Valor econômico, v. 17, n. 4203, 24/02/2017. Política, p. A10

Lobistas ligados ao PMDB do Senado são alvo de 38ª fase da Lava-Jato

Por: André Guilherme Vieira / Rafael Moro Martins

 

Deflagrada ontem, a Operação Blackout, 38ª fase da Lava-Jato teve, como alvos dois lobistas considerados os maiores operadores de propinas da Petrobras, responsáveis por viabilizar o recebimento de pelo menos US$ 40,6 milhões por senadores do PMDB e servidores públicos nos últimos 10 anos, segundo o Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba.

Jorge Luz e o filho dele, Bruno Luz, tiveram prisão preventiva decretada pelo juiz Sergio Moro. Ambos estão foragidos e foram incluídos na lista de procurados no exterior, a difusão vermelha da Interpol. Bruno saiu do país em agosto do ano passado e Jorge em janeiro. Também teve prisão decretada o empresário Apolo Santana Vieira, suspeito de receber US$ 510 mil em propinas envolvendo contratos para fornecimento de navios-sonda. A prisão dele foi revogada, porque o MPF informou o juízo de que ele negocia delação premiada .

O ex-diretor da área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, disse em delação que o navio-sonda Petrobras 10.000 envolveu propina de US$ 15 milhões, sendo que agentes políticos investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) receberam US$ 5,5 milhões repassados por Jorge Luz e pelo também lobista e delator Fernando Soares.

"Necessitando de apoio do PMDB para manter-se na diretoria Internacional da Petrobras, comprometeu-se a repassar US$ 5,5 milhões para Renan Calheiros [PMDB-AL] e Jader Barbalho [PMDB-PA]", disse Cerveró. O ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está preso em Curitiba e responde a ação penal pelo recebimento de R$ 5,28 milhões em propina, entre 2010 e 2011, relacionada a contratos de navio-sonda.

De acordo com delatores da Lava-Jato, Jorge Luz manteria há anos relações com Renan, Jader e com o ex-ministro de Minas e Energia e ex-presidente da Eletrobras Silas Rondeau, aliado político do ex-presidente da República e ex-senador José Sarney (PMDB-MA).

Em nota, Renan disse que "a chance de se encontrar qualquer irregularidade em suas contas pessoais ou eleitorais é igual a zero". O senador afirmou, no comunicado, conhecer Jorge Luz. Mas disse não o ver há 25 anos.

Jader Barbalho negou manter relacionamento com Jorge Luz, seu conterrâneo. No entanto, admitiu conhecê-lo. "Fui apresentado a ele - que tinha um pequeno contrato de consultoria com a Companhia de Saneamento do Pará de governos anteriores - no início do meu primeiro governo [do Estado do Pará], acho que em 1983", afirmou, por meio de nota encaminhada por sua assessoria de imprensa.

Jader disse que desde então nunca mais voltou a vê-lo. "Nunca recebi dele, muito menos do filho dele, nenhum dinheiro, nem contribuição partidária. Se ele usou meu nome para receber e distribuir dinheiro foi sem meu conhecimento, ou trata-se de informação mentirosa", declarou.

O presidente do PMDB, senador Romero Jucá, afirmou em nota que os envolvidos na operação "não têm relação com o partido e nunca foram autorizados a falar em nome do PMDB".

Durante entrevista coletiva realizada ontem, em Curitiba, o procurador da República Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa do MPF, disse que Jorge Luz atua na intermediação de propinas desde a década de 1980.

Segundo a Lava-Jato, os Luz operavam, sobretudo, com empresas offshore sediadas na Suíça e nas Bahamas. "Eles também mantinham inúmeras empresas no Brasil, que receberam recursos de empreiteiras como Schahin Engenharia, Trafigura e Samsung", afirmou o procurador. "O acervo probatório [obtido pela investigação] permite concluir que estiveram envolvidas em crimes que envolveram milhões de dólares", disse Mattos.

No despacho em que decretou a prisão dos Luz, o juiz Sergio Moro ressaltou "a dimensão e o caráter serial dos crimes". Segundo o magistrado, houve pagamentos de propinas "em pelo menos cinco contratos diferentes da Petrobras, aliada à duração da prática delitiva por anos e a sofisticação das condutas delitivas, com utilização de contas secretas em nome de offshores no exterior (...) é indicativo de atuação criminal profissional". De acordo com Sergio Moro, cinco dessas contas já foram identificadas, "sendo quatro comprovadamente utilizadas para repasses de propinas".

O decreto de prisão dos Luz ocorreu dois dias após decisão do STF de manter na Corte toda a investigação decorrente da delação premiada do ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado. Ao gravar conversas com líderes do PMDB, Machado obteve diálogos que sugerem medidas para barrar a Lava-Jato. Na terça, quatro ministros do STF acolheram recurso da defesa de Sarney, mantendo na Corte o inquérito aberto. Ela resultou em investigação sobre Sarney, Renan e Jucá.

A decisão de manter todos os procedimentos juntos, no Supremo, foi dos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Ricardo Lewandovski. O relator da Lava-Jato no STF, Edson Fachin, votou pela remessa do caso a Sergio Moro, mas ficou vencido. Os advogados de Jorge e Bruno Luz alegam que eles não fugiram do país, e disseram que vão se apresentar às autoridades " no menor espaço de tempo possível". (colaborou Fabio Murakawa, de Brasília)

_______________________________________________________________________________________________________

JORGE LUZ É CONHECIDO COMO O DECANO DO LOBBY NO BRASIL

Por: André Guilherme Vieira e Marcos de Moura e Souza

 

O lobista paraense Jorge Antonio da Silva Luz,73 anos, é considerado por investigadores que atuam na Operação Lava-Jato como "o operador dos operadores" nas diretorias da Petrobras. Sua trajetória de atuação na estatal lhe valeu a reputação de "decano do lobby" e dos negócios escusos envolvendo contratos com a petrolífera.

Fontes ligadas a à Lava-Jato atribuem a Jorge Luz a concepção e o aperfeiçoamento do modelo de relacionamento mantido pela Petrobras com empresas e fornecedores nas últimas décadas, que dispensava licitações e priorizava a adoção de cartas-convite pelas empresas interessadas em conquistar contratos. A chamada "regra do jogo" culminou no maior escândalo de corrupção da história do país, segundo o Ministério Público Federal (MPF).

Atas de reuniões da Petrobras entregues à força-tarefa da Lava-Jato registram encontros mantidos por Luz com o também operador de propinas Fernando Soares, o Baiano. Soares foi uma espécie de pupilo do velho lobista, que o iniciou na arte de fechar contratos bilionários com pequenas empresas, usadas a pretexto de intermediar propinas a agentes públicos e a políticos, que loteavam as áreas estratégicas da Petrobras de acordo com a composição partidária da época, afirmam os investigadores.

Baiano e Luz se desentenderam e romperam relações. Anos depois, o antigo aprendiz de lobista acabou detalhando à Lava-Jato o método de seu professor.

Jorge Luz também se encontrou diversas vezes com Cerveró, na Petrobras. A Mercedes-Benz usada pelo lobista para ir à estatal tinha vaga cativa na área de estacionamento restrita a diretores, no Rio.

Em 2014, a Lava-Jato já tinha documentos bancários e relatos de delatores que apontavam para a atuação de Jorge Luz nas diretorias Internacional, de Abastecimento e de Serviços da petrolífera desde 1985, durante o governo José Sarney.

"O Jorge Luz é o decano do lobby no Brasil", afirmou ao Valor um veterano engenheiro de Minas Gerais, Ulysses Bayão, de 69 anos. Ele contou ter trabalhado para Jorge Luz durante os anos 80.

Bayão atuou por mais de 40 anos em projetos de engenharia pelo país afora, principalmente em obras públicas de saneamento.

Vivendo em Belo Horizonte, envia ao Ministério Público denúncias sobre supostas irregularidades de que teria conhecimento.

De acordo com a versão de Bayão, Jorge Luz tornou-se lobista ainda durante a ditadura militar, no governo do general João Baptista Figueiredo (1979-1985), em um suposto esquema de desvio de recursos e de superfaturamento no BNH que teria beneficiado governadores. Depois, segundo Bayão, Luz repetiu a fórmula de atuação na Caixa Econômica Federal.

Anos mais tarde, no governo Fernando Collor (1990- 1992), Jorge Luz teria aproveitado a abertura do mercado de informática para vender, também em contratos supostamente superfaturados, programas de computador para órgãos públicos.

Nos modos e no trato pessoal, Jorge Luz é descrito por Bayão como "um gentleman, refinado e agradável". Alguém que manteve por décadas relações com parlamentares e governadores, ajudando-os a financiar campanhas.

_______________________________________________________________________________________________________

Envolvido em Operação Turbulência negocia delação

Por: Murillo Camarotto

 

Personagem do processo que investiga a compra do avião no qual morreu o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, em 2014, o empresário Apolo Santana está negociando um acordo de delação premiada. Por esse motivo, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, revogou a decisão pela qual determinou a prisão preventiva do empresário, bem como uma operação de busca e apreensão nos endereços de Santana.

Réu no processo investigado pela Operação Turbulência, que desbaratou no Recife uma quadrilha especializada em lavagem de dinheiro, Apolo Santana também foi alvo da 38ª fase da Lava-Jato, deflagrada ontem sob o nome de Operação Blackout. Nessa última, os investigadores identificaram em contas bancárias do empresário no exterior valores que teriam sido desviados de contratos de fornecimento de sondas para a Petrobras.

De acordo com a investigação, US$ 510 mil foram repassados a Apolo Santana para "ocultação, dissimulação e repasse a agente público ainda não identificado". "O motivo da transferência permanece obscuro, mas o fato, objetivamente, caracteriza, em princípio, lavagem de dinheiro e pode ainda representar uma operação de intermediação de propina a agente público", diz a decisão original de Moro.

No documento, o juiz coloca Santana no mesmo rol de outros intermediários famosos da Lava-Jato, como Alberto Youssef, Fernando Baiano, Júlio Camargo e Milton Pascowitch. "Presente, portanto, risco à ordem pública, sendo necessária a preventiva para interromper um ciclo delitivo de dedicação profissional à intermediação de propinas e à lavagem de dinheiro", argumenta Moro. O juiz também alerta para o risco de os acusados fugirem do país.

Conhecido na capital pernambucana pelo apetite nos negócios, Santana surgiu pela primeira vez no noticiário policial em 2009, quando o Ministério Público Federal denunciou o empresário e outras 15 pessoas por formação de quadrilha em uma operação ilegal de importação de pneus pelo porto de Suape, 50 quilômetros ao sul de Recife. O grupo teria deixado de pagar pouco mais de R$ 100 milhões em impostos.

O nome do empresário voltou à tona após a morte de Campos. Ele e mais dois empresários foram apontados como os verdadeiros donos do Cessna Citation que vitimou o então candidato a presidente da República. Surgiram daí as suspeitas de ligação política de Santana com dirigentes do PSB, partido presidido por Campos até o dia do desastre. Foram as investigações sobre a propriedade do avião que resultaram na Operação Turbulência.

Santana e seus sócios na compra do avião - João Carlos Lyra e Eduardo Bezerra Leite - chegaram a ser presos em junho do ano passado, mas foram soltos três meses depois, beneficiados por uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Os três optaram pela delação premiada. Há a expectativa de que eles possam revelar pagamento de propinas a políticos do PSB e do PMDB.

Segundo o Valor apurou, Santana continua tocando normalmente suas atividades na capital pernambucana. Envolvido em uma vasta gama de negócios, ele segue mais concentrado na área de pneus, mas também é dono de uma empresa de pescados, entre outras. Sua delação premiada está sendo negociada pelo advogado Alexandre Mailovitch.