barroso declarou que "o quadro fático e jurídico" não é favorável a Cunha. Mendes elogiou a defesa por recorrer ao STF. Segundo ele, a PGR estaria demorando a dar parecer no habeas corpus que corre no STJ. Após a sessão, Celso de Mello disse que a decisão "honrou o legado" de Teori e, numa pequena gafe, elogiou o "ministro" Moro, que na verdade é juiz.

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Lava-Jato ainda vê risco de interferência na operação

Por: André Guilherme Vieira

 

Apesar de o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter ratificado, ontem, decisão do juiz Sergio Moro que manteve o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em prisão preventiva, investigadores da Lava-Jato se mantêm em alerta para o que interpretam como sinais claros da continuidade de uma mobilização política e jurídica destinada a desferir um golpe certeiro na espinha dorsal que mantém a operação em pé: a delação premiada.

O receio é que o Executivo e parte do Supremo Tribunal Federal (STF) amplifiquem a grita contra as prisões preventivas decorrentes das investigações de combate à corrupção na administração pública. Nessa hipótese, poderia haver uma ampliação do debate sobre prisão antes da condenação, com repercussão na sociedade - que ficaria mais suscetível a aceitar o argumento da "prisão desnecessária". Em outubro do ano passado, o Plenário do STF estabeleceu que o início da execução da pena deve acontecer após a condenação em segunda instância. Essa decisão, contudo, ainda pode ser modificada. Basta que outro pedido de suspensão de execução antecipada de sentença chegue à Corte e que a maioria dos ministros vote com entendimento diferente.

Dados do mais recente levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) têm sido frequentemente citados por críticos da prisão preventiva, como o ministro do STF, Gilmar Mendes, que recentemente declarou que o Supremo tem "um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba".

As informações do Depen, de dezembro de 2014, apontam que dos 622 mil detentos no país quase 250 mil são provisórios - 40% da massa carcerária brasileira.

No entanto, de acordo com a pesquisa, o número de presos por crimes contra a administração pública - delitos apurados pela Lava-Jato e por investigações dela derivadas - corresponde a apenas 1% do universo prisional brasileiro, ou 6,2 mil pessoas.

Ainda segundo o Depen, a maioria das pessoas colocada atrás das grades (46%) foi acusada de crimes contra o patrimônio, como roubo e furto; outras 28% estão presas por tráfico de drogas e 13% por crimes contra a vida - homicídio e tentativa de homicídio.

"Apesar da crítica genérica do excesso das prisões preventivas, há atualmente cerca de sete acusados presos preventivamente sem que tenha havido a prolação de sentença na ação penal. Ou seja, há cerca de sete presos provisórios sem julgamento na Operação Lava-Jato", afirmou o juiz Sergio Moro em decisão de 10 de fevereiro, quando negou a Cunha a revogação de sua preventiva, decretada em 17 de outubro. O ex-deputado responde a duas ações penais na Justiça Federal do Paraná, por corrupção e lavagem. Ele ainda não tem condenação.

No mesmo despacho de 10 de fevereiro, Sergio Moro afirmou que as críticas à prisões preventivas "refletem, no fundo, o lamentável entendimento de que há pessoas acima da lei e que ainda vivemos em uma sociedade de castas, distante de nós a igualdade republicana".

Para chegar a tamanho número de delatores, a Lava-Jato em Curitiba contou com 188 prisões, das quais 79 preventivas (sem tempo previsto de duração), 103 temporárias (de cinco dias renováveis por mais cinco) e seis detenções em flagrante.

Amparada pela lei da organização criminosa, de 2013, a delação premiada tornou-se a principal técnica investigativa da Lava-Jato, fato reconhecido pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba. Ela permite ao investigado ou réu negociar o abrandamento de pena e a substituição do regime de prisão pelo domiciliar ou aberto em troca de informações relevantes. A delação se disseminou para outras equipes de investigação desdobradas do grupo investigativo original, como as de São Paulo e Rio de Janeiro.

No Rio, os doleiros e irmãos Renato e Marcelo Chebar entregaram o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e sua suposta organização criminosa. Eles também delataram atos de corrupção atribuídos a Eike Batista e ao vice-presidente do Flamengo, Flávio Godinho. Os três estão presos preventivamente.

A expectativa é que Eike e Godinho busquem acordo de delação premiada, porque o material probatório reunido contra ambos é considerado contundente. Para escapar de uma provável condenação, que os destinaria a iniciar o cumprimento de prisão em regime fechado, eles ponderam sobre a possibilidade de tornarem-se delatores em troca da abreviação do tempo no cárcere.